segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Desestrutura familiar é maior vilã

Paraíba, 07/10/2013

Apenas no primeiro semestre, centros de referência já atenderam 83% do total registrado ano passado

O artigo 5º do ECA diz que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão, sendo punível qualquer atentado por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. 
No ano passado, os centros de referência da assistência social (Creas), da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano (SEDH), registraram 3.632 casos de violação dos direitos da criança e do adolescente na Paraíba, como violência física e psicológica, abuso e exploração sexual, negligência, abandono, situação de rua e trabalho infantil. 
Só neste primeiro semestre, o número chega a 3.025, o que representa 83,29% do total de 2012. A quantidade pode aumentar, porque ainda falta o segundo semestre. Para a coordenadora estadual dos Creas, Madalena Dias, falta de estrutura familiar é um dos elementos que acarretam a violação dos direitos. 
“Inúmeros fatores perpassam essa questão. Além da desestrutura da família, o maior deles é a estrutura da sociedade. A negligência, que é um dos pontos, tem sido tratada como problema histórico e cultural. Já o trabalho infantil, a mãe ou o pai acabam sendo os agressores, porque deixam os filhos ir para rua. Por isso, todos os fatores sociais, econômicos e culturais contribuem para a violação dos direitos”, afirmou a coordenadora. 
Abrigos acolhem 383 crianças e jovens
Na Paraíba, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem 37 abrigos de acolhimento de crianças e adolescentes, sendo 10 instituições em João Pessoa (quatro organizações não-governamentais – ONGs – e seis municipais).  Até o dia 10 de setembro deste ano, o CNJ contabilizava 383 pessoas vivendo em abrigos no Estado. 
Na Capital, o número de crianças e adolescentes acolhidos, até a última quinta-feira, era 127. Elas são encaminhadas por determinação judicial, após terem os direitos violados. De acordo com a juíza auxiliar da 1ª e 2ª Varas da Infância e da Juventude de João Pessoa, Aylzia Fabiana Borges Carrilho, o ECA estipula o prazo máximo de 2 anos para que uma criança ou adolescente fique em situação de acolhimento institucional. 
“Contudo, em algumas situações, esse prazo pode ser prorrogado, tendo em vista a impossibilidade de uma reintegração familiar, em virtude do abandono dos genitores, muitas vezes motivado pelo estado de drogadição e de alcoolismo deles, como também pelo fato de a criança ou adolescente não se enquadrarem mais no perfil desejado por aqueles que querem adotar”, revelou a juíza.
Ainda de acordo com a juíza Aylzia Fabiana, as crianças em situação de acolhimento, em regra, têm acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico. Além disso, participam de alguns programas, como o  “Fazendo minha história” e “Apadrinhamento afetivo”. 
“Esses contribuem para o resgate da autoestima de uma criança e para a construção da personalidade dela, pois o primeiro resgata a origem e a historio dela, enquanto o segundo dá a oportunidade a ela de ter um olhar mais individualizado, através de um padrinho afetivo”, ressaltou.
Garota foi vendida e abusada na infância
Uma infância marcada pela convivência com as drogas e uma família desestruturada. Vendida inúmeras vezes para diversas pessoas, Rosinha (nome fictício), 15, moradora de um dos abrigos da Capital, teve que conviver com a mãe que traficava drogas na cidade de Belém, no Pará. “Na última vez, ela me vendeu para um traficante. A polícia soube e me levou para um abrigo. Disseram que eu ia passar três meses e acabei passando 3 anos. Nesse tempo, o pessoal ficou procurando saber onde morava meu pai, porque eu não podia voltar para a minha mãe. Foi aí que encontraram ele aqui em João Pessoa. Eu vim morar com ele e a esposa dele”, contou.
A adolescente passou 3 anos morando com o pai, mas, durante esse tempo, a garota foi abusada. “Fiquei grávida sem ele saber, só que eu abortei, porque ele sempre dizia que, se eu ficasse grávida, ele me deixaria na rua. Foi aí que decidi tirar a criança e fugi para a casa de uma amiga. Ele foi até para a televisão dizer que eu estava desaparecida. Falava daquele jeito cínico para o pessoal acreditar nele. Depois disso, fiquei com medo de sair da casa da minha amiga. Foi aí que decidi procurar ajuda de um conselheiro tutelar que já me acompanhava quando vim para João Pessoa. Só que ele não sabia que eu era abusada. Ele sempre me perguntava como eu estava, mas eu tinha medo de falar a verdade. Eu chorava e eu acredito que ele achava que era de felicidade e não de tristeza”, revelou.
Quando soube, o conselheiro tutelar encaminhou a menina para um abrigo na Capital, onde hoje está há um ano e dois meses. Agora, a garota é apaixonada por ursos de pelúcia, pois, na infância, não teve oportunidade de brincar. Pequena, ajudava a mãe a embalar a droga para a venda porque a mãe era traficante. “Mas, nunca consumi. Uma vez eu tentei, mas ela me deu um murro”, afirmou. 
Apesar de ter passado toda essa situação, a adolescente de 15 anos revelou que sente saudades da mãe e dos 14 irmãos. Ela estuda e faz o 8º ano do ensino fundamental.
155 vivendo nas ruas
De uma população de 0 a 19 anos estimada pelo IBGE para este ano (1.347.516), 0,04% está fora dos lares paraibanos. Isso porque, apesar de não ter um número fechado, os Creas registraram no ano passado, 155 casos de crianças e adolescentes, de 0 a 18 anos, em situação de rua (11 neste primeiro semestre), que se somam aos 383 que vivem em abrigos. Na Capital, segundo o Programa Especializado em Abordagem Social (Ruartes), a quantidade de atendimento mensal de menores de idade nessa situação era de 20.  
Mesmo vivendo em ambiente familiar, é necessário ter assistência de políticas públicas, segundo informou o juiz da Infância e da Juventude, Fabiano Moura de Moura. “Mesmo vivendo com as famílias, isso não significa que os direitos estejam resguardados. Muitos direitos estão distantes de serem cumpridos. São necessárias políticas públicas que possam atender a população como uma política habitacional, porque a criança e o adolescente podem morar numa residência, mas não ter um quarto. Isso não significa que os direitos estejam atendidos”, afirmou.
Fabiano Moura de Moura destacou que existem diferenças entre crianças e adolescentes que vivem na rua (que passam o dia inteiro na rua, mas voltam para casa à noite) e os que são da rua (que perderam a referência familiar). Bom exemplo é um garoto de 16 anos que, desde os sete, mora nas ruas. Sua casa é o entorno do Parque Solon de Lucena (Lagoa). Sem muitas opções, dorme na frente de um dos quiosques. Magro e de estatura de um menino de 13 anos, pede comida aos comerciantes da área e dinheiro a transeuntes, para comprar drogas.  “Já matei e fui pro CEA”, disse. Perguntado sobre a família, o adolescente preferiu o silêncio e foi embora.
Aline Martins

Fonte: Portal Correio da Paraíba

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