domingo, 19 de janeiro de 2014

VERÁS QUE UM FILHO TEU NÃO FOGE A PRÉ-JULGAR O PRÓXIMO

19/01/2014
PRECONCEITO
Pesquisa revela que três em cada quatro entrevistados consideram que o brasileiro é um povo preconceituoso
Émerson Maranhão
emerson@opovo.com.br

Se dependesse da indulgência da maioria dos brasileiros, o nigeriano Cornélius Okwudili Ezeokeke. 42, estaria desempregado. Ex-presidiário, Cornélius foi condenado duas vezes por tráfico internacional de drogas e cumpriu pena em Recife (PE) e em Fortaleza (CE). Caso precisasse sair hoje à procura de emprego, era certo receber um não como reposta de pelos menos 53% das pessoas a quem pedisse uma oportunidade profissional.
É o que mostra uma pesquisa nacional que mapeou como o brasileiro se comporta em relação ao preconceito. Perguntados se empregariam um ex-presidiário, caso tivessem uma empresa, apenas 47% disseram que sim.
Foi em relação a categoria de ex-detento que mais os pesquisados não tiveram pruridos em se assumir preconceituosos. Mas esta não foi a única, ainda que nas demais a resistência não tenha sido tão escancarada.
Vinte por cento dos pesquisados admitiram que se pudessem não empregariam homossexuais e 9% declararam não ter a intenção de empregar pessoas de cor negra.
“É surpreendente que um em cada cinco brasileiros afirme que não empregariam uma pessoa se ela ou ele fosse homossexual”, analisa Marcelo Cenni, diretor de negócios da Expertise, a empresa que realizou a pesquisa, em entrevista ao O POVO. “Para mim, esse é um índice muito elevado, não há razão de ser”, completa.

SUTILEZAS
Marcelo ressalta a sutileza de alguns números levantados pelo estudo. Enquanto 72% dos entrevistados dizem que o brasileiro é preconceituoso e 61% afirmam que as pessoas usam o preconceito para se promover, poucos são aqueles que se declaram como integrantes deste grupo (veja gráfico nesta página).

Esta tensão em enxergar no outro o preconceito e não em si requer cuidado dobrado na leitura destes números, que aparentam contradição. É o caso do fato de o casamento entre pessoas do mesmo sexo ter 45% de aprovação e 38% de posicionamentos contrários. E uma questão ainda mais polêmica, que é adoção de filhos por pares homoafetivos ter aceitação ainda maior (48%) e rejeição menor (36%).

“Não estamos livres do preconceito, mas ninguém quer ser preconceituoso”, pondera Marcelo. “Nos dias atuais, não ‘pega bem’ assumir preconceito em relação a esta ou aquela situação. Então, mascara-se, mas sabemos que o preconceito continua lá. O Brasil é um país preconceituoso”.

METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada via internet, utilizando uma plataforma chamada Heap Up, que reúne mais de 58 mil respondentes cadastrados e auditados em todo o País, aptos a responder pesquisas sobre os mais variados temas.
Foram consultados 1.215 brasileiros, de todas as classes sociais e em todos os estados do País, através de questionário online de autopreenchimento.
“O objetivo desses estudos é conhecer o posicionamento do brasileiros em relação a vários temas, polêmicos ou não. A gente foi em busca desse posicionamento do preconceito na visão das pessoas”, explica Marcelo.

CORNÉLIUS
Voltando ao nigeriano sobre quem falávamos há pouco, Cornélius credita a sua reincidência no crime à falta de oportunidades quando saiu do presídio em Pernambuco.
“Durante seis meses fiz de tudo para arrumar um emprego e não consegui. Estava passando fome, desesperado e vendo minha filha pequena, com dois anos, também passando necessidades. O que eu mais queria era um trabalho direito, normal. Como não consegui, acabei aceitando transportar droga de novo”, conta Cornélius.
Ao deixar o presídio em Fortaleza, há cinco anos, Cornélius recebeu ajuda da Pastoral Carcerária e, através do programa de Inclusão Social do Preso e do Egresso conseguiu um emprego na Secretaria de Justiça, onde atua como almoxarife.
“As pessoas precisam entender que enquanto o preconceito impedir a ressocialização de presos quem perde é a sociedade. Quem mais ganha com pessoa resgatada é a sociedade, pode ter certeza”, garante Cornélius.
http://www.opovo.com.br/app/opovo/dom/2014/01/18/noticiasjornaldom,3192943/veras-que-um-filho-teu-nao-foge-a-pre-julgar-o-proximo.shtml

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