domingo, 6 de outubro de 2013

5 perguntas sobre adoção: entrevista com Silvana do Monte Moreira

Silvana do Monte Moreira define-se como mãe (sublinhando ser difícil especificar por adoção, por não gostar da adjetivação), advogada, formada em Letras,  membro da Comissão Estadual Judiciária de Adoção – RJ, diretora jurídica da ANGAAD, presidente da Comissão Nacional de Adoção do IBDFAM.

1. Quais os principais desafios para a adoção hoje?
Os prazos excessivos de tramitação dos processos. Não se trata especificamente de crítica ao judiciário, mas de crítica ao processo que, no meu entender, deveria ser diferenciado por tratar de pessoa em especial estágio de desenvolvimento. Os procedimentos de adoção devem atentar prioritariamente aos princípios constitucionais da Duração Razoável do Processo e da Celeridade da Prestação Jurisdicional, do Melhor Interesse da Criança e da Dignidade da Pessoa Humana. Tais princípios, via de regra, não são observados fazendo que haja um enorme distanciamento do princípio fundamental da efetividade, que se encontra intrinsecamente ligado à concepção da duração razoável do processo.
Outra questão que também prejudica o procedimento é o fato de que operadores da infância e da adolescência buscam esgotar as possibilidades de manutenção da criança na família de origem, o que chamamos de biologismo, exacerbando tais tentativas em busca de parentes com os quais as crianças não têm laços de afetividade ou afinidade, ou mesmo buscando parentes que já demonstraram – por atitudes ou falta delas – não ter interesse em acolher àquela criança. É preciso que se tenha em mente que a adoção – a colocação em família substituta – não deve ser considerada – ante conteúdo probatório que confirme a impossibilidade ou inadequação da reinserção na família de origem – como última alternativa, pois, na grande maioria das vezes é a única alternativa de convivência familiar de crianças e adolescentes.
Tratar dos entraves poderia lotar folhas e folhas e não seria bastante.

2. Existe consenso em torno de um curriculum mínimo sobre o que deva ser trabalhado com os requerentes em processos de habilitação para adoção?
Não, não existe. Em 2011 por iniciativa da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República foi iniciado um trabalho denominado “Protocolo de Adoção”. Uma primeira reunião foi realizada em Brasília com representantes dos grupos de apoio à adoção de todas as regiões do Brasil, presença da ANGAAD e do IBDFAM. Nessa reunião traçamos pontos básicos como número mínimo de sessões, conteúdo obrigatório, etc. Foi criado um grupo de trabalho via internet para que o grupo interagisse e formatasse o “protocolo”. Lamentavelmente não ocorreu continuidade no trabalho, novos contatos não foram mantidos pela SEDH, mesmo com grande insistência de todos os envolvidos não ligados ao executivo, e o projeto, acredito, foi arquivado.
3. No parágrafo 5o, do artigo 28 do ECA lemos que: A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar
Como você avalia, em geral, a relação do executivo com a atribuição a ele concedida nesse parágrafo e em outros análogos no ECA? Há exemplos de trabalho conjunto com o Judiciário nessa linha? Quais as dificuldades envolvidas nessa relação?
Em locais em que o Judiciário tem uma boa equipe técnica – quando tem, gize-se -, não são utilizados agentes do Executivo neste acompanhamento. Em cidades pobres no estado da Bahia, por exemplo, a utilização é usual, tanto do Conselho Tutelar quanto do CREAS, CRAS e CAS.
É importante esclarecer que os profissionais lotados nos CREAS, CRAS e CAS, assim como nos Conselhos Tutelares, já são excessivamente demandados e, particularmente, entendo que não devem substituir a equipe técnica do judiciário.
Necessário, ainda, relembrar a Recomendação nº 2, expedida pelo Conselho Nacional de Justiça há quase 10 anos, que recomenda aos Tribunais a implantação de equipe interprofissional em todas as comarcas dos Estados para auxiliar o Poder Judiciário nos processos relacionados à defesa do direto da criança e do adolescente, como preveem os artigos 150 e 151 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, não foi atendida até a presente data.
A equipe interprofissional é de suma importância não apenas para subsidiar os Juízes através dos relatórios técnicos para que os magistrados possam conhecer as questões que lhes são trazidas e decidir com maior segurança acerca de assuntos tão complexos.
A equipe interdisciplinar também atua no acompanhamento das medidas de proteção, na realização de tratamento social, orientação às famílias da criança e do adolescente, promoção e entrosamento dos serviços das Varas da Infância e da Juventude com técnicos dos Conselhos Tutelares e no acompanhamento e execução de medidas sócio-educativas.
Na prática profissional reputo como preponderante os relatórios técnicos realizados pelas equipes interdisciplinares das Varas da Infância, pois, em inúmeras ocasiões funcionam como ponto decisório em procedimentos em segunda instância, ou seja, são essenciais para a decisão de conceder ou não liminar que poderia vir a retirar a criança da convivência familiar com os adotantes. Procedimentos sem estudos bem elaborados podem induzir o julgador em erro.
4. Como entende a participação da sociedade civil e das entidades de acolhimento institucional como atuantes dos procedimentos de adoção?

