CRIANÇAS ABANDONADAS
segunda-feira, 25 de março de 2013
Art. 4° - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Estatuto da Criança e do Adolescente
Suely Pavan Zanella
Abandono, no sentido psicológico, significa rejeição, desprezo e até
pouco caso. Ou seja, deixo de lado aquilo que não me serve ou interessa.
Um adulto pode lidar bem com a rejeição ou sofrer a vida toda em função
dela. Uma criança, porém, pode a todo o custo repetir comportamentos
não aceitáveis apenas para ser rejeitada. A rejeição infantil é dolorida
e não entendida. A criança não tem a capacidade de elaboração de um
adulto. E é nesta triste trama que muitas crianças e adolescentes se
perdem na vida.
O menino Roberto tinha tudo para dar errado na
vida: negro, interno da Febem e usuário de drogas. Até o dia que
conheceu a francesa
Margherit Duvas, uma pedagoga que o levou para morar em sua casa.
Lá morando, Roberto fez o que menciono aqui: Buscava a todo custo ser
rejeitado por ela, já que a vida o havia rejeitado várias e várias
vezes. Numa das vezes ele simplesmente abriu todas as torneiras da casa
de Margherit. Quando ela chegou, ao invés de dar-lhe uma bronca e
rejeitá-lo, ela simplesmente o abraçou.
Todo mundo que trabalha ou
já trabalhou com crianças abandonadas sabe que eles usam de todos os
tipos de expediente para você rejeitá-las. Na realidade as crianças
abandonadas se acham indignas de gestos de amor. E te provocam até que
você ceda e lhes rejeite. Mas, no caso de Roberto, a francesa não cedeu
às suas investidas. Afinal, ela era uma pedagoga e sabia que este
comportamento acontece na maioria dos casos.
Graças a este amor
incondicional de Margherit por Roberto, hoje ele é pedagogo formado pela
UFMG, pós graduado em literatura infantil pela PUC/MG e mestre em
educação pela UNICAMP. Também pai adotivo de vários meninos, contador de
histórias e fundador e diretor da Fundação Margherit Duvas.
Autor
do livro “A Arte de Construir Cidadãos - As 15 lições da Pedagogia do
Amor" que inspirou o filme, por sinal maravilhoso, chamado “O Contador
de Histórias”.
Infelizmente, e todos sabemos disto, nem todas as
histórias de crianças e adolescentes rejeitados têm este desdobramento
benéfico.
Bom seria se eu pudesse ao ver uma criança pedindo esmolas
no semáforo de São Paulo levá-la para a minha casa como fez Margherit.
Ou até contar com o apoio de Conselhos Tutelares, Juizados Especiais e a
Polícia para fazê-lo.
Ao menos em São Paulo crianças são vistas
por todos, inclusive policiais, membros dos juizados, conselheiros, e
políticos em faróis fazendo malabarismos, pedindo esmolas, usando
drogas, ou sendo aliciadas por maiores para o trabalho infantil. Mas
quem se importa?
A cidade de São Paulo, no passado, já contou com um
serviço digno neste campo. Uma amiga trabalhava com crianças
abandonadas na Sé (centro de São Paulo). Durante o dia eles tinham
atividades nas ruas e à noite iam para abrigos, para se alimentar e
dormir. As mudanças políticas acabaram com este projeto de cunho social.
Quando eu era pequena havia o juizado de menores, que recolhia toda e
qualquer criança e adolescente que estivesse nas ruas após as 22:00. Os
menores de 18 anos encontrados nas ruas eram levados às suas casas e os
pais tomavam uma “senhora chamada”, por permitirem que os seus filhos
ficassem nas ruas até tarde!
As políticas foram mudando, e com elas o abandono se tornou cada vez maior.
Hoje antes de escrever este texto pesquisei, além das leis, se havia ou
não uma preocupação sobre o que fazer quando nos deparamos com uma
criança abandonadas nas ruas.
O que encontrei foram pessoas
preocupadas, mas sem respostas. Os sites direcionados ao tema não dão
(nenhum deles) informações claras à respeito do assunto.
Há leis e
mais leis sobre menores, tais como a ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente) são todas genéricas, dizem os direitos, mas pouco claras
sobre: O que faço se eu vir nas ruas uma criança abandonada? E se
perceber uma criança em situação de risco, como por exemplo, junto a
pessoas consumindo drogas?
Confesso que já cheguei a ligar para
estes lugares algumas vezes, e as respostas às minhas dúvidas foram
evasivas, e noutras eu é que tinha que provar que uma criança estava em
situação de risco, por exemplo.
No Brasil as vítimas é que devem
provar que estão em situação de risco, e não ao contrário como na
maioria dos países civilizados.
Mesmo assim nem sempre há garantia
de que a palavra da vítima seja ouvida com atenção. Desde 2005 os irmãos
Igor (12 anos) e João Vitor (13 anos) denunciavam à polícia e ao
Conselho Tutelar os maus tratos que recebiam da madrasta e do pai. A tia
dos meninos também fez denuncias. E as crianças ficaram um período de
mais ou menos oito meses um abrigo. Segundo elas foi um período bastante
calmo e feliz em suas vidas.
Porém, no início de 2008 eles
retornaram a sua casa em função do parecer de Edna Aparecida Ribeiro
Amante, funcionária do Conselho Tutelar que acompanhou desde o começo o
drama dos irmãos.
Edna entrou na delegacia em pouco mais de 10
minutos, ouviu por cinco minutos o que tinham a dizer as vítimas e não
precisou de um minuto para emitir o parecer.
Em 05 de setembro de
2008 João Vitor e Igor foram assassinados e esquartejados pelo pai e
madrasta. Seus corpos foram encontrados em diversos sacos de lixo, pelos
garis de Ribeirão Pires.
Quem se lembra deles?
Qual a
qualificação e treinamento recebido por Conselheiros Tutelares e pessoas
que lidam com crianças vítimas de abandono, maus tratos e que estão em
condições de risco?
Enquanto isto crianças sofrem e não podem ser legalmente adotadas.
Foto: João Vitor, de 12 anos, e Igor, de 11 anos, [foto] em um abrigo em Ribeirão Pires
LEIA MAIS:
http://www.guiadedireitos.org/index.php?option=com_content&view=article&id=1051&Itemid=269
http://www.guiadedireitos.org/index.php?option=com_content&view=article&id=351&Itemid=213#Região%20Sul
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/o-pais-quer-saber/o-caso-dos-meninos-assassinados-pelo-pai-e-pela-madrasta-2/
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2010/12/casal-e-condenado-por-matar-e-esquartejar-meninos-em-sp.html
Postado por Suely Pavan Zanella às segunda-feira, março 25, 2013
http://batepapodemulher.blogspot.com.br/2013/03/criancas-abandonadas.html
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