30.01.14
Por Antonio Lira
Apesar de o artigo 227 da Constituição Federal dizer claramente que é dever da família, da sociedade e do Estado garantir a convivência familiar a crianças e adolescentes, não é isso que vem acontecendo com muitas das crianças e adolescentes da cidade do Recife. Em sua dissertação “O princípio da convivência familiar: verdade ou mito para crianças e adolescentes acolhidos”, Ana Paula Lira Melo verificou que essa garantia vem sendo negada aos que estão institucionalizados em casas de acolhida.
A pesquisadora verificou que, em contraste à demanda do público infanto-juvenil de instituições de acolhimento casas de abrigo de responsabilidade tanto do Estado, através da Secretaria da Criança e da Juventude (SCJ), do Município, através do Instituto de Assistência Social e Cidadania (IASC), e de ONGs, a quantidade desses estabelecimentos reduziu significativamente no período de 2011 a 2013. Aproximadamente 38% das casas de acolhida foram fechadas, o que resultou numa redução de 162 vagas na capacidade de acolhimento em estabelecimentos presentes no Recife. Em contraste a isso, o número de jovens acolhidos aumentou em aproximadamente 26% no mesmo período na comarca de Recife.
Por conta dessa realidade, segundo a análise, as crianças e adolescentes acolhidos estão vivenciando uma superlotação nas casas de acolhida. Para o trabalho, orientado pela professora Fabíola Albuquerque Lobo, no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPE (PPGD-UFPE), os dados observados foram colhidos no Programa de Prevenção à Institucionalização Prolongada (Ppip) da Comissão Estadual Judiciária de Adoção de Pernambuco (Ceja) e no Núcleo de Orientação e Fiscalização de Entidades (Nofe) da 1ª Vara da Infância e Juventude de Recife, que fiscaliza as casas de acolhida presentes na cidade.
Segundo analisa Ana Paula, “além do fato de as crianças e adolescentes estarem em instituições de acolhimento superlotadas, há o problema da dificuldade do cumprimento do prazo máximo de dois anos estabelecido pela lei para que seja definida a situação do público infanto-juvenil, muitas vezes por conta do tempo que se leva para que se esgotem todas as possibilidades de reinserção dessas pessoas em desenvolvimento do jovem na família de origem, algo que é recomendado aos juízes”. Entretanto, na opinião da pesquisadora, apesar do legislador fazer essa exigência, o Estado muitas vezes não dá condições à família original para que ela cuide de sua prole. “Não estamos falando de famílias de classe média, mas famílias em situação de vulnerabilidade. Como é que o Estado pode exigir dessa família que ela crie seus filhos, que não os abandone, quando não dá o apoio garantido constitucionalmente?”, indaga.
A pesquisa aponta que existem crianças que estão desde 2006, quando começou a execução do projeto da Ceja, esperando uma definição de seu caso. E como com o avançar da idade dos acolhidos se torna mais difícil conseguir realizar uma adoção, muitos deles acabam chegando à maioridade sem ter conseguido efetivar o princípio da convivência familiar, seja através de suas famílias biológicas ou adotivas.
De acordo com Ana Paula, o problema não é a existência de leis, mas a não efetividade das leis que já existem. “O nosso Estatuto da Criança e do Adolescente é um dos mais primorosos do mundo. O que a gente percebe é que não se precisa da criação de leis, mas sim da efetivação das leis que já existem”, diz a pesquisadora. Trazer a academia para esse debate foi, inclusive, uma das motivações que levaram Ana Paula a desenvolver sua dissertação. “Talvez através da academia se possa trazer alguma melhoria na garantia e efetivação do direito à convivência familiar”, afirma.
Apesar das dificuldades encontradas, Ana Paula ainda acredita que é possível que haja a efetivação do princípio da convivência familiar para o público infantojuvenil acolhido. Mas isso não é uma tarefa só do Judiciário, que tem suas limitações e, sim, de outras áreas de atuação e da própria sociedade civil, que deve estar atenta à situação das crianças e dos adolescentes.
Mais informações
Programa de Pós-Graduação em Direito
(81) 3221.2102
ppgd@ufpe.br
Ana Paula Lira Melo
meloap@uol.com.br
http://www.ufpe.br/agencia/index.php?option=com_content&view=article&id=48840:criancas-e-adolescentes-em-casas-de-acolhimento-no-recife-nao-tem-acesso-ao-direito-da-convivencia-familiar&catid=364&Itemid=72
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