Com relação à integração entre a sociedade civil e o judiciário posso falar da experiência pessoal que temos através dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga II e III que atuam com termo de cooperação técnica com a 1ª Vara Regional da Infância, da Juventude e do Idoso e com a Vara da Infância de Guapimirim, respectivamente. Nas reuniões do GAA Ana Gonzaga II – ocorrem uma vez por mês, na terceira segunda-feira do mês, às 19 horas, na Igreja Metodista de Cascadura localizada em frente ao Fórum de Madureira – a presença das equipes técnicas das entidades de acolhimento institucional são comuns. As entidades são, inclusive, parceiras do projeto “Apadrinhar” que trata do apadrinhamento afetivo de crianças e adolescentes. Não são todas as entidades que têm os mesmos pensamentos, obviamente que existem entraves e diferenças de concepções.
Em algumas entidades não vejo um bom acolhimento do habilitado, nem sempre as informações são prestadas com a clareza necessária, nem sempre as equipes são treinadas para receber adequadamente aqueles que buscam exercer o cuidado com as crianças acolhidas.
Entendo, para que todos falem a mesma linguagem ou tenham um discurso coerente, ser necessária a qualificação das equipes técnicas das entidades, assim como dos dirigentes. Imagino um projeto amplo de capacitação não apenas das entidades de acolhimento, mas, também de membros dos Conselhos Tutelares e demais operadores da infância.
5. O que é a Oficina de Adoção, do Ministério da Justiça?
A “Oficina de Adoção” é uma iniciativa do Ministério da Justiça por meio da Secretaria de Assuntos Legislativos, com objetivo identificar os problemas presentes no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) referentes ao procedimento de adoção, além de discutir soluções para tornar o procedimento mais célere, conservando as garantias constitucionais que devem estar presentes em todos os processos judiciais. A primeira e única reunião foi realizada no mês de março de 2013 e contou com a presença de membros do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, da magistratura e da defensoria pública.
Os principais temas discutidos foram: (1) ausência de um cadastro semelhante ao Cadastro Nacional de Adoção (CNA) para a adoção internacional, (2) a demora do processo de adoção, (3) a rigidez da lista de crianças e adolescentes aptos à adoção, (4) a proibição da adoção direta, (5) a falta de equipe interdisciplinar nos fóruns, (6) a necessária normatização da adoção intuitu personae, dentre outros.
Na lacuna entre o “protocolo de adoção”, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, e a “Oficina de Adoção” do Ministério da Justiça, entendo que os tribunais de justiça, através de suas coordenadorias da infância, poderiam assumir a responsabilidade pela determinação de um currículo mínimo para o “curso preparatório para a habilitação”, assim como regular os “termos de cooperação técnica” entre os grupos de apoio à adoção associados à ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção e as respectivas varas da infância do local de competência. Dessa forma estaríamos dando um passo adiante da emperrada máquina estatal e efetivamente trabalhando em prol de crianças e adolescentes que têm na família substituta não a última possibilidade de conviver em família, mas sim a única alternativa de ter preservado o direito à convivência familiar.
 Publicado em interface psicologia e justiça


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