07/10/2013
INFÂNCIA E JUVENTUDE
Rede Brasil Atual
Com um histórico de abandono, falta de conhecimento ou prostituição,
pelo menos cinco mães dependentes químicas, em especial de crack, são
encaminhadas por semana para Justiça da capital paulista para processos
de acolhida, adoção ou transferência de guarda de seus bebês. Entre
janeiro e setembro, seis das 11 Varas da Infância da cidade somaram 210
ações judiciais envolvendo as chamadas "mães do crack".
Os
dados são de um levantamento inédito da Coordenadoria da Infância e da
Juventude. Os resultados, no entanto, ainda são parciais, uma vez que
apenas as varas de Santo Amaro, Lapa, São Miguel Paulista, Penha,
Ipiranga e Tatuapé enviaram dados sobre os casos atendidos. Ficaram de
fora Santana, Jabaquara, Itaquera, Pinheiros e Centro, onde está
localizada a região apelidada de cracolândia.
“São pessoas
dependentes químicas, sem vínculo familiar e em situação de rua, lidando
com toda a promiscuidade desse ambiente”, explica o juiz da Vara da
Infância de Santo Amaro, Iasin Issa Ahmed, responsável pela região que
concentra a maioria dos casos: 75 acolhimentos de bebês e um
encaminhamento para adoção. “O que nós observamos é que de dois anos
para cá houve um aumento grande desse número de casos.”
Uma
pesquisa lançada em setembro pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz),
ligada ao Ministério da Saúde, mostrou que 370 mil brasileiros de todas
as idades usaram regularmente crack nas capitais do país por pelo menos
seis meses em 2012, o que representa 0,8% da população dessas cidades.
Antes disso, em março, o Movimento Estadual da População em Situação de
Rua de São Paulo estimou que pelo menos 1,2 mil crianças que vivem nas
ruas da cidade são viciadas em crack.
“Na maioria dos casos não
há o reconhecimento da paternidade. Falta, inclusive, consciência da
própria gestação ou da relação entre sexo e gravidez. Isso é tão
perigoso quanto a falta de pré-natal ou do uso de drogas na gestação,
que é comum”, continua Ahmed.
Grande parte dos partos de
gestantes usuárias de drogas de São Paulo é encaminhada para a
Maternidade Leonor Mendes de Barros, na zona leste. Só entre janeiro e
setembro foram 62 casos, segundo o serviço de assistência social do
hospital. No ano passado foram registrados 71, dos quais 50 foram
apresentados às varas da infância, por se tratarem de dependentes
crônicas ou em situação de rua.
O primeiro desafio do serviço
social é tentar descobrir se a mãe é uma usuária esporádica ou crônica
para prever os riscos para o bebê. “Se ela usou drogas durante a
gestação em alguns casos a criança pode ter crises de abstinência e não
necessariamente logo após o parto”, exemplifica a co-gestora da
assistência social na Maternidade Leonor Mendes de Barros, Tânia Lucena.
“Os casos variam muito. Algumas vêm ainda sob o efeito das drogas,
outras são recolhidas pelo Samu em trabalho de parto em via pública e
outras já tiveram o bebê na rua”, continua. “Se é uma pessoa em situação
crônica, ela já perdeu vínculos e a noção de autocuidado fica
prejudicada. A prioridade é usar a droga. Neste perfil temos pessoas que
se prostituem e que já vieram para cá duas ou três vezes para ter
bebês.”
Encaminhamento
Em casos de dependência, nos
quais a mãe não tem condições de permanecer com a criança, o
encaminhamento judicial do bebê começa já no hospital: as assistentes
sociais tentam levantar informações sobre as mães, que muitas vezes
ainda estão sob efeito das drogas e sem nenhum documento. A conversa,
então, se transforma no desafio de tentar filtrar as informações
verdadeiras e falsas.
“A primeira busca é por um familiar, como
irmã, mãe ou prima, que possa ficar com a guarda do bebê. Por sorte,
muitas famílias aceitam”, conta o juiz da vara de Santo Amaro. Pelo
levantamento da Coordenadoria da Infância, houve 38 processos bem
sucedidos de encaminhamento das crianças para a família extensa em São
Paulo neste ano, 18,1% do total.
