quinta-feira, 25 de outubro de 2012

DESEMBARGADOR SALOMÃO RESEDÁ - ADOÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL



Quarta, 24 de Outubro de 2012 - 11:40
por Claudia Cardozo

Ex-juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude de Salvador, atual desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), Salomão Resedá conversou com o Bahia Notícias sobre os procedimentos legais para se adotar uma criança no Brasil. O magistrado explicou como a adoção pode ser feita, falou sobre crimes relacionados ao tema, como a “adoção à brasileira” – quando uma mãe registra o filho de outra pessoa como se fosse seu – e o porquê de os casais aguardarem tanto tempo para adotar uma criança, embora o número de registros no Cadastro Nacional de Adoção seja bem maior que os menores à espera de adoção. “Se a preferência do brasileiro se adequasse a essas cinco mil crianças nós não teríamos mais nenhuma nos abrigos, o que seria um patamar desejado por todos”, avaliou. Resedá também tocou em temas polêmicos, como o tráfico de crianças, que ele “não acredita existir”. “Havia sim possibilidade de tráfico com o Código de Menores, na década de 70. A partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, que é de 90, não existe a menor possibilidade”, aferiu. Embora tenha evitado emitir opinião sobre o caso Monte Santo, o desembargador criticou o termo que a imprensa usou, “adoção”, para classificar a decisão do juiz do município de Sento Sé. “A imprensa divulgou que houve adoção. A rigor, não houve. E isso ai eu posso lhe dizer, porque, como coordenador da Infância, eu estive lá, eu vi os autos, o juiz apenas concedeu a guarda provisória. E o nome já diz: é guarda provisória. E pela provisoriedade, ela pode ser mantida ou reformada”, explicou.

BAHIA NOTÍCIAS: UMA LEI ESPECÍFICA NO BRASIL DETERMINA TODOS OS TRÂMITES LEGAIS PARA UM PROCESSO DE ADOÇÃO NO BRASIL. COMO É QUE A LEI NACIONAL DE ADOÇÃO (LEI 12010/2009) PODE FACILITAR O ACESSO DOS CASAIS INTERESSADOS EM ADOÇÃO ÀS CRIANÇAS QUE ESTÃO CADASTRADAS NO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO?
Salomão Resedá: Essa lei trouxe muitas inovações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No tocante à adoção, nem tanto. Ela inova medidas protetivas do ECA, e inova no tocante a área infracional. Mas, basicamente na adoção, o que ela trouxe de novo foi a criação da família extensa. Não existia esse instituto no Direito brasileiro. O que é a família extensa? A família extensa é aquela família que não tem muito a ver com adoção, eu me retifico aqui, mas que visa à manutenção do menor de 18 anos na família biológica. A família extensa, hoje, é formada por avós, tios, irmãos... Uma hipótese: um garoto que não tenha família natural. O juiz não deve logo colocá-lo em família substituta. Porque tem a guarda, a tutela e a adoção. Ele deve procurar a família extensa. A Lei 12010 também trouxe uma inovação no tocante ao Direito Familiar. Ela criou também o instituto do acolhimento familiar, porque, até antes dela, nós não tínhamos. Uma criança desamparada era levada para o abrigo. Hoje, antes dela ir para o abrigo, o juiz tem que observar a possibilidade de colocá-la numa família que a acolha para que, amanhã ou depois, ela possa ir para família biológica ou para uma família substituta. Basicamente essas são as inovações no tocante ao Direito da Convivência Familiar da Lei 12010.

