REUNIÃO EM FAMÍLIA

Terça-feira, 21 de janeiro de 2014
Por: Editoria
Clenon Ferreira
Formação clássica ‘casal com filhos’ deixa de ser maioria no Brasil e representa 49,9% dos domicílios

No início de 2013, quando o então deputado federal Marco Feliciano tomou posse da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), afirmou, para quem quisesse ouvir: “É preciso defender os bons costumes e preservar a família brasileira”. O problema é que o paulista se esqueceu de analisar os novos recortes do Censo sobre a atual estrutura e organização da família brasileira.
Os novos estudos, divulgados em 2010, sobre a formação familiar do País confirmam o que muitos já diziam há tempos: família não é constituída apenas de pai, mãe e filhos, como muitos reiteram, a exemplo de Feliciano. As pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam características observadas nos últimos anos, como reflexo da mudança estrutural dos grupos familiares, da maior participação da mulher no mercado de trabalho, das baixas taxas de fecundidade e do envelhecimento da população.
É o que acontece na família da goianiense Cecília Brito, que foge da até então tradicional. Depois de morar dez anos com o seu ex-marido, resolveu convidar o irmão para morar com ela e seus três filhos. Hoje, depois de alguns anos, a goiana mantém um relacionamento saudável com o pai das crianças e faz parte do grupo de mulheres (com 38,7%) responsável pela família.
Produtora audiovisual no Instituto de Cultura e Meio Ambiente (Icumam), Cecília afirma que ser chefe de família é uma tarefa árdua. Todas as despesas (e são muitas) são de sua responsabilidade. “É preciso segurança num trabalho formal, mas, além disso, ainda faço alguns bicos, como fotógrafa. Meu irmão me ajuda muito neste meio tempo. É ele quem me ajuda a cuidar das crianças, principalmente quando não estou em casa.”
Se fosse para classificar a família da goiana, ela estaria no grupo da “Família Estendida”, formada por um casal/mulher/homem com filhos e parentes, que equivalem a 19% dos 57 milhões de lares brasileiros. A família de Cecília, nestes parâmetros, é o que há de mais contemporâneo na nova formação familiar nacional: a mulher em primeiro plano, formadora de renda e em posição central na responsabilidade do lar.
Mas a novidade que emerge do estudo vem da preocupação do IBGE de, pela primeira vez, analisar a expansão das pessoas que moram com amigos. Porque família, neste novo século, não se aplica apenas a parentes sanguíneos. São ao todo 400 mil lares constituídos por amigos, número que quase dobrou na última década. E as justificativas são muitas: jovens que precisam compartilhar as despesas, pessoas que saem de seu lugar de origem para viver em outras cidades, a exemplo de Rio de Janeiro e, principalmente, São Paulo, ou ainda àqueles que preferem ter a companhia de alguém.
O goiano Mauro de Oliveira, 26, vive a capital paulista há quatro anos. Designer, mudou-se de Goiânia por conta do mercado de trabalho, que ainda é pouco promissor para a sua área de trabalho, e porque viu a necessidade de estudar. São Paulo foi a melhor saída. No início, durante o primeiro ano, morou sozinho. Mas logo as despesas aumentaram. Foi aí que convidou uma amiga, Gabriela Camargo, também de Goiás, para morarem juntos. Hoje, Oliveira afirma para todos: “Minha família é constituída de amigos”.
A experiência, para ele, é surpreendente. “O que faz uma família? Dentro de casa, o meu apoio é depositado na minha amiga, que mora comigo e que compartilha muitas coisas do cotidiano. Como não afirmar que Gabriela, por exemplo, já não é a minha parente?”, reitera. Mauro está certo. Em dez anos, subiu de 132 mil para 400 mil os lares com não parentes, sendo que na maior parte dos casos são famílias formadas por amigos.
E as pesquisas vão muito além. Segundo o IBGE, a formação clássica “pai mãe e filhos” representa 49,9% dos domicílios, enquanto outros tipos de famílias já somam 50,1%, número em ascensão. O destaque mesmo fica à cargo dos novos casais assumidamente homossexuais, que já somam 60 mil lares. A declaração e reconhecimento dos casais homoafetivos cresceu depois do reconhecimento da união estável pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Atualmente, um companheiro pode autorizar a realização de uma internação hospitalar em seu parceiro e inscrevê-lo como dependente em clubes, seguros de vida e planos de saúde. Os dois podem juntar rendimentos para financiar ou alugar um imóvel e fazer a declaração conjunta do Imposto de Renda. Os casais também podem faltar ao trabalho se o parceiro morrer (licença-luto) e pedir licença se a companheira tiver um filho. Legalmente, o convivente também tem direito a usufruir dos bens do parceiro. E, em caso de separação, pode pedir pensão alimentícia, por exemplo.
Apesar do preconceito, o que estes casais querem é formar, de fato, uma família, com todos os direitos garantidos. Pais de uma menina de 10 anos, Vasco e Júnior vivem em união estável há quase 20 anos. De bem com a vida, os três ilustram bem como são as novas famílias brasileiras. Eles se consolidam 20 anos de relação com a adoção de Theodora, uma das primeiras adoções com um casal homoafetivo permitida no País.
Eles se conheceram em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Em 1996, o casal mudou-se para Catanduva, um município com cerca de 110 mil habitantes, a 380 quilômetros da capital paulista. Na certidão de nascimento de Theodora consta o nome dos dois pais. E como a garotinha encara o fato? “Com naturalidade e amor”, responde Vasco.

