Em
todas as conversas que tivemos – absolutamente sem nenhuma exceção –
todos os entrevistados mostraram grande respeito pelo trabalho da
magistrada, admiração pela sua pessoa e orgulho pelo bem que sua
dedicação causou a tantas crianças e adolescentes.
Descrita
como uma entusiasta apaixonada pela proteção daqueles a quem os pais
biológicos, infelizmente, negligenciaram, a juíza é tida como uma das
maiores referências nacionais na área da adoção, algo que é motivo de
orgulho para Santa Catarina.
Uma
das provas da importância e da seriedade de seu trabalho está em um
prêmio nacional recebido por ela pela Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB).
O
Ministério Público – que é o agente principal nas causas de adoção –
demonstra o maior respeito e respaldo ao trabalho da juíza.
Em
sua carreira ela transformou uma casa decadente em um abrigo para
jovens que, além de ser um teto sobre suas cabeças, também tinha ares de
lar e proporcionava oportunidades para aqueles que chegariam aos 18
anos sem jamais ter sido adotados.
Este, diga-se de passagem, foi considerado pela Associação dos Magistrados do Brasil, em 2007, o sétimo melhor abrigo do país.
Mas o bom trabalho da juíza não se restringe à vara da infância e da adolescência.
Foi
ela quem, corajosamente, cassou pela primeira vez o mandato do prefeito
gasparense Pedro Celso Zuchi (PT) que distribuiu verbas a entidades
sociais e reajustou salários de servidores fora de época, além de outras
ações questionáveis.
O
presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), Eládio Torret Rocha,
chegou a afirmar, na época, que Zuchi deveria ser banido da vida
política. Contudo, o mesmo Eládio, impediu que o caso fosse para o STE
não ‘não considerar o crime tão sério’.
Fórum da 2ª Vara Cível, em Florianópolis (Foto: Ricardo Latorre)Outros
políticos já haviam sido cassados por crimes menores e o próprio Zuchi
já havia entrado com ações contra o ex-prefeito Adilson Schmitt, onde
ficou provado que Zuchi estava mentindo.
Contudo,
Zuchi saiu ileso, enquanto Ana
Paula Amaro da Silveira – grande autoridade na área da Infância e
Juventude, porém incauta nos trâmites brumários da política – foi
punida.
Por
que uma magistrada cujo trabalho sério é reconhecido nacionalmente e
tem duas décadas de história é caluniado logo após ela cassar um
prefeito em primeira instância?
O
fato é que, infelizmente, por tendência ou desatenção, a emissora que
veiculou o programa e está ganhando com o Ibope que a repercussão disso
tem provocado – e justamente por essa razão não citaremos o nome –
poderia ter arruinado uma carreira de anos de trabalho sério.
E
as crianças beneficiadas por ela? Apesar de a Justiça considerar a
opinião dos infantes fundamentais, a emissora não se dignou a querer
saber o que elas pensam de suas novas vidas.
A própria juíza, emitiu uma nota à imprensa, reproduzida abaixo na íntegra.
“Tendo
tomado ciência de matéria jornalística, veiculada neste domingo
(24/03), no programa ‘Fantástico’, da Rede Globo, na qual se questiona a
seriedade e legalidade da minha atuação como magistrada nos processos
relacionados à destituição de poder familiar e adoções na Comarca de
Gaspar, considero importante tecer alguns esclarecimentos.
Primeiramente,
cumpre salientar que TODOS os processos de destituição do poder
familiar são, por determinação legal, da competência do Ministério
Público. O ECA determina que o Promotor tem 30 dias da data do
recebimento do relatório da equipe técnica que sugere a destituição para
ingressar com a ação de Perda do Poder Familiar e o magistrado tem 120
para
julgá-lo.
Quero
agradecer a todos os membros do Ministério Público que ao longo destes
21 anos de magistratura me apoiaram e trabalharam em conjunto comigo.
Tenho certeza de que as colocações feitas na reportagem não refletem a
posição de todos a quem tenho o apreço e orgulho de ter como amigos.
Ao
ser questionada pelo jornalista quanto às investigações feitas, segundo
ele, pelo Ministério Público, apenas reproduzi as palavras do
jornalista, ao dizer "Se o MP disse, o MP mentiu”, sem pretender fazer
qualquer generalização. Afirmo, de maneira categórica que, durante a
minha passagem por Gaspar, não houve
nenhuma ação que não tenha sido proposta pelo Ministério Público (MP),
assim como nenhuma criança ou adolescente foi encaminhado para adoção
sem que houvesse ciência e participação do MP em todos os casos, que
sempre tem ou teve vista dos autos. Nem eu, nem a associação dos
magistrados e a Corregedoria de Justiça tem conhecimento até o momento
de qualquer reclamação ou investigação contra mim.
