QUANDO BARRIGA E CORAÇÃO DÃO AS MÃOS
A incrível história do casal que adotou gêmeas com um
bebê a caminho no ventre
Ana Paula Guedes e seu marido queriam muito um filho.
Depois de tentarem durante um ano, estavam certos de que, pelo caminho natural,
não conseguiriam realizar o sonho. Partiram então para um processo de adoção.
Quando estavam no meio dele, surpresa: o teste de gravidez deu positivo! Mas o
casal não voltou atrás nos planos de adotar uma criança e seguiu com a
papelada. Quando a barriga começou a despontar, Ana Paula e Álvaro conheceram e
se encantaram pelas gêmeas Mariana e Marisa, então com 1 ano e 2 meses.
Tornaram-se pais do coração das duas meninas poucos meses antes de Francisco
nascer e deixar a família completa. Aqui Ana Paula conta sobre o turbilhão
emocional que foi adotar e parir praticamente ao mesmo tempo.
HÁ QUANTO TEMPO ESTAVA TENTANDO ENGRAVIDAR QUANDO
DECIDIU ADOTAR UMA CRIANÇA? COMO FOI TOMAR ESSA DECISÃO DE PARTIR PARA A
ADOÇÃO?
Após mais ou menos um ano na tentativa de engravidar
naturalmente, passamos a pensar na adoção, já que sabíamos da nossa
dificuldade: Álvaro, meu marido, já havia tentado ter filhos no seu primeiro
casamento e, mesmo com reprodução assistida, não conseguiu. Como ele não queria
passar por aquela experiência novamente, optamos pela adoção. Sabíamos que o processo
seria lento e que não teríamos filhos biológicos, então decidimos que
adotaríamos dois, pois não queríamos filho único. Não especificamos que os
irmãos teriam que ser gêmeos, apenas que deveriam ter até dois anos de idade.
QUANTO TEMPO LEVOU O PROCESSO DE ADOÇÃO ATÉ VOCÊ SABER
QUE PODERIA ADOTAR AS GÊMEAS? EM QUE MOMENTO SE DESCOBRIU GRÁVIDA DO FRANCISCO?
O nosso processo foi muito rápido. Foram apenas oito
meses desde a entrega dos documentos até conhecermos as meninas. Soube que
estava grávida em abril de 2008, enquanto ainda estava em avaliação pela
psicóloga do fórum. Ainda não havíamos conhecido as meninas. Isso aconteceu aos
quatro meses de gestação. Tinham então 1 ano e 2 meses. Foi um momento muito
forte. Já haviam nos alertado de que a Mariana era difícil de lidar, estranhava
muito as pessoas. Mas quando ela me viu pela primeira vez, desceu do colo da
cuidadora, veio andando em minha direção e estendeu os bracinhos. Até as
funcionárias do abrigo ficaram emocionadas! Começamos então a visitá-las todos
os dias enquanto a papelada continuava correndo. Logo depois, passamos um
aperto. A assistente social soube que eu estava grávida e interrompeu o
processo de adoção. Entrei em desespero! Mas na mesma tarde um juiz avaliou o
caso e permitiu que déssemos continuidade ao processo.
QUAL FOI A SENSAÇÃO A PARTIR DE ENTÃO? VOCÊ TINHA UM
FILHO A CAMINHO NA BARRIGA E ESTAVA RECEBENDO DUAS FILHAS POR OUTRO CAMINHO, O
CAMINHO DA ADOÇÃO. EM ALGUM MOMENTO ACHOU QUE NÃO FOSSE DAR CONTA DA SITUAÇÃO?
Fiquei muito feliz quando me ligaram e disseram que
havia duas meninas para conhecermos. Lembro que tremia, do mesmo modo que tremi
quando soube que estava grávida. Na verdade, nem pensei se daria conta ou não,
achei que era para ser e pronto. Fui com a cara e a coragem. Não passou pela
nossa cabeça desistir da adoção quando engravidei porque ficamos extasiados. E
tínhamos medo de que a gravidez não vingasse. As meninas vieram para casa em
julho de 2008, com 1 ano e 3 meses, e Francisco nasceu em dezembro daquele ano.
Foi uma loucura!
A CONSTRUÇÃO DO VÍNCULO ENTRE A MÃE E O BEBÊ É ALGO
MUITO PARTICULAR. CADA MULHER O ESTABELECE DE UMA MANEIRA DIFERENTE COM CADA
FILHO. COMO ISSO SE DEU NO SEU CASO? NUM PRIMEIRO MOMENTO, HOUVE ALGUMA
DIFERENÇA NO PROCESSO DE VÍNCULO QUE SE ESTABELECIA COM CADA UM DOS TRÊS?