BN: EM QUE MOMENTO UMA FAMÍLIA PODE TER SEU PODER PÁTRIO DESTITUÍDO E QUAL É O PROCESSO LEGAL PARA QUE ISSO ACONTEÇA?
SR: O artigo 1.638 do Código Civil elenca os casos de destituição do poder familiar. O artigo diz: perderá o poder familiar a mãe ou pai que castigar imoderadamente o filho, que abandonar o filho, que praticar atos contra a moral e os bons costumes e que incidir em faltas que venham a prejudicar, ou dilapidar o patrimônio dos filhos. Então, são quatro hipóteses. Fora essa tipificação legal, previstas na lei, não tem como se afastar uma mãe ou um pai de um filho. O ECA, no artigo 23, diz assim: a carência de recursos de materiais, ou seja, em outros termos, a pobreza, não é motivo para que você perca seus filhos. Então, a rigor, o legislador de 90, que fez a Lei 8069, disse o seguinte: no Brasil pobre pode ser pai, pode ser mãe. Cabe ao Estado, no caso de carência de recursos materiais, dar as condições necessárias para que a criança permaneça no seio de sua família.

BN: O QUE A RETIRADA ILEGAL DO PODER PÁTRIO PODE ACARRETAR? SERIA UM CRIME? NO BRASIL, NÓS TAMBÉM TEMOS UM TIPO DE ADOÇÃO CONHECIDO COMO "ADOÇÃO À BRASILEIRA", QUE, NÃO SE SABE AO CERTO, LEVA UMA MÃE A ENTREGAR SEU FILHO PARA OUTRA PESSOA E ESTA PESSOA A REGISTRASSE COMO FILHO PRÓPRIO, SEM QUE OS PARÂMETROS LEGAIS SEJAM RESPEITADOS. ISSO SERIA UM CRIME?
SR: A adoção à brasileira é crime. Agora, a retirada, fora os casos legais, não vai constituir um crime. Não se verifica nessas hipóteses crime contra o estado de filiação. Agora, a adoção à brasileira é. Ela tem até um minorante, um perdão judicial. Vou lhe dar um exemplo para você entender bem. Acontece muito, por exemplo, com uma empregada doméstica que engravida, e ela dá à luz seu filho, e o filho necessita urgentemente de um tratamento médico, e ela não tem plano de saúde. Aí, o patrão ou a patroa, com intuito maior de proteger a vida daquela criança combina com a empregada e registra a criança como se filho da patroa fosse. É a típica adoção à brasileira. Mas neste caso, foi feita uma adoção à brasileira para proteger, aí a lei deixa a cargo do juiz a possibilidade de até não punir esse casal. Porque é crime você dar filho a alheio como próprio. Veja você, que na adoção à brasileira não se retira o poder familiar. Registra-se uma criança filha de outrem como se filha sua fosse. Então você não trata de poder familiar, você trata de crime mesmo. Salvo me engano, o artigo 248 do código penal tipifica esse crime, com pena de reclusão de 2 a 6 anos.

