Edição do dia 12/01/2014
12/01/2014 21h30
- Atualizado em
12/01/2014 21h30
Hoje com 18 anos, Iruan mora com a professora Etna, no Brasil. Há dez anos, órfão de pai e mãe, foi disputado na justiça pela família do pai, de Taiwan, e a avó materna, no RS.
Hoje, Iruan tem 18 anos. As disputas ficaram no passado e o rapaz viajou para Taiwan para visitar a família paterna, com quem havia perdido contato desde a vinda para cá. O repórter Ernesto Paglia, que acompanha o caso desde o início, conta esta história comovente.
Desembarque em Taiwan. Iruan é recebido como celebridade. Nas ruas, quem reconhece quer tirar foto. Não é à toa. Apesar de ter saído do lugar há dez anos, Iruan ficou famoso no país.
Taiwan acompanhou a novela do órfão de pai e mãe. Um menino que teve a infância dividida entre dois continentes, passou por momentos difíceis, e hoje vive com uma terceira família, que o adotou. Uma vida que mais se parece com uma saga de cinema.
Iruan nasceu em 1995, filho de uma gaúcha e um marinheiro taiwanês que trabalhava no Uruguai. Quando o garoto tinha 3 anos, a mãe morreu de leucemia. Como o pai estava sempre viajando, Iruan passou a ser criado pela avó materna, em Canoas, no Rio Grande do Sul.
Dois anos depois, o pai levou Iruan para visitar os tios e primos em Taiwan. E a tragédia atingiu o menino mais uma vez. Uma semana depois da chegada, o pai teve um ataque cardíaco e morreu.
Um tio decidiu então que a criança deveria ser criada em Taiwan, como um taiwanês, e se recusou a enviá-la de volta ao Brasil.
De uma hora para outra, o pequeno Iruan se viu morando em um país estranho, em meio a uma família que mal conhecia e que falava uma língua que ele não entendia.
Ernesto Paglia visitou o garoto três vezes neste período. Viu que, aos poucos, o menino ia se entrosando e se familiarizando com o mandarim.
Acontece que Iruan é cidadão brasileiro e não poderia continuar em Taiwan sem a autorização da avó materna, detentora da guarda da criança no Brasil.
Dona Rosa chegou a ir uma vez a Taiwan. O encontro foi tenso, e os tios taiwaneses não permitiram que o menino voltasse com ela.
A família contratou um advogado para brigar na justiça de Taiwan. Em uma audiência com a juíza que cuidava do caso, o menino chegou a fazer desenhos que mostravam que o Brasil estava vivo na memória dele. Assim como a paixão pelo futebol. Só que, depois de um ano, o português parecia estar indo embora.
Em 2004, depois de três anos longe do Brasil, o menino já tinha criado vínculos com os parentes chineses. Mas ele iria enfrentar mais uma separação. A justiça taiwanesa decidiu a favor da família brasileira. Iruan teria que se mudar para o outro lado do mundo, mais uma vez.
A operação para retirá-lo da casa dos tios foi dramática. Foi preciso chamar a polícia para vencer a resistência da família e a barreira de curiosos. Aos 8 anos, Iruan estava no meio de um turbilhão.
De volta ao Brasil, ele voltou a morar com a avó materna. E sofreu para se readaptar. “Eu sentia muito medo, ficava muito assustado. Procurava tentar esquecer dos tios de Taiwan, porque era o que eu mais pensava, eu queria voltar. O que eu mais fazia era tentar esquecer”, conta Iruan.
Com a pré-adolescência, veio a revolta.
Iruan: Eu faltava aula, eu tomava bebida, usava drogas.
Ernesto Paglia: Mas você estava com 10, 11 anos.
Iruan: 10, 11 anos.
Ernesto Paglia: Posso te perguntar que drogas você usou?
Iruan: Pode. Era cigarro, maconha, e álcool.
Iruan se sentia perdido, e uma pessoa iria ajudá-lo a encontrar um caminho.
Iruan, curiosamente não vive mais com a família do pai de Taiwan, mas tampouco vive com a família da mãe. A avó dele faleceu dois meses atrás e hoje ele está vivendo com a família que ele abraçou e que o acolheu. A família da ex-diretora da escola de onde ele saiu, com 5 anos de idade, para acompanhar o pai de volta para Taiwan.
Ernesto Paglia: Dona Etna Borkert era a diretora da escolinha. E é uma pessoa que tem a família do tamanho do coração dela. Não é, Dona Etna?
Etna Bockert, professora: Acho que sim.
Ernesto Paglia: Quantos filhos?
Etna: Nove.
Ernesto Paglia: Nove filhos.
Étna: Nove com ele.
Ernesto Paglia: Quantos adotivos?
Étna: Cinco.
Ernesto Paglia: E quatro biológicos?
Étina: Quatro biológicos e cinco adotados.
Ernesto Paglia: E todos do coração.
Étna: Todos do coração, igual, todos.
Dona Etna conhece Iruan desde pequeno. Durante o tempo em que ele esteve em Taiwan, ela liderou a campanha para trazê-lo de volta.
Ernesto Paglia: Foram manifestações de rua?
Etna: Fui para as praças, para as ruas, visitei todas as escolas de Canoas.
A avó materna de Iruan tinha problemas de saúde, e o menino dormia na casa de Etna de vez em quando.
Iruan: Eu me sentia melhor aqui do que na casa da vó, então eu pedia cada vez mais e mais para vir para cá. Até que ela descobriu também o que estava acontecendo. Ela me dava conselhos, ela me fazia ir para a escola, me obrigava a ir para a escola.
Ernesto Paglia: E deu certo?
Iruan: E deu certo.
Deu tão certo que, aos 13 anos, Iruan pediu a um juiz para ser adotado por Etna.
Etna: Abri o coração e os braços e viemos embora. Né, meu filho?
Iruan: É.
Ernesto Paglia: É uma história bacana.
E o garoto separado dos parentes nos dois lados do mundo ganhou uma nova e enorme família. Hoje, Iruan está no primeiro ano do Ensino Médio, tem um monte de amigos e sonha em ser ator. Ele quer fazer faculdade de artes cênicas.
A antiga paixão pelo futebol continua. Até hoje, toda quarta-feira à noite, o Iruan bate uma bolinha, com os amigos, os irmãos.
Ernesto Paglia: A única grande dúvida que resta para a gente e que os seus amigos podem ajudar a responder: Na hora da bola, você é mais brasileiro ou taiwanês?
Amigos: Taiwanês! É um perna de pau isso aqui, joga nada!
Iruan está reaprendendo o mandarim, a língua com que ele conversava com os tios.
Iruan diz uma mensagem em mandarim.
Ernesto Paglia: O que você falou?
Iruan - Olá, né. Que eu falei que eu estou muito bem e que eu espero ir para Taiwan.
O desejo foi cumprido e Iruan viajou para Taiwan na semana passada, pela primeira vez em dez anos.
O jornal gaúcho Zero Hora acompanhou o reencontro emocionante com o tio que o criou por três anos.
O rapaz aproveitou a visita para fazer uma homenagem ao pai, morto há 13 anos. Em uma cerimônia típica da religião taoísta, ele depositou uma urna com as cinzas do pai em um novo cemitério.
A viagem termina no dia 19. O futuro de Iruan, por enquanto, é no Brasil. Mas ele vai continuar tendo uma ligação muito forte com a China, e seu destino, finalmente, tem apenas um autor: o próprio Iruan.
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