Ademais,
importante ressaltar que o alcoolismo, assim como a dependência de
outras drogas, sempre foi considerada doença, mas não justifica que os
pais ajam de forma negligente para com seus filhos, como restou
comprovado nos autos de um dos casos exibidos no referido programa de
TV. Tanto assim que o artigo 19 do ECA estabelece que toda a criança tem
o direito de viver em
ambiente livre de pessoas usuárias de substâncias entorpecentes. Muitas
mortes e violência familiar são diariamente causadas por adultos que
fazem uso indiscriminado de bebida alcoólica, causando estragos tantos
que ensejaram a promulgação da Lei SECA, da Lei Maria da Penha e
encontram no ECA a proteção para os filhos violentados por pais
dependentes.
Quanto
à família extensa, é direito da criança estar com seus familiares, pais
cumpridores de seus deveres legais, e seus parentes próximos com quem
mantenham vínculo de afinidade e afetividade. O direito é da criança e
não da família de ter preferência sobre a criança. A legislação também
prevê um prazo máximo de dois anos para as crianças ficarem em
instituição de acolhimento. Nos dois processos questionados,
os casos foram analisados desde 2010.
O
próprio Ministério Público pediu a retirada da guarda da criança ME dos
tios, porque a guarda era irregular. Na mesma ocasião, a mãe da criança
cuja guarda a tia reivindica, também foi abrigada sem que os
pretendentes à adoção tenham buscado auxiliá-la, permanecendo abandonada
após tomar uma overdose de remédios.
Não
é verdade que a família extensa não foi ouvida. Os tios foram ouvidos
durante o processo de destituição promovido pelo Ministério Público que,
ao final, pediu pelo encaminhamento da criança para adoção, entendendo
que não poderia ser entregue aos
tios.
Os
dois processos em que as famílias se sentem injustiçadas, as partes
estavam representadas por advogado, apresentaram defesa, tiveram
oportunidade de produzir prova e não recorreram da decisão da
magistrada. Estas decisões foram proferidas após a ouvida de
conselheiros tutelares, assistentes sociais, professores, psicólogos e
garantido o direito à ampla defesa. É importante ressaltar que os tios
poderiam ter ingressado como terceiros interessados na destituição, mas
só o fizeram quando da apelação, ou seja, em recurso ao Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, após a sentença no juízo de primeiro grau.
Cabe
salientar, ainda, que as audiências, até por exigência legal e porque o
Ministério Público é o autor da ação, são realizadas com o promotor de
justiça e é o promotor quem arrola as testemunhas. Além disso, o termo
“apressar” foi utilizado indevidamente, pois o que se fez não foi
apressar e sim dar prioridade aos casos.
É
natural que as partes envolvidas sintam-se injustiçadas, situação com a
qual, aliás, nós magistrados lidamos todos os dias, haja vista que num
processo judicial haverá sempre uma parte que ganha e outra que perde.
De todo modo, cumpre reafirmar que a função do magistrado e do
Ministério Público é a de resguardar o direito das crianças, as quais
não tem a quem recorrer, nem podem contratar um advogado ou acionar a
imprensa para
fazer valer seus direitos.
Por
todo o exposto e também pela admiração e respeito que tenho pelo
importante trabalho da Imprensa em favor da sociedade, registro o meu
desapontamento com a postura parcial dos autores da reportagem, a quem
foi oportunizado acesso aos autos; contato com o promotor que por nove
anos atuou na primeira vara; ter acesso à Corregedoria de Justiça do
Tribunal, órgão responsável pela fiscalização da atuação dos
magistrados; e à Coordenadoria da Infância. Lamentavelmente, tudo isto
não foi feito, como, aliás, preconizam as regras do bom jornalismo.
Também
foram repassados aos
repórteres os dados relacionados ao número de adoções feitas em todas
as comarcas do Estado e, novamente, a reportagem procurou fazer um
paralelo deturpado dos números de adoções entre Gaspar e Blumenau,
porque procuraram em seis anos um único ano em que Gaspar fez mais
adoções do que Blumenau, justamente, quando a estrutura dos abrigos
passou a funcionar adequadamente e crianças, que estavam há anos
aguardando uma família, puderam ser encaminhadas.
A
Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente prevêem
que os processos relacionados à Infância e Juventude devem ter
prioridade de andamento. Foi o que fizemos e, curiosamente, por essa
mesma razão estamos sendo cobrados de maneira indevida e injusta
publicamente.
Se
houvesse vontade e, sobretudo ética, a reportagem do Fantástico poderia
facilmente comprovar que o trabalho realizado por mim em Gaspar é
conhecido e reconhecido nacionalmente e conta com total apoio de meus
pares e da Associação de Magistrados Catarinenses (AMC), os quais são
sabedores e testemunhas dos meus 21 anos dedicados à profissão. Durante
todo este período não existe nos registros funcionais nenhuma
reclamação, seja na Corregedoria de Justiça ou no Conselho Nacional de
Justiça (CNJ).
