domingo, 2 de fevereiro de 2014

CRÍTICA: BARBIE (BA-BI)


30.01.2014

“Barbie” (2011) é um filme que trava no espectador discussões inflamadas com seus próprios anseios morais. O certo e o errado se enquadram em uma fronteira tão tênue na qual nenhum julgamento pode ser colocar em uma posição maniqueísta. Quem tem a razão? Os fins justificam os meios? Algumas questões, de tão delicadas, propõem a redução do ser humano para um deslocamento em direção a outras causas. Nenhuma decisão vem ausente de dor, e sim, acompanhada de grandes pesares. E é este sentimento que aflora ao assistir este longa do diretor Lee Sang-Woo.

SOON-YOUNG
Esta produção conta a história de Soon-Young (Kim Sae-ron), uma menina de 13 anos, cuja vida é cuidar da sua família: seu pai com problemas mentais, incapaz de tomar decisões, e sua irmã que tem uma saúde debilitada. Ela é o principal alicerce desta casa, não apenas zelando pelos dois, como também fazendo serviços domésticos. Não existe diversão em sua vida, tudo se baseia no peso da responsabilidade que lhe foi incutido, e aceito – pela força das circunstâncias.
Existe nela um senso de proteção da sua família disfuncional, para evitar que eles sofram mais, o que a faz assumir o papel de pai e mãe, sintetizadas na sua pessoa. O pai, deficiente mental, torna-se uma figura extremamente mal-vista, alvo de preconceitos, principalmente em uma sociedade como a sul-coreana, que busca um padrão de beleza idealizado, fazendo com que anomalias não sejam permitidas. A própria situação deste lar é bastante desfavorável: eles são paupérrimos. Isto também distoa do ideal de perfeição: aqui todos lutam por cada centavo para sobreviver.

SUA IRMÃ MAIS NOVA
Já a irmã, Soon-Ja (Kim Ah-Ron), não compartilha do mesmo senso de responsabilidade de Soon-Young, preferindo viver de forma alienada, ao querer algo diferente da sua situação atual. E não medirá esforços para que isto se realize, deixando à mostra sua personalidade egoísta e ambiciosa. Ela personifica o consumismo desenfreado e a obsessão pelos Estados Unidos, terra dos sonhos e da perfeição. Abomina, assim, sua família e seu país; almeja uma vida melhor, fora da penúria e daquelas pessoas: quer viver o sonho da América.

BARBIE E SEU PAI
A partir deste cenário, aparece Barbie e seu pai, Stevie. A intenção deste pai é adotar uma criança coreana e levar consigo para seu país de origem. Há por trás disso, um motivo torpe. O filme coloca bem a questão dessa aquisição: adoção está vinculada a aceitar uma criança e cuidar dela, sem se prender a questões biológicas; é , sim, do amor que se constitui da relação pai-filho. Aqui é à base da compra, da aquisição por meio da troca financeira. O tio de Soon-Young, Maeng-Taek (Lee Cheon-Hee), é o intermediário desta transação. Ele é ganancioso, e, assim como a sobrinha, quer uma forma de sair da situação de pobreza em que vive, mesmo que para isso ele precise vender alguém de sua família.
A prática da adoção de crianças de países asiáticos por cidadãos de países desenvolvidos era muito comum, principalmente em uma Coréia arrasada pela guerra e ditadura. Existe no filme uma crítica em relação a este tema, posto que a adoção pode não ser necessariamente uma utopia, podendo mascarar diversos problemas, como o tráfico infantil, de órgãos etc. Outro ponto também é o posicionamento (ou a falta dele) das entidades governamentais em permitir que crianças coreanas sejam adotadas com tanta facilidade.

O CONFLITO E O SURGIMENTO DE UMA AMIZADE SINCERA
Stevie, pai de Barbie, que é o financiador da adoção, vai para a cidade praiana onde está a família de Soon-Young, justamente com o fim de concretizar este objetivo. Ele se mantém hostil a tudo que está ao seu redor, e se mostra resistente a qualquer possibilidade de vínculo (o que se torna mais claro ao longo da narrativa). Porém, ele não contava com uma aproximação, uma amizade verdadeira que surge entre a menina que está prestes a adotar, que, segundo o acordo feito com Maeng-Taek, é Soon-Young, e Barbie. Mesmo enfrentando as barreiras linguísticas, elas encontram maneiras de se comunicar e se afeiçoam mutuamente. Isto não faz parte dos planos, o que favorece a irmã mais nova que não se conforma e faz de tudo para que seja escolhida, e não Soon-Young. Mais maliciosa, ela começa a aprender inglês para impressionar Stevie e Barbie; investe na própria aparência para ficar mais apresentável; mostra-se mais simpática (e falsa, o que acaba por irritar Barbie que percebe as reais intenções da menina). Tudo isto contrasta com Soon-Young que tem uma família para cuidar e não tem tempo para tais frivolidades, nem para sonhar com uma vida melhor.

REALIZAÇÃO DE UM SONHO
Unindo o vínculo inesperado de Soon-Young com Barbie e a vontade incomensurável da irmã de querer ir em seu lugar (o que ela vê como uma vitória), seu tio acaba por realizar esta vontade, já que sua saúde, para a sua aquisição, não influencia nos objetivos do médico. E ela se torna a escolhida. E acredita que assim vai realizar seu sonho americano, mostrada pelo diretor na menina, vestida de rosa, com a bandeira do país em suas mãos, esboçando um sorriso feliz e pleno.
Em seu desfecho, todos os personagens do filme carregam consigo um peso, seja ele da escolha, da alienação, de ser enganado, da ausência, da revolta, impotência. E mais importante: das decisões que são irreversíveis.

DILEMA
Existe um forte dilema moral que vem à tona na história, que remete o espectador a repensar sobre os valores do ser humano, e quanto o dinheiro é determinante para (des)construir todas as relações pelas quais perpassa o senso ético de cada um. Como dito acima, o certo e o errado viram conceitos fluidos quando se está em determinadas situações e em como transações financeiras podem passar por cima do destino de alguém, das consequências naturais da vida, para brincar de Deus e forçar medidas desesperadas e atos perversos.

MAS VALE A PENA?
Vale. “Barbie” faz o espectador se confrontar. A angústia que ele deixa nos faz refletir sobre como a ganância e o desespero fazem as pessoas reverterem seus próprios valores. O ideal é assistir quando você estiver em um momento mais voltado para filmes que mexam com sua cabeça, te façam pensar.
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