terça-feira, 23 de outubro de 2012

Mães de famílias pobres são alvo de quadrilha que atua no tráfico de crianças


Vilarejos do sertão baiano, comunidades que convivem com a seca, onde a renda média não chega a um salário mínimo. A região de Monte Santo foi escolhida por uma quadrilha que há mais de cinco anos atua no tráfico de crianças.

Mães de famílias pobres, pouca instrução, baixa ou nenhuma escolaridade, solteiras de preferência, são os alvos da quadrilha, segundo a Justiça. Uma das vítimas mora em uma casa na zona rural de Monte Santo.

Marivalda tem 25 anos, quatro filhos. Três moram com ela. Na última gravidez, concordou em dar a caçula para a adoção. E ela foi iludida com a promessa de que sempre poderia rever a filha.

“Ela falou bem assim: não se preocupe, nós vamos trazer sua filha. Quando nós viermos, vamos fazer uma reforma na sua casa”, lembra Marivalda.

Mas a promessa não foi cumprida. Há três anos, Marivalda não vê a filha.

“É meu sonho ver a minha netinha nos meus braços, fazendo carinho, juntamente com ela”, diz o avô da criança.

Para os avôs da menina, parece que esses três anos não passaram.

“O meu sentimento ainda hoje nunca saiu do meu coração. Aquela dor, aquela angústia”, afirma o avô, que nem chegou a conhecer a neta direito, mas sente falta dela. “Sinto falta dela. Misericórdia, não é bom nem de falar isso aí. Eu estimo a minha família, eu choro com a minha família”, acrescenta ele.

Há um ano, foi Eunice quem entregou a única filha. Em troca, a mesma promessa de que a menina não sumiria da vida da mãe.

Em outro povoado, foram levados uma menina de 2 anos e o irmão dela, ainda bebê. A mãe, Odília, teve um ponto fraco descoberto pela quadrilha: foi ameaçada de ser presa porque seu companheiro era usuário de drogas.

Com medo de ser presa, Odília entregou as duas crianças.

“Enquanto levou, com mais uma semana, para duas semanas, ainda tinha notícia. Eu ligava e ela ainda atendia. Depois, comecei a ligar e ouvia ‘telefone não existe’”, acrescenta ela.

São três mulheres que perderam filhos que estão vivos. Três mães que dariam tudo para saber onde e como suas crianças estão crescendo.

“Tem horas que eu fico só pensando e choro. Em outras horas, eu fico com o coração assim, só abafado, não consigo chorar”, lamenta Odília.

O Ministério Público afirma que tudo nessas histórias é ilegal.

“Foi feita a entrega das crianças pela família biológica, mas sem o necessário processo de adoção”, explica o promotor Luciano Ghignone.

Há suspeitas de que as quatro crianças foram levadas com documentos falsos. De acordo com as investigações, as falsificações podem ter sido feitas no fórum de Monte Santo.

O promotor não tem dúvida de que há uma associação criminosa voltada para o agenciamento e tráfico de crianças.

O atual juiz de Monte Santo não descarta uma infiltração da quadrilha no serviço público. E, por isso, mandou fechar os cartórios de registro civil e da vara criminal. Ele tem medo de que as provas sejam adulteradas ou simplesmente sumam.

Agora, preste atenção em dois nomes que aparecem nos depoimentos das mães: Carmem e Edite.

Marivalda conta que, há alguns meses, pediu a Edite o telefone e o endereço de Carmem. Edite teria ajudado Carmem a levar os filhos de Marivalda.

A equipe do Fantástico encontrou Edith de Jesus no restaurante dela. Ela nega ter apresentado Carmem para as mulheres.

“Quero que elas digam a mim que eu apresentei. E, se eu disser ao senhor para me dar esse aparelho, o senhor é obrigado a dar?”, argumenta Edite.

A outra mulher é Carmem Topschall, acusada de ser a principal intermediária. É a mesma mulher que você viu no Fantástico domingo passado (14).

Ela conversou com a equipe do Fantástico sobre o caso de Silvânia e Gerôncio. Eles tiveram os cinco filhos entregues, de uma hora para outra, para casais paulistas.

“Eu apareço no processo porque acompanhei o pessoal. Levei e mostrei o caminho, mas eu não fui intermediária”, defende-se Carmem.

Outro elo entre as histórias de Monte Santo é o juiz Vítor Manoel Xavier Bizerra. Foi ele quem mandou retirar à força, de dentro de casa, as crianças de Silvânia.

E era ele o juiz quando as outras três mulheres perderam seus filhos.

O Conselho Nacional de Justiça orientou o Tribunal da Bahia a investigar Vítor Bizerra.

“A escala de punições que um juiz está sujeito é advertência, censura, disponibilidade e aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais”, diz o presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Mário Alberto Hirs.

Domingo passado (14), o juiz não quis falar. Mais uma vez, a equipe do Fantástico tentou uma entrevista com ele.

“Eu estou resolvendo algumas coisas, eu não estou disponível para conversar agora”, diz Bizerra.
A equipe do Fantástico voltou aos endereços dos casais paulistas que estão com as cinco crianças. De novo, ninguém atendeu.

Agora, o atual juiz de Monte Santo trabalha na revisão dos processos. Ele vai decidir se Gerôncio e Silvânia terão ou não os filhos de volta.

Silvânia garante que está preparada para cuidar das crianças. “Tenho condições, com a ajuda dos meus pais e do pai das crianças. Todo mundo está disposto a ajudar”, diz ela.

Decidida mesmo, por enquanto, só a devolução da fiança paga por Josias Firmino de Souza, o avô paterno, quando Gerôncio foi preso ao reclamar no Conselho Tutelar a falta de notícia dos filhos. Seu Josias precisou vender a casa para conseguir os R$ 5 mil estipulados para a soltura de Gerôncio.

A Secretaria dos Direitos Humanos, ligada à Presidência da República, identificou dez irregularidades praticadas pelo juiz Vítor Bizerra. E a CPI da Câmara Federal, que investiga o tráfico de pessoas, anunciou que vai apurar as denúncias.

http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1681915-15605,00-MAES+DE+FAMILIAS+POBRES+SAO+ALVO+DE+QUADRILHA+QUE+ATUA+NO+TRAFICO+DE+CRIANC.html

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