Sim, o processo de vínculo foi diferente com cada
filho. O Francisco já era desejado e amado antes mesmo de eu engravidar, era o
maior sonho da minha vida se realizando. Foi amado desde sempre. Com as meninas
não, eu fui construindo no convívio o meu vínculo com elas. Com a Marisa, isso
veio aos poucos. Já com a Mari foi mais natural, desde a primeira vez em que a
vi, me encantei por ela. Mas não foi como dizem, "amei desde que vi".
Essa é uma visão idealizada, romântica da adoção. Tudo foi construído no dia a
dia. No início houve um estranhamento mútuo. Elas choravam bastante e eu
também, às escondidas. Foi difícil a nossa adaptação, ainda mais que eu estava
grávida, completamente sensível. Acredito que esse processo foi mais difícil
por conta da minha gestação. Não é aconselhável a adoção junto com uma
gravidez. A assistente social tentou interromper o nosso processo por conta
disso. Hoje entendo a posição dela. Gerar um filho e adotar são processos tão
intensos que não devem acontecer ao mesmo tempo. É uma avalanche emocional,
principalmente para a mãe. Eu acabei entrando em depressão, sentia que estava
em pedaços. Precisei de apoio de um psicólogo e de um psiquiatra para me
reerguer. Eles diziam que foi muita coisa de uma vez para o meu psiquismo.
QUAL FOI O PAPEL DO SEU COMPANHEIRO NESSE PROCESSO? E O
DA SUA FAMÍLIA?
O Álvaro tem um papel fundamental, primeiramente por
ter sido dele a ideia inicial da adoção, que foi aceita imediatamente por mim,
por amá-lo e por desejar ser mãe acima de qualquer coisa. E sem a sua parceria
não teria dado certo. Somos uma equipe, vamos dizer assim. Dividimos tudo,
todas as tarefas, de acordo com as nossas possibilidades e facilidades, desde o
trato com as crianças até as idas à escola, médico, dentista, fonoterapia,
psicoterapia etc. Nossa família nos ajuda muito também. Lembro que no início
minha mãe e minha sogra ficaram de plantão conosco aqui em casa. Eu nunca tinha
trocado uma fralda nem feito mamadeira até as gêmeas chegarem. Imagine só!
COMO É A RELAÇÃO ENTRE AS CRIANÇAS? JÁ CONHECEM A
HISTÓRIA DE VIDA DELES? COMO PRETENDE UM DIA CONTAR?
As meninas têm 5 anos e meio, e o Francisco, 3 anos e 9
meses. Eles se dão muito bem, se adoram. Brincam e brigam o tempo todo, como
todos os irmãos. As meninas já sabem que são adotadas, que moravam num abrigo.
O Álvaro, meu marido, deu um nome lindo para esse abrigo, "a casa da
criança linda e feliz". Foi assim que ele disse que era a casa onde elas
moravam até a gente se conhecer. Já me perguntaram o nome da "mãe da
barriga", que é como elas se referem à mãe biológica, se podiam
conhecê-la. E eu vou respondendo tudo que me perguntam, com verdade, na medida
da compreensão delas. Por elas serem negras, chamamos a atenção quando saímos
juntos. Algumas pessoas perguntam se elas são adotadas e, quando veem o
Francisco, emendam "ah, e ele é seu, né?". Eu digo que sim, as
meninas foram adotadas, mas que os três são meus filhos. Tem dia que esse tipo
de coisa irrita bastante. Para nós já está tão internalizado o fato de sermos
uma família que até estranhamos esse tipo de reação. A gente esquece a
diferença da cor. Mas as meninas estão justamente na fase de questionar sobre
isso.
COMO FOI ADAPTAR EM POUCO TEMPO A ROTINA DE CASAL SEM
FILHOS PARA UMA ROTINA DE PAIS DE TRÊS CRIANÇAS PEQUENAS?
Bom, não houve, por um bom tempo, a rotina do casal.
Não tínhamos tempo nenhum para isso, nem cabeça, nem disposição física. Somente
agora, coisa de alguns meses atrás, é que voltamos a ir ao cinema, a assistir a
um DVD em casa, tomar um cafezinho na padaria... Quando adotei as meninas, me
afastei duas semanas do trabalho, pois era autônoma na época e não tive
licença-maternidade. Quando o meu menino nasceu, fiquei sem trabalhar por seis
meses, depois voltei a trabalhar umas dez horas por semana, e fui aumentando
gradativamente. Hoje trabalho em média trinta horas semanais, pois prefiro e
necessito me dedicar aos meus filhos e à minha casa. Mas também não abro mão do
meu trabalho. Sou fonoaudióloga e adoro o que faço, pra mim é fundamental
conciliar minha família e minha atividade profissional.
Foto: Arquivo Pessoal
http://bebe.abril.com.br/canais/mamae-e-bebe/ana-paula-guedes-entrevista.shtml
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