Meu
engajamento na área da Infância e Juventude é de todos sabido,
inclusive minha atuação na primeira Vara de Gaspar, na qual
iniciei no ano de 2003. A Vara, atualmente com 8000 processos, tem
competência em várias frentes, entre elas, com exclusividade nos feitos
afetos à Infância e Juventude, aonde procurei aplicar o que a legislação
estabelece: a prioridade absoluta da criança e do adolescente.
Para
tanto e junto com o Ministério Público lancei a Campanha “Elo Social”
para melhorar a estrutura física e técnica do único abrigo que existia
na cidade: uma casa de madeira, com móveis de escritório antigos e sem
nenhum técnico para atender as crianças retiradas de suas famílias por
serem vítimas de maus tratos, negligência e abandono, conforme estipula a
lei.
Deste
trabalho, consegui o apoio do empresariado local, da imprensa e da
comunidade e o que era uma casa miserável transformou-se na instituição
eleita em 2007, pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), como o
sétimo melhor abrigo do País. Após, foram criados mais dois espaços
destinados a atender os adolescentes que não encontram respaldo nas suas
famílias biológicas e não conseguem ser adotados, porque
lamentavelmente a cultura da adoção no Brasil não acolhe adolescentes.
Este
trabalho, que não despertou interesse nos jornalistas da Rede Globo,
tem o apoio da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de
Justiça e segue os ditames do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o qual
cobra do magistrado que os processos
ligados à crianças e adolescentes acolhidos sejam céleres, para impedir
que vítimas dos abusos de seus pais, sejam duplamente condenadas, pelos
atos arbitrários dos pais e pela inércia do Estado, mantendo crianças e
adolescentes por tempo indefinido presas em instituições, sem
prepará-las para aos 18 anos terem de assumir suas vidas sozinhas.
Por
todo o exposto e em nome da verdade, mantendo a minha fé na importância
do trabalho exercido pela Imprensa, solicito que tais esclarecimentos
sejam levados ao conhecimento do público e que o mesmo espaço destinado a
atacar a minha imagem e a minha honra também seja disponibilizado para
desfazer essa grave injustiça.
Cordialmente,
Juíza Ana Paula Amaro da Silveira”.
O
presidente da Associação de Magistrados Catarinenses (AMC), Sérgio
Junkes, também emitiu a seguinte nota oficial de solidariedade e apoio à
juíza.
"Foi
com grande surpresa e perplexidade que a magistratura catarinense
assistiu a reportagem produzida pela Rede Globo e veiculada na noite de
ontem (24/03) no programa “Fantástico”, sobre supostas irregularidades
em processos de adoção no município de Gaspar, as quais lançam, de forma
leviana e infundada, suspeitas sobre o trabalho realizado pela juíza
Ana Paula Amaro da Silveira, que atuou na área da infância e juventude
da comarca por uma década.
Chocou
a todos, incluindo profissionais sérios que militam na área da infância
e juventude, a forma tendenciosa como o assunto foi tratado. A
reportagem
desconsiderou todos os argumentos e fatos constantes nos autos dos
processos questionados pelos jornalistas. Se tais fossem observados,
poder-se-ia facilmente constatar que às partes foi garantido o direito à
ampla defesa e que todos os procedimentos adotados pela magistrada
estavam absolutamente revestidos de legalidade.
Mais
do que uma grave injustiça, ao lançar dúvidas sobre a atuação da Juíza
Ana Paula Amaro da Silveira, a reportagem do Fantástico jogou por terra o
trabalho de uma vida, de extrema dedicação à causa, qual seja de
proteção incondicional aos direitos de crianças e adolescentes.
Fazemos
questão de registrar tal posicionamento, sobretudo porque acompanhamos e
somos sabedores do belíssimo trabalho realizado pela juíza Ana Paula
Amaro da Silveira. Ela é, sem dúvida alguma e para nosso orgulho, uma de
nossas maiores referências nos temas afetos à infância e juventude,
cujo engajamento foi nacionalmente reconhecido ao ser premiada pela
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Não bastasse todo o seu
esforço e sua competência, contribui para atestar sua idoneidade e
seriedade o fato de não possuir qualquer representação em órgãos
correicionais, como a Corregedoria Geral da Justiça e Conselho Nacional
de Justiça (CNJ).
A
AMC, em nome de toda a magistratura catarinense, que desde ontem vem
manifestando a sua inconformidade com essa grave injustiça
praticada contra a Juíza Ana Paula, reafirma a sua confiança na
magistrada, que ao longo dos seus 21 anos de judicatura, só fez honrar o
Poder Judiciário de Santa Catarina.
Cordialmente,
Juiz Sérgio Luiz Junkes
Presidente da Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC)".
Agora
se espera que os
magistrados tomem uma atitude mais efetiva do que apenas emitir notas e
corram, de fato, em defesa à honra maculada da juíza, exigindo da
emissora em questão – no mínimo – o direito de resposta que lhe é
garantido pela Lei.