BN: O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ) NEGOU, RECENTEMENTE, UM PEDIDO DA UNIÃO PARA ANULAR UMA ADOÇÃO FEITA POR UMA MULHER E POR SEU IRMÃO, QUE JÁ FALECEU. COMO ESTE CASO PODERÁ SER UTILIZADO COMO PRECEDENTE NO TRIBUNAL BAIANO E QUAL É O GRAU DE OCORRÊNCIA DESSES TIPOS DE CASO DE ADOÇÃO?
SR: Isso é um avanço muito grande na palavra da relatora ministra Nancy Andrighi. Ela é da 3ª turma do STJ. Nesse processo que você se refere, o STJ criou uma jurisprudência inovadora. É interessante a gente divulgar para que as pessoas saibam. Agora, essa jurisprudência não quer dizer que seja uma súmula vinculante, que o juiz está obrigado a acompanhar. Mas é uma luz da esperança que renasce. Vou lhe dizer por quê. Quando me encontrava no Juizado da Infância, me deparei com um caso de um casal que criava uma menina por 17 anos, e aquela questão do brasileiro, ‘eu faço depois, deixa para depois’, e nunca tratou de fazer a adoção. Lembro-me muito bem de um acidente ali, entre aquela via aeroporto e a BR-324, que sai no CIA, passando pela Ceasa, e essa pessoa, o marido, vinha dirigindo, se envolveu num acidente e morreu. E aí, quando ele morreu, com repercussões até patrimoniais, aí, veio a mãe - a mulher desse senhor que morreu, e pleiteou no juizado, comigo, a adoção. Aí eu disse que o parágrafo 6, do artigo 42 do ECA, diz que a adoção póstuma, ou adoção apos a morte só pode ocorrer se o adotante morrer no curso do processo de adoção. Nesse caso, eu falei para ela: o seu marido faleceu e o processo de adoção não tramitava ainda, o processo não existia. Então, eu não podia fazer a adoção póstuma. E essa menina, lembro muito bem, chorou muito, porque ela queria ter o nome daquela pessoa que faleceu como pai dela - que realmente era a pessoa que ela conheceu como pai, que a criou durante 17 anos. Mas nós não tínhamos ainda esse luminar judicial, porque a lei diz expressamente, do parágrafo 6 do artigo 42, que a adoção post mortem só pode acontecer com o processo de adoção tramitando. Muito bem. Ai veio a ministra agora e disse: não,o interprete deve verificar a vinculação socioafetiva. Se eu crio uma pessoa como filha, um, dois, três, quatro, dezessete anos, a sociedade inteira sabe que aquela criança é tratada por mim como filho, simplesmente por que eu não disse que queria adotá-la e morri antes, vamos quebrar essa vinculação afetiva? Essa memória afetiva entre a criança, adolescente e a pessoa que morreu? A ministra disse não e que se tem que verificar o vínculo limitado pela lei. Se a criança ou adolescente vem sendo criado como filho, se morreu sem declarar, mas que a sociedade já conhece como sendo pessoa que é filho, ou que, pelo menos era tratado como um filho deve ser como tal. E aí veio a 3ª turma do STJ e disse: olha, mesmo sem o processo de adoção, vindo a pessoa que cria a criança a falecer, a criança pode pleitear a adoção póstuma. Você veja que eu te dei um exemplo só e tem uma repercussão social muito grande. É uma jurisprudência alentadora realmente para quem militou e milita há muito tempo na área infanto-juvenil, por que a gente vai possibilitar esse caso dessa menina, que é um exemplo isolado,mas quantos outros não existem ainda? Agora eu to me recordando do instituto jurídico que é o casamento não compatível, que é quando eu vivo com uma pessoa e faleço, mas que não me casei com ela. Sempre a tratei como minha mulher como esposa, mas morri e não casei. Então, a lei brasileira possibilita que a mulher, a viúva, chame cinco testemunhas e diga, perante o juiz, que fulano de tal era meu marido e morreu e a sociedade toda sabia que era meu marido. Então, se no casamento, ele possibilita a realização após a morte de um dos conviventes ou cônjuge, porque não permitir uma adoção, onde você cria uma criança, mostrando para a sociedade que é seu filho, simplesmente porque você morreu antes de vir para o judiciário? Você vê que é realmente uma abertura para o judiciário muito grande e muito alentadora.

BN: ESSE TIPO DE CASO ACONTECE MUITO NA BAHIA E AS PESSOAS QUE DESEJAM ESSE TIPO DE ADOÇÃO PODERÃO RECORRER A ESSA JURISPRUDÊNCIA?
SR: Veja bem. Essa jurisprudência é recente. É do finalzinho de setembro. Eu tive vários casos no judiciário que não tinha essa fundamentação jurisprudencial, e eu dizia que estava de acordo com a lei, e que por isso, não fazia. Como eu via lágrimas correrem rosto a baixo, porque eu negava, eu negava... Eu dava a interpretação literal, eu não tinha um subsídio jurídico. Conheço casos no interior. Um colega, juiz de Itabuna, discutiu muito comigo sobre isso e nós ficávamos com as mãos atadas. Mas, eu quero imaginar, que, na Bahia e no Brasil, casos repetidos devem ocorrer e que agora vão encontrar uma solução jurisprudencial.

