segunda-feira, 15 de outubro de 2012

MARROCOS INTERROMPE AS ADOÇÕES DE CRIANÇAS PARA ESTRANGEIROS


14/10/2012
Ignácio Cembrero
Rabat (Marrocos)

Mar e Jaume, um casal catalão, vão diariamente desde março ao orfanato de Laila Meryam, no centro de Rabat, para ver o pequeno Omar. Dão-lhe de comer, lavam-no, vestem-no e saem com ele ao jardim. Estavam convencidos de que o menino seria seu filho, eles cumpriam os requisitos da legislação marroquina, mas esta perspectiva está se atrasando e não está claro se algum dia conseguirão. O Marrocos se fechou à adoção internacional.
Como Mar e Jaume, cujos nomes foram omitidos porque assim o pediram, há outras 43 famílias espanholas em Rabat, Tanger ou Agadir à espera há meses para fazer uma adoção com as características legais do Marrocos. Os países muçulmanos não contemplam exatamente essa situação jurídica, mas sim a tutela dativa (kafala em árabe) outorgada a um casal.
No Marrocos, dezenas de crianças são abandonadas todos os dias, a maioria recém- nascida de mães solteiras que, numa sociedade conservadora como a marroquina, não se atrevem a exercer a maternidade. Os bebês vão para orfanatos de associações beneficentes ou para a ampla rede de centros da Liga Marroquina de Proteção à Infância. São quase todas crianças saudáveis, diferente das crianças dos orfanatos do leste europeu.
Antes a kafala tramitava nos juizados durante pouco mais de um mês, e no ano passado, 254 famílias espanholas – algumas monoparentais – conseguiram filhos marroquinos. A maioria era da Catalunha, de onde em meados dos anos 90 viajaram para o Marrocos os primeiros casais com a intenção de adotar. Eles criaram até uma associação de ajuda à infância marroquina. Também há casais estrangeiros, franceses, belgas e até australianos e norte-americanos.
“Sofremos com esta espera interminável cujo desenlace é incerto”, afirma Mar, angustiada numa cafeteria de Rabat. “Criamos laços afetivos com nossos pequenos, gostamos deles, vivemos para eles, mas agora não temos certeza de que poderemos criá-los, educá-los, formar um lar com eles”, acrescenta com os olhos avermelhados. Mar pode ver diariamente o menino que considera seu filho, mas em Agadir, por exemplo, o orfanato só permite agora três visitas semanais.
Pouco depois da chegada do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD, islamista moderado) ao poder, as kafalas pararam, sobretudo em Rabat, por causa das reticências de alguns magistrados. No mês passado, o ministro de Justiça, Mustafá Ramid, enviou uma circular aos fiscais pedindo para os promotores se oporem à entrega de bebês a estrangeiros “se eles não morarem habitualmente no território nacional.”
Nos processos de adoção, os informes dos fiscais são obrigatórios, mas não vinculativos. Embora assim é improvável que os juízes os acatem. Por isso a circular implica na prática acabar com a adoção internacional.
O ministro Ramid, um homem de profundas convicções religiosas, quer assim que os juízes de menores possam “seguir e controlar” o que acontece com a criança adotada. Suspeita que uma vez na Europa os tutores não cumpram as condições da kafala, que obriga a manter a filiação da criança, sua religião muçulmana e sua nacionalidade. Se as crianças permanecem no Marrocos, isso pode ser comprovado.
Algumas famílias espanholas respeitam a kafala, mas outras solicitaram nos juizados da Espanha a adoção plena, para que a criança que vive com elas goze dos mesmos direitos que os espanhóis. Atendendo ao interesse superior do menor, os juízes espanhóis costumam concedê-la.
As 44 famílias espanholas que têm filhos vindos de orfanatos marroquinos e que começaram a tramitar suas kafalas antes da circular escreveram cartas para os titulares de Exterior e de Justiça da Espanha e Marrocos rogando para que eles as deixem terminar o processo, que a instrução do ministro Ramid não se aplique retroativamente. Elas contaram com o apoio da Itran, uma associação marroquina de Barcelona, presidida por Alami Susi.
Suas sugestões conseguiram que o ministro da Justiça, Alberto Ruiz-Gallardón, se juntasse à cúpula hispano-marroquina para tratar deste assunto com seu colega Ramid. À saída da reunião, Gallardón pronunciou palavras otimistas, porém fontes conhecedoras do encontro asseguram que seu interlocutor marroquino não foi muito conciliador.
Ramid recordou a Gallardón que são os juízes que concedem as kafalas e que para controlar seu bom desenvolvimento era necessário que os tutores morem no Marrocos. Disse que uma vez assentados lá, eles poderiam viajar para o estrangeiro com as crianças pelas quais são responsáveis. Algumas famílias espanholas pensam agora em se instalar no Marrocos e solicitar a residência, mas é um trâmite longo e demorado. “Caso não nos reste outra alternativa pelo bem dos nossos filhos”, afirma Mar.
http://m.noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2012/10/14/marrocos-interrompe-as-adocoes-de-criancas-para-estrangeiros.htm

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