E SOZINHO, TAMBÉM É FAMÍLIA?
Quem já morou sozinho sabe: o difícil depois é morar com alguém. O bloco do “eu sozinho” já soma quase sete milhões. São, ao todo 12,2%, dominado pelos homens, com mais de 51%. Só no Centro-Oeste aumentou em dois pontos percentuais o número de moradores e superou o Sudeste com uma proporção de 13,8% dos domicílios com apenas um morador. Os domicílios com dois moradores também tiveram um significante aumento proporcional: foram de 22,6% em 2009 para 23,9% em 2011.
O hábito e o cotidiano de uma família de muitas pessoas e dos brasileiros que moram sozinhos são totalmente diferentes. Para estes últimos, o destaque fica a cargo dos serviços pessoais, a exemplo de lavanderias, limpeza, sites de relacionamentos, agências de viagens.
Outro conceito que faz parte do dia-a-dia da família unipessoal é o delivery, que ganhou popularidade com a entrega de pizzas, mas hoje abrange um leque mais amplo de produtos e serviços. É como vive o estudante de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Goiás (UFG), Augusto Teixeira. Ele mora sozinho em Goiânia há cinco anos, desde que tentou o primeiro vestibular, então com 17 anos.
E foi uma responsabilidade. “Fui morar sozinho muito novo. Hoje, eu assumi minhas despesas e sobrevivo do meu trabalho. Acredito que amadureci. Criei tantos hábitos que não sei como conseguirei conviver com outras pessoas numa mesma casa. Não faço compras do mês, por exemplo. Peço comida pelo telefone, almoço fora ou convido amigos para jantar na minha casa.”
Não há uma fórmula exata para denominar uma estrutura familiar. Teixeira, por exemplo, vive sozinho, assim como outros tantos brasileiros, e ainda assim sente-se em família, no seu lar. Enquanto isso, vários casais homoafetivos tentam adotar filhos, constituir uma família com todos os direitos necessários. Muito além disso, Cecília e mais outras tantas mulheres tornam-se as responsáveis pela família. E ainda há aqueles que duvidem dos novos e coloridos arranjos familiares do País.
Produtora audiovisual Cecília vive com seus três filhos e o irmão numa nova configuração do conceito “familia”, que se estabelece cada vez mais velozmente no Brasil
http://www.portalohoje.com.br/homologacao_20052013/essencia/reuniao-em-familia/