Terça, 14 Janeiro 2014
Escrito por Ivone Zeger
Que tal quatro meses sem precisar colocar o despertador, levantar correndo, fazer a barba, acertar o nó da gravata, pegar trânsito? Ler o jornal com calma todos os dias, saborear refeições nas horas certas, longe de alucinadas telas de computador, mensagens por e-mail, apontamentos com demandas das mais variadas, e tudo para ontem? Já pensou ficar quatro meses em casa, recebendo seu salário pontualmente, e ter como principal tarefa dar um colo carinhoso a um ser frágil e querido que acabou de chegar?
Pois os homens que sempre invejaram essa condição feminina – determinada pela natureza e reforçada pelas leis trabalhistas – acabaram de ganhar a grande chance de suas vidas: eles também podem ser beneficiados pela licença maternidade. E as mulheres, sobrecarregadas há décadas por duplas, até triplas jornadas, comemoram a ajuda, e com razão.
Pode-se afirmar sem medo de errar que a inércia do Estado, somada à cultura do patriarcado, não forjou uma situação muito tranquila para as mães. Repare no número de mulheres que se veem obrigadas a desistir da maternidade, ou ao contrário, desistir da carreira profissional, para poder exercer uma ou outra atividade com eficiência e cuidado.
Por quê? Ora, a sociedade brasileira ainda não se comprometeu efetivamente com essa causa. Basta olhar para a educação pública de péssima qualidade e a falta de creches. Bebês, crianças e adolescentes, geralmente, são responsabilidade exclusiva dos pais. E, não muito raramente, responsabilidade só da mãe.
O que dizer, então, dos pais que adotam uma criança? Pouco ou quase nada foi feito, durante décadas, no sentido de estimular a adoção e os cuidados com a chegada da criança na casa.
A licença maternidade parece algo tão óbvio e natural, pelo menos, se pensarmos que uma mãe tem o direito e o dever de cuidar de seu filho e amamentá-lo. Não pretendo esmiuçar leis trabalhistas, tampouco fazer com o leitor uma viagem no tempo, mas sabe-se que, em geral, leis que dão direitos a empregados são precedidas de lutas e reivindicações.
Por exemplo, atualmente a licença maternidade é de 120 dias, ou quatro meses. Já foi menor: três meses. E se você perguntar a um pediatra, certamente ele dirá que o ideal são seis meses em que a mãe deve estar disponível para o bebê.
A lei federal nº 11.770/2008 prevê hoje a prorrogação da licença de 120 dias para 180 dias, inclusive para mães adotantes. Mas, para isso, é necessário as empresas aderirem ao Programa Empresa Cidadã. Os quatro primeiros meses são relativos ao benefício concedido pelo INSS - Instituto Nacional de Previdência Social – e os 60 dias adicionais são pagos pela empresa, com direito a benefícios fiscais.
Além disso, pelo Brasil afora, leis municipais e estaduais intentam programar a licença-maternidade de 180 dias para servidoras públicas.
E chegamos, então, a um considerável avanço, em múltiplos aspectos, com a lei n°12.873/2013, que altera a CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas. O primeiro e importante aspecto é a concessão de licença maternidade de 120 dias à mãe ou pai adotantes, não importando mais a idade da criança.
Até agora, o que havia nesse sentido era a licença maternidade apenas para mães adotantes, com escalonamento conforme a idade da criança: 120 dias para mães que adotassem crianças de até um ano de idade; 60 dias se a criança tivesse entre 1 e 4 anos e 30 dias para crianças entre 4 e 8 anos.
Aliás, um parâmetro muito estranho, uma vez que as necessidades de crianças adotadas em idades mais avançadas são bem mais imprevisíveis do que as necessidades dos bebês. O benefício também é concedido aos pais que obtêm a guarda judicial da criança ou adolescente com vistas à adoção. A guarda judicial é uma fase que antecede a adoção propriamente mas que, muitas vezes, já determina a ida da criança para o novo lar.
A outra boa novidade fica por conta da equiparação entre homens e mulheres. Antes, como o direito era concedido apenas às mães, ficavam de fora os pais solteiros que adotavam, bem como os casais homossexuais masculinos, que se viam na obrigatoriedade de entrar com ações judiciais para requerer o benefício, e nem sempre eram atendidos.
A nova lei cria uma flexibilidade interessante aos casais. Por exemplo, se a mãe não é beneficiária do INSS, mas o pai sim, este tem direito ao benefício e pode ficar em casa cuidando do filho, recebendo seu salário.
Para um contexto social como o do brasileiro, em que aos pais ainda é dado o papel – se nem sempre real, pelo menos simbólico – de provedor, a lei cria nas famílias adotantes uma situação ainda bastante inusitada, mas certamente promissora. Se os dois forem beneficiários, podem escolher qual deles ficará em casa.
Mais inusitada e tão bem vinda quanto, é a possibilidade de casais homossexuais adotantes se organizarem com mais tranquilidade para a vinda do novo membro da família. Quem dos dois pais – ou mães – tiver o benefício poderá usufruí-lo, lembrando que no caso em que os dois, ou duas, são contribuintes, apenas um pode lançar mão do benefício.
Um detalhe da nova lei: no caso de adoção por casais, se aquele que está usufruindo da licença maternidade falecer, o cônjuge ou companheiro pode obter o benefício, que cobre os 120 dias ou completa os dias a que o cônjuge falecido tinha direito. Essa regra vale mesmo que o cônjuge ou companheiro sobrevivente não seja contribuinte do INSS.
Apesar da novidade, muito ainda deve ser feito no sentido de acomodar os novos tempos. O mercado de trabalho consome energias extras de homens e mulheres e pouco sobra para atividades tão naturais como a educação de filhos. Vale ainda lembrar que recursos direcionados à educação e salvaguarda da infância deveriam ser considerados investimentos, que retornam em benefícios futuros para toda a sociedade.
Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, Membro Efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB-SP, autora dos livros "Herança: Perguntas e Respostas" e "Família: Perguntas e Respostas" - da Mescla Editorialwww.ivonezeger.com.br
http://www.dcomercio.com.br/2014/01/14/responsabilidade-compartilhada
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