Quando não é encontrado um
nenhum familiar ou quando ninguém se voluntaria para ficar com as
crianças, muitas vezes por já ter a guarda de outros filhos, o caso é
encaminhado para as varas da infância e a mãe é instruída a procurar a
Justiça, uma vez que não poderá sair com a criança do hospital.
“Algumas não voltam e outras entregam a criança para a adoção. Caso
elas queiram brigar pela guarda a criança vai para um abrigo e iniciamos
um processo, que pode demorar mais de um ano”, explica o juiz. Segundo o
levantamento da Coordenadoria da Infância, 26 crianças filhas de
dependentes químicas foram encaminhadas para adoção.
“Cobramos
do poder público a obrigatoriedade de fotografar mães que vêm sem
documento para evitar, por exemplo, que ela se identifique como uma
outra pessoa interessada em ficar com o bebê, sem passar pelo processo
judicial, e também para a memória da criança, que poderá saber como era
sua mãe.”
PODER PÚBLICO
Se a situação é alarmante e o
número de casos cresce, as ações do poder público parecem não dar conta
de reduzir o consumo de crack na capital paulista. Em uma caminhada na
região da cracolândia, na última quarta-feira (02/09), a RBA identificou
um grupo de pelo menos 300 dependentes de crack, entre adultos e
crianças.
A primeira estratégia para reverter o problema do
governo do estado, apoiado pelo então prefeito Gilberto Kassab (PSD-SP),
foi a ação Centro Legal, que lançou mão de uma série de operações
repressivas da Polícia Militar para combater o tráfico e o consumo de
drogas na região central da cidade, iniciada em janeiro do ano passado.
Por conta da violência da operação, o MP-SP (Ministério Público de São
Paulo) ajuizou uma ação civil pública contra o governo, na qual pede o
mínimo de R$ 40 milhões de indenização, por danos morais individuais e
coletivos.
Um ano depois, o governo do estado anunciou o
polêmico projeto de internações compulsórias de dependentes de álcool e
drogas de São Paulo, porém, a maioria das internações foram voluntárias.
Movimentos sociais criticaram o modelo do programa e temeram ações
truculentas da polícia. Em abril, o Ministério Público enviou entrou com
uma ação civil pública contra o governo estadual para impedir que
leitos destinados a doentes mentais fossem usados para tratar
dependentes químicos.
Atualmente, as internações e o trabalho
de acolhida fazem parte do Programa Recomeço. A RBA solicitou
informações sobre a quantidade de atendimentos feitos pelo projeto, mas
não teve resposta até o fechamento desta reportagem.
A
prefeitura informou, em nota, que ampliou de quatro para 16 as equipes
de Programa Consultório na Rua, compostas por médicos, enfermeiros e
agentes de apoio, que trabalham acolhendo e encaminhando os dependentes
para tratamento, em especial na região central da cidade.
A
Secretaria Municipal de Saúde informou que também possui o Centro
Integrado de Reinserção Social “De Braços Abertos”, na cracolândia, que
oferece oficinas e grupos de caráter terapêutico, com participação de
organizações não governamentais.
Segundo a nota, o tratamento
pela prefeitura se dá por meio dos CAPS (Centros de Atenção
Psicossocial) “e não no modelo hospitalar, que prioriza a internação
psiquiátrica para o tratamento destes usuários. As internações
específicas em saúde mental nos hospitais ocorrem quando esgotadas todas
as possibilidades terapêuticas dos CAPS”.