BN: EXISTE OUTRA MODALIDADE DE ADOÇÃO QUE É A CONJUNTA. COMO ELA PODE SER FEITA?
SR: O legislador de 2009, da Lei 12010, ele foi tímido. Quando a sociedade já mostrava - e o direito é dinâmico e não pode se estabilizar num espaço de tempo - o direito tem que se enquadrar com a mudança da sociedade e o interprete tem que fazer essa adequação. Em 2009, o legislador disse no artigo 42, que só pode adotar conjuntamente duas pessoas, se forem casados, e ainda diz assim: casado civilmente, ou viverem em união estável. Então, nós estávamos com a sociedade brasileira, lá em 2009, mostrando já a união homoafetiva. A Previdência já recebia, já aceitava, outros órgãos governamentais já entendiam como cabíveis, como viáveis a união homoafetiva. Aí, vem o legislador, talvez até por influência do parlamento nosso, religiosas possivelmente, e disse que duas pessoas só adotam se forem casados civilmente ou se viverem em união estável. Agora, o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu que a união homoafetiva é uma entidade familiar e a gente tem esse dispositivo legal no artigo 42. E veio a 3ª turma do STJ e disse que podem pessoas que não vivam em união estável e nem civilmente adotar conjuntamente. É o caso, como você trouxe, é de um irmão. E essa situação vem se apresentar como solução para várias ocorrências que a gente vê ai na vida. Por exemplo, diz o artigo 39 do ECA que o avô e os irmãos não podem adotar. Então, a lei foi draconiana. Se um estranho pode adotar, porque não os avós? Porque não quem tem o sangue idêntico ao que corre nas veias? Agora veio a 3ª turma e disse que pode, o irmão pode. Isso quebrou um paradigma legal. E essa quebra de paradigma vai facultar em soluções. Porque, o quê que acontecia na prática? O pai, após o casamento de sua filha, recebia de volta a filha e o neto, porque o casamento da menina não deu certo. Aí, ele ficava com o neto e com a filha e ele tem plano de saúde. E ele queria botar o neto no plano de saúde, porque o pai é desidioso, é negligente, e tal... O avô não pode adotar. O avô ficava impedido de dar assistência a saúde daquele neto. Porque ele não pode adotar, porque a lei impede. Ele pode requerer a guarda. Só que os planos de saúde muitas vezes não aceitam a guarda. Aí o avô também ficava de braços amarrados. Essa decisão da 3ª Turma diz agora que o irmão pode, porque o que se tem que observar é a socioafetivade, os laços afetivos. E se o irmão pode, vai abrir precedente jurisdicional também, se há socioafetividade entre o neto e o avô, do avô adotar. E eu lhe digo com a mais absoluta certeza, com base nos 16 anos que militei na Vara da Infância. Inúmeros casos eu deferi a guarda, e as pessoas iam ao plano de saúde e não conseguiam inscrever o neto.

BN: ISSO TRARIA ALGUM GANHO ENTÃO PARA AQUELA FAMÍLIA ATENDIDA POR ESSA JURISPRUDÊNCIA?
SR: Sim, sim. Especialmente para o filho. A gente tem que verificar a situação emocional da criança. Quantos avôs são chamados de pais? Agora, por uma questão que o legislador limitou, por essa ou aquela questão, tem que se dizer: não sou teu pai, sou teu avô. Então hoje, por essa jurisprudência, eu volto a dizer, é um norte a ser seguido. Se um avô é chamado de pai, pai ele poderá se tornar legalmente.

