ADOÇÃO E IPTU
08.10.2013
Por Luís Fernando
É com certa apreensão que recebemos a notícia da tramitação na Câmara
Municipal de um projeto de lei de autoria do vereador Hussein Daoud que
dispõe sobre a isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) do
imóvel da família que adotar legalmente uma criança. Ainda que a boa
intenção seja o motivo principal desta iniciativa, não podemos deixar de
avaliar aspectos menos aparentes na medida em que a adoção é uma
questão complexa que envolve uma série de fatores.
Sabemos que o ato
de adotar tem se modificado já que as famílias de hoje podem apresentar
novas configurações. Seja ela constituída como for, crescer no seio de
uma família continua sendo importante para o desenvolvimento das
crianças e dos adolescente desde que os membros sejam ligados por um
laço afetivo especial.
Como sabemos, nem sempre uma gravidez é
conscientemente desejada pelos genitores que, por vezes, alegam
“descuido” na concepção. Por outro lado, uma adoção é um ato voluntário,
expresso pela vontade daqueles que adotam e jamais pode ser confundido
com caridade.
Aliás, este é sempre um problema quando confrontamos o
número de crianças que estão em condições de ser adotadas e o número de
famílias ou indivíduos que desejam adotar. Geralmente, as pessoas
pensam mais naqueles que desejam adotar, questionando os demorados
trâmites do processo, e esquecem de que, do outro lado, está uma criança
que necessita ser protegida.
Infelizmente, contrariando o senso
comum, pensamos a adoção como um processo complexo que precisa ser muito
bem avaliado para que a criança ingresse em uma família que garanta o
seu desenvolvimento de forma adequada e integral, e que o ato de adoção
não seja motivado por nenhum aspecto obscuro ou dificuldades dos
adotantes. Mesmo com todos os cuidados, não é raro que a criança acabe
por ser “devolvida” por não ser exatamente aquilo que esperavam dela.
Assim como há pais e mães biológicos que não querem ou não conseguem
exercer adequadamente os papéis de pai e mãe, nem toda pessoa que busca
adotar uma criança tem condições de cumprir adequadamente com a função
de pai e de mãe exigidas e, nestes casos, é melhor que ela permaneça aos
cuidados do Estado.
Contudo, o que mais chamou nossa atenção é o
motivo alegado para este projeto de lei: a redução de gastos da Casa
Abrigo; sem falar na alusão às drogas e à criminalidade as quais sequer
vemos como se vinculam ao tema.
Primeiramente, cabe lembrar que nem
todos os abrigados estão aguardando por adoção e, quanto aos gastos,
sabemos que é preciso um grande investimento na manutenção de crianças e
adolescente em acolhimento institucional, mas esta prática está
vinculada às medidas protetivas contra ameaças e violações de direitos
garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mesmo que o
município tenha de fazer um grande esforço para melhor atender às
necessidades das crianças da Casa Abrigo, não devemos pensar em
incentivos à adoção como quem terceiriza uma função que é privativa do
Estado. Até porque estes gastos são ínfimos comparados às volumosas
cifras que vemos sumir pelos ralos da má administração, da corrupção,
das obras inacabadas, entre outras mazelas noticiadas pela imprensa
todos os dias.
Então, é no mínimo injusto buscar economia na atenção
às crianças e aos adolescentes que já são vítimas de situações
emocionais e sociais desfavoráveis entregando-os a quem vê na adoção uma
forma de ter reduzido o seu IPTU. Talvez pudéssemos pensar em outras
formas de amparar adotados e adotantes, mas certamente que um incentivo
financeiro como este não chega a interferir na decisão daqueles que se
veem realmente chamados à paternidade e à maternidade, porque não há
necessidade de premiar aqueles que já foram verdadeiramente premiados em
suas vidas com a adoção de um filho.
(*) Luís Fernando B. Barth é professor Universitário e Doutor em Psicologia.
http://www.atribunamt.com.br/?p=133555
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