As equipes dos 80
CAPS da cidade realizam, em média, 320 visitas domiciliares por mês aos
dependentes químicos. “A Secretaria Municipal de Saúde dispõe de 449
vagas para internação de dependentes químicos. São 289 leitos em
hospital-geral (193 municipais e 96 vagas estadual), além de outras 64
vagas em hospitais psiquiátricos e 162 em Comunidades Terapêuticas. De 3
de janeiro até o momento, 1.465 pessoas foram internadas para
tratamento contra a dependência”.
http:// ultimainstancia.uol.com.br/ conteudo/noticias/66796/ por+semana+pelo+menos+cinco+'fi lhos+do+crack'+sao+encaminhado s+a+justica+em+sao+paulo.shtml
07/10/2013
INFÂNCIA E JUVENTUDE
Rede Brasil Atual
Com um histórico de abandono, falta de conhecimento ou prostituição, pelo menos cinco mães dependentes químicas, em especial de crack, são encaminhadas por semana para Justiça da capital paulista para processos de acolhida, adoção ou transferência de guarda de seus bebês. Entre janeiro e setembro, seis das 11 Varas da Infância da cidade somaram 210 ações judiciais envolvendo as chamadas "mães do crack".
Os dados são de um levantamento inédito da Coordenadoria da Infância e da Juventude. Os resultados, no entanto, ainda são parciais, uma vez que apenas as varas de Santo Amaro, Lapa, São Miguel Paulista, Penha, Ipiranga e Tatuapé enviaram dados sobre os casos atendidos. Ficaram de fora Santana, Jabaquara, Itaquera, Pinheiros e Centro, onde está localizada a região apelidada de cracolândia.
“São pessoas dependentes químicas, sem vínculo familiar e em situação de rua, lidando com toda a promiscuidade desse ambiente”, explica o juiz da Vara da Infância de Santo Amaro, Iasin Issa Ahmed, responsável pela região que concentra a maioria dos casos: 75 acolhimentos de bebês e um encaminhamento para adoção. “O que nós observamos é que de dois anos para cá houve um aumento grande desse número de casos.”
Uma pesquisa lançada em setembro pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), ligada ao Ministério da Saúde, mostrou que 370 mil brasileiros de todas as idades usaram regularmente crack nas capitais do país por pelo menos seis meses em 2012, o que representa 0,8% da população dessas cidades. Antes disso, em março, o Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo estimou que pelo menos 1,2 mil crianças que vivem nas ruas da cidade são viciadas em crack.
“Na maioria dos casos não há o reconhecimento da paternidade. Falta, inclusive, consciência da própria gestação ou da relação entre sexo e gravidez. Isso é tão perigoso quanto a falta de pré-natal ou do uso de drogas na gestação, que é comum”, continua Ahmed.
Grande parte dos partos de gestantes usuárias de drogas de São Paulo é encaminhada para a Maternidade Leonor Mendes de Barros, na zona leste. Só entre janeiro e setembro foram 62 casos, segundo o serviço de assistência social do hospital. No ano passado foram registrados 71, dos quais 50 foram apresentados às varas da infância, por se tratarem de dependentes crônicas ou em situação de rua.
O primeiro desafio do serviço social é tentar descobrir se a mãe é uma usuária esporádica ou crônica para prever os riscos para o bebê. “Se ela usou drogas durante a gestação em alguns casos a criança pode ter crises de abstinência e não necessariamente logo após o parto”, exemplifica a co-gestora da assistência social na Maternidade Leonor Mendes de Barros, Tânia Lucena.
“Os casos variam muito. Algumas vêm ainda sob o efeito das drogas, outras são recolhidas pelo Samu em trabalho de parto em via pública e outras já tiveram o bebê na rua”, continua. “Se é uma pessoa em situação crônica, ela já perdeu vínculos e a noção de autocuidado fica prejudicada. A prioridade é usar a droga. Neste perfil temos pessoas que se prostituem e que já vieram para cá duas ou três vezes para ter bebês.”
Encaminhamento
Em casos de dependência, nos quais a mãe não tem condições de permanecer com a criança, o encaminhamento judicial do bebê começa já no hospital: as assistentes sociais tentam levantar informações sobre as mães, que muitas vezes ainda estão sob efeito das drogas e sem nenhum documento. A conversa, então, se transforma no desafio de tentar filtrar as informações verdadeiras e falsas.