BN: EXISTEM DIVERSOS TIPOS DE GUARDA DE UMA CRIANÇA, E ADOÇÃO SERIA O ÚLTIMO CASO. QUAL É O CRITÉRIO ESTABELECIDO PARA QUE UMA CRIANÇA SEJA COLOCADA EM ADOÇÃO?
SR: Vamos começar por aquele que a gente gosta mais. A gente sempre tem um filho favorito. A adoção: eu acho que a adoção é a coisa mais fantástica que o legislador brasileiro pode inventar, porque você pega um ser estranho, leva o para casa e o considera como filho. Isso é uma coisa sensacional, é um caminho que a gente deve respeitar sempre. Alguém disse assim, eu não pude captar o autor, mas diz que o nascimento é um ato da natureza, a adoção é um ato de Deus. É algo para gente repensar, porque tem uma profundidade muito grande. Então, por intermédio da adoção, o legislador tentou imitar a natureza. O meu filho, irrevogavelmente é meu filho. Quando nasce um filho, essa situação não se apaga nem com a morte. Então, o legislador tentou imitar a natureza e disse, que, já que eu pego um ser estranho e levo pra minha casa e passa ser meu filho, ele tem que ser irrevogável, porque ela vai imitar o que a natureza faz. A adoção cria vínculos filiais, é definitivo e é irrevogável. Na tutela não há vínculos familiares, é um instituto que tem um prazo: 18 anos no ECA e dois anos no Código Civil. Porque a tutela visa cuidar da pessoa e dos bens da criança e a tutela tem como pressuposto a extinção do poder familiar. Você não pode falar em um pai e em um tutor. Se tem um pai, não pode ter um tutor, e vice-versa. Para ter tutor, é preciso que os pais não mais existam ou tenham sido destituídos do poder familiar, mas não cria vínculo familiar. Já na guarda, pode conviver. Eu posso ter a guarda do meu sobrinho, você pode ter a guarda de seu sobrinho, e teu sobrinho continuar como filho do teu irmão. Já você não pode ter a tutela do seu sobrinho com seu irmão. Você só pode ter a tutela do seu sobrinho se seu irmão vier a ser destituído ou falecer. E a guarda é restrita. Tanto a guarda, como a tutela tem prazo: 18 anos. Quando a pessoa se torna maior, acaba a guarda e a tutela. Na adoção não.

BN: NO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO É REGISTRADO UM NÚMERO MUITO SUPERIOR DE PESSOAS INTERESSADAS EM ADOÇÃO, CERCA DE 27 MIL, AO QUE É REGISTRADO DE CRIANÇAS CADASTRADAS QUE ESTÃO DISPONÍVEIS, APROXIMADAMENTE 5 MIL. PORQUE QUE, MESMO COM UM NÚMERO TÃO ALTO DE PESSOAS INTERESSADAS EM ADOTAR, AINDA VEMOS CRIANÇAS QUE AGUARDAM POR ANOS A SUA VEZ DE SER RECOLOCADA EM UM NOVO NÚCLEO FAMILIAR?
SR: Preferência. Eu não digo que é preconceito. Veja o termo que usei: preferência. Porque eu disse a você que a adoção imita a natureza. Eu tenho um filho, e ele tem o mesmo problema capilar que eu. Os casais procuram imitar a situação filial e procuram semelhanças físicas. Eles querem alguém que tenha o mesmo biotipo. Nós brasileiros só adotamos recém-nascidas e meninas. Aí, vão se cadastrando na Justiça da Infância dizendo que querem recém-nascidos e meninas. A gente encontra muitos meninos nos abrigos maiores de dois anos. Eles já não tem essa preferência, não são queridos, e vão ficando, ficando. Com isso, o cadastro de pretendentes a adoção vai engrossando, vai aumentando, e como a procura é maior do que a demanda, o problema é esse que você disse. A adoção é demorada? Ela não é. Porque a adoção só começa depois que você encontra a criança. A habilitação precede adoção. Se a preferência do brasileiro se adequasse a essas cinco mil crianças nós não teríamos mais nenhuma nos abrigos, o que seria um patamar desejado por todos.

BN: O QUE PODE SER FEITO PARA AUMENTAR AS CHANCES DE ADOÇÃO DAS CRIANÇAS QUE NÃO SE ENCONTRAM NO PERFIL DESEJADO DA MAIORIA DAS PESSOAS E DIMINUIR O TEMPO DO PROCESSO DE ADOÇÃO?
SR: A natureza vai lá e diz assim "você não vai poder ter filhos se você não adotar". A pessoa tenta, tenta, e parte para adoção. Mas dizem que querem adotar desde o primeiro dia, que querem vivenciar essa emoção da primeira infância. E o sonho de cada um que não pode ter filhos. E aí, como quebrar isso? Não depende dos poderes públicos. Não depende do Judiciário. Depende da consciência de cada um. Vamos incentivar que as pessoas olhem na criança não o biotipo, mas um ser que pode ser amado e que pode amar.

BN: QUAIS SÃO OS CRITÉRIOS EXIGIDOS DE UMA PESSOA QUE TEM INTENÇÃO EM ADOTAR? E QUANDO ESSA PESSOA É ESTRANGEIRA, O QUE GERALMENTE É FEITO?
SR: A adoção por estrangeiro é muito mais rigorosa. Primeiro: ela tem que se habilitar no país de origem dela. Depois vem toda documentação por intermédio de consulado, vai para autoridade central em Brasília, no Distrito Federal. A criança, quando sai do Brasil já sai como cidadã do país para adquirir todos os direitos como se tivesse nascido lá. Uma habilitação no exterior demora de três a quatro anos. Aqui no Brasil, uma habilitação demora uns três meses, a pessoa tem que ser maior de 18 anos, o ECA diz que não pode ser avô nem irmão, mas a jurisprudência diz, agora, que pode. Tem que ter uma diferença de 16 anos entre quem adota e quem está sendo adotado, e vou usar uma metáfora que sempre usava no juizado - estar psicologicamente grávida ou grávido. É querer um filho e não simplesmente uma companhia como substituto de um filho que se perdeu, por exemplo. É desejar ser pai, desejar ser mãe, desejar constituir uma família.

BN: A PESSOA PRECISA COMPROVAR ESTABILIDADE FINANCEIRA?
SR: É o que disse. A adoção imita a natureza. O pobre pode ter filho, porque ele não pode adotar? O que a lei diz ao juiz é que tenha um cuidadozinho, que olhe apenas para saber se aquela pessoa não vai deixar a criança passar fome. Se tem o mínimo de subsistência, ai você pode deferir. Não basta ser rico. Aliás, basta ser rico, de amor.

BN: RECENTEMENTE, UMA DENÚNCIA REVELOU UM POSSÍVEL ESQUEMA DE TRÁFICO DE CRIANÇAS EM MONTE SANTO, NO INTERIOR DA BAHIA. A IMPRENSA TEM DIVULGADO QUE AS CRIANÇAS FORAM ADOTAS E, QUE, POSSIVELMENTE, ISSO PODE TER ACONTECIDO ATRAVÉS DE UM ESQUEMA DE TRÁFICO DE CRIANÇAS. O SENHOR PODERIA ESCLARECER UM POUCO ESSE CASO? SE REALMENTE HOUVE ADOÇÃO E SE EXISTE ESSE TIPO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NA BAHIA?
SR: A imprensa divulgou que o Conselho Nacional de Justiça está apurando o caso. Então, nós, juízes, quando há uma apuração por outro colega, ou por um órgão colegiado como o CNJ, nós não podemos emitir opinião. Eu apenas lhe digo da minha preocupação. A minha preocupação é com instituto da adoção, que é algo criado num momento de sublimidade espiritual e amorosa do homem muito grande. Eu fico preocupado, porque eu não sei qual vai ser o desenrolar da história. A imprensa divulgou que houve adoção. A rigor, não houve. E isso ai eu posso lhe dizer, porque, como coordenador da Infância, eu estive lá, eu vi os autos, o juiz apenas concedeu a guarda provisória. E o nome já diz: é guarda provisória. E pela provisoriedade, ela pode ser mantida ou reformada. Então, me preocupa muito essa informação passada para sociedade brasileira. Porque o instituto da adoção, a depender do resultado que se alcance dessa apuração, pode sofrer um descrédito muito grande. Porque imagina? A imprensa diz que foi adotado. Vamos levantar a hipótese que a solução final desse caso seja devolve a criança para familia biológica. Meu Deus do céu, para onde vai a adoção? As pessoas vão ficar receosas, vão dizer: eu adotar? Eu pego uma criança, me afeiçoou, me vinculo a essa criança, e depois vou ter que devolver? Nós sabemos que a adoção é irrevogável. Eu posso te dizer ate aí. Nao houve adoção, houve guarda.