“A primeira busca é por um familiar, como irmã, mãe ou prima, que possa ficar com a guarda do bebê. Por sorte, muitas famílias aceitam”, conta o juiz da vara de Santo Amaro. Pelo levantamento da Coordenadoria da Infância, houve 38 processos bem sucedidos de encaminhamento das crianças para a família extensa em São Paulo neste ano, 18,1% do total.
Quando não é encontrado um nenhum familiar ou quando ninguém se voluntaria para ficar com as crianças, muitas vezes por já ter a guarda de outros filhos, o caso é encaminhado para as varas da infância e a mãe é instruída a procurar a Justiça, uma vez que não poderá sair com a criança do hospital.
“Algumas não voltam e outras entregam a criança para a adoção. Caso elas queiram brigar pela guarda a criança vai para um abrigo e iniciamos um processo, que pode demorar mais de um ano”, explica o juiz. Segundo o levantamento da Coordenadoria da Infância, 26 crianças filhas de dependentes químicas foram encaminhadas para adoção.
“Cobramos do poder público a obrigatoriedade de fotografar mães que vêm sem documento para evitar, por exemplo, que ela se identifique como uma outra pessoa interessada em ficar com o bebê, sem passar pelo processo judicial, e também para a memória da criança, que poderá saber como era sua mãe.”
PODER PÚBLICO
Se a situação é alarmante e o número de casos cresce, as ações do poder público parecem não dar conta de reduzir o consumo de crack na capital paulista. Em uma caminhada na região da cracolândia, na última quarta-feira (02/09), a RBA identificou um grupo de pelo menos 300 dependentes de crack, entre adultos e crianças.
A primeira estratégia para reverter o problema do governo do estado, apoiado pelo então prefeito Gilberto Kassab (PSD-SP), foi a ação Centro Legal, que lançou mão de uma série de operações repressivas da Polícia Militar para combater o tráfico e o consumo de drogas na região central da cidade, iniciada em janeiro do ano passado.
Por conta da violência da operação, o MP-SP (Ministério Público de São Paulo) ajuizou uma ação civil pública contra o governo, na qual pede o mínimo de R$ 40 milhões de indenização, por danos morais individuais e coletivos.
Um ano depois, o governo do estado anunciou o polêmico projeto de internações compulsórias de dependentes de álcool e drogas de São Paulo, porém, a maioria das internações foram voluntárias. Movimentos sociais criticaram o modelo do programa e temeram ações truculentas da polícia. Em abril, o Ministério Público enviou entrou com uma ação civil pública contra o governo estadual para impedir que leitos destinados a doentes mentais fossem usados para tratar dependentes químicos.
Atualmente, as internações e o trabalho de acolhida fazem parte do Programa Recomeço. A RBA solicitou informações sobre a quantidade de atendimentos feitos pelo projeto, mas não teve resposta até o fechamento desta reportagem.
A prefeitura informou, em nota, que ampliou de quatro para 16 as equipes de Programa Consultório na Rua, compostas por médicos, enfermeiros e agentes de apoio, que trabalham acolhendo e encaminhando os dependentes para tratamento, em especial na região central da cidade.
A Secretaria Municipal de Saúde informou que também possui o Centro Integrado de Reinserção Social “De Braços Abertos”, na cracolândia, que oferece oficinas e grupos de caráter terapêutico, com participação de organizações não governamentais.
Segundo a nota, o tratamento pela prefeitura se dá por meio dos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) “e não no modelo hospitalar, que prioriza a internação psiquiátrica para o tratamento destes usuários. As internações específicas em saúde mental nos hospitais ocorrem quando esgotadas todas as possibilidades terapêuticas dos CAPS”.
As equipes dos 80 CAPS da cidade realizam, em média, 320 visitas domiciliares por mês aos dependentes químicos. “A Secretaria Municipal de Saúde dispõe de 449 vagas para internação de dependentes químicos. São 289 leitos em hospital-geral (193 municipais e 96 vagas estadual), além de outras 64 vagas em hospitais psiquiátricos e 162 em Comunidades Terapêuticas. De 3 de janeiro até o momento, 1.465 pessoas foram internadas para tratamento contra a dependência”.
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