BN: SOBRE A ESPECULAÇÃO DE TRÁFICO DE CRIANÇAS. O SENHOR ACREDITA QUE POSSA EXISTIR ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS ATUANDO NO ESTADO PARA VENDER CRIANÇAS?
SR: Existe um segmento social que não é simpático a adoção e procura macular esse instituto tão sublime. Alegam que tem tráfico, que tem isso, tem aquilo. As pessoas dizem que o casal estrangeiro vem para o Brasil para levar criança para tirar córnea, para tirar um rim, um fígado, não há menor possibilidade. Você vai me permitir não mencionar o nome, mas o órgão da imprensa, que fez uma pesquisa nesse sentido, que viajou mundo afora, e não constatou. Havia sim, possibilidade de tráfico com o Código de Menores, na década de 70. A partir do ECA, que é de 90, não existe a menor possibilidade. O que pode haver é a facilitação. Alguém sabendo que tem uma mãe que esta grávida e que não vai querer ter o filho e sabendo que tem uma pessoa que não pode ter filho, aí faz essa intermediação. Isso é ilegal? É. Mas lamentavelmente existe. Mas, dizer que existe tráfico, tráfico, pela segurança que tem o processo de adoção... Hoje existe a Convenção Internacional de Haia, que não foi subscrita ainda pelos EUA e pela Somália. O resto do mundo todo subscreveu. É uma segurança muito grande. A pessoa se habilita no exterior, envia documentação pelo consulado, tem a autoridade central em Brasília. O que pode haver é uma troca de informações, de que fulana quer dar o filho, você quer e tal... Isso é possível, mas tráfico é muito difícil. A adoção, na Constituição Federal, no artigo 227, diz que ela é assistida pelo Poder Público, pelo Poder Judiciário. Os juízes sabem da responsabilidade, são homens, podem errar, mas sabem da responsabilidade que tem. Que tem que cumprir a lei, que estão suscetíveis a censura do CNJ e da corregedoria. Então, tem que ter um cuidado. Eu volto a dizer a você que, posso estar enganado, mas não acredito em tráfico.

BN: POR ÚLTIMO, ABRIMOS ESPAÇO PARA QUE O SENHOR FAÇA SUAS CONSIDERAÇÕES FINAIS E DÊ UM PANORAMA DE COMO ESTÁ O PROCESSO DE ADOÇÃO NA BAHIA.
SR: Eu saí do juizado e as pessoas dizem que a situação continua a mesma. A adoção não demora, é a criança que não tem. A adoção é um processo que dura 90 dias, 120 dias no máximo, uma gestação demora 9 meses. Eu quero agradecer e pedir que a imprensa tenha mais cuidado na divulgação do que é a adoção, porque, talvez involuntariamente a gente venha a desacreditar um instituto tão sublime que é a adoção. Eu finalizo com o que disse o padre Antônio Vieira: o filho biológico ama-se porque é filho, e o filho adotivo é filho porque se ama.
http://www.bahianoticias.com.br/justica/entrevista/81-desembargador-salomao-reseda-adocao-de-criancas-no-brasil.html

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