Tendo
tomado ciência de matéria jornalística, veiculada neste domingo
(24/03), no programa “Fantástico”, da Rede Globo, na qual se questiona a
seriedade e legalidade da minha atuação como magistrada nos processos
relacionados à destituição de poder familiar e adoções na Comarca de
Gaspar, considero importante tecer alguns esclarecimentos.
Primeiramente,
cumpre salientar que TODOS os processos de destituição do poder
familiar são, por determinação legal, da competência do Ministério
Público. O ECA determina que o Promotor tem 30 dias da data do
recebimento do relatório da equipe técnica que sugere a destituição para
ingressar com a ação de Perda do Poder Familiar e o magistrado tem 120
para julgá-lo.
Quero
agradecer a todos os membros do Ministério Público que ao longo destes
21 anos de magistratura me apoiaram e trabalharam em conjunto comigo.
Tenho certeza de que as colocações feitas na reportagem não refletem a
posição de todos a quem tenho o apreço e orgulho de ter como amigos.
Ao
ser questionada pelo jornalista quanto às investigações feitas, segundo
ele, pelo Ministério Público, apenas reproduzi as palavras do
jornalista, ao dizer "Se o MP disse, o MP mentiu”, sem pretender fazer
qualquer generalização. Afirmo, de maneira categórica que, durante a
minha passagem por Gaspar, não houve nenhuma ação que não tenha sido
proposta pelo Ministério Público (MP), assim como nenhuma criança ou
adolescente foi encaminhado para adoção sem que houvesse ciência e
participação do MP em todos os casos, que sempre tem ou teve vista dos
autos. Nem eu, nem a associação dos magistrados e a Corregedoria de
Justiça tem conhecimento até o momento de qualquer reclamação ou
investigação contra mim.
Ademais,
importante ressaltar que o alcoolismo, assim como a dependência de
outras drogas, sempre foi considerada doença, mas não justifica que os
pais ajam de forma negligente para com seus filhos, como restou
comprovado nos autos de um dos casos exibidos no referido programa de
TV. Tanto assim que o artigo 19 do ECA estabelece que toda a criança tem
o direito de viver em ambiente livre de pessoas usuárias de substâncias
entorpecentes. Muitas mortes e violência familiar são diariamente
causadas por adultos que fazem uso indiscriminado de bebida alcoólica,
causando estragos tantos que ensejaram a promulgação da Lei SECA, da Lei
Maria da Penha e encontram no ECA a proteção para os filhos violentados
por pais dependentes.
Quanto
à família extensa, é direito da criança estar com seus familiares, pais
cumpridores de seus deveres legais, e seus parentes próximos com quem
mantenham vínculo de afinidade e afetividade. O direito é da criança e
não da família de ter preferência sobre a criança. A legislação também
prevê um prazo máximo de dois anos para as crianças ficarem em
instituição de acolhimento. Nos dois processos questionados, os casos
foram analisados desde 2010.
O
próprio Ministério Público pediu a retirada da guarda da criança ME dos
tios, porque a guarda era irregular. Na mesma ocasião, a mãe da criança
cuja guarda a tia reivindica, também foi abrigada sem que os
pretendentes à adoção tenham buscado auxiliá-la, permanecendo abandonada
após tomar uma overdose de remédios.
Não
é verdade que a família extensa não foi ouvida. Os tios foram ouvidos
durante o processo de destituição promovido pelo Ministério Público que,
ao final, pediu pelo encaminhamento da criança para adoção, entendendo
que não poderia ser entregue aos tios.
Os
dois processos em que as famílias se sentem injustiçadas, as partes
estavam representadas por advogado, apresentaram defesa, tiveram
oportunidade de produzir prova e não recorreram da decisão da
magistrada. Estas decisões foram proferidas após a ouvida de
conselheiros tutelares, assistentes sociais, professores, psicólogos e
garantido o direito à ampla defesa. É importante ressaltar que os tios
poderiam ter ingressado como terceiros interessados na destituição, mas
só o fizeram quando da apelação, ou seja, em recurso ao Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, após a sentença no juízo de primeiro grau.
Cabe
salientar, ainda, que as audiências, até por exigência legal e porque o
Ministério Público é o autor da ação, são realizadas com o promotor de
justiça e é o promotor quem arrola as testemunhas. Além disso, o termo
“apressar” foi utilizado indevidamente, pois o que se fez não foi apressar e sim dar prioridade aos casos.
É
natural que as partes envolvidas sintam-se injustiçadas, situação com a
qual, aliás, nós magistrados lidamos todos os dias, haja vista que num
processo judicial haverá sempre uma parte que ganha e outra que perde.
De todo modo, cumpre reafirmar que a função do magistrado e do
Ministério Público é a de resguardar o direito das crianças, as quais
não tem a quem recorrer, nem podem contratar um advogado ou acionar a
imprensa para fazer valer seus direitos.
Por
todo o exposto e também pela admiração e respeito que tenho pelo
importante trabalho da Imprensa em favor da sociedade, registro o meu
desapontamento com a postura parcial dos autores da reportagem, a quem
foi oportunizado acesso aos autos; contato com o promotor que por nove
anos atuou na primeira vara; ter acesso à Corregedoria de Justiça do
Tribunal, órgão responsável pela fiscalização da atuação dos
magistrados; e à Coordenadoria da Infância. Lamentavelmente, tudo isto
não foi feito, como, aliás, preconizam as regras do bom jornalismo.
Também
foram repassados aos repórteres os dados relacionados ao número de
adoções feitas em todas as comarcas do Estado e, novamente, a reportagem
procurou fazer um paralelo deturpado dos números de adoções entre
Gaspar e Blumenau, porque procuraram em seis anos um único ano em que
Gaspar fez mais adoções do que Blumenau, justamente, quando a estrutura
dos abrigos passou a funcionar adequadamente e crianças, que estavam há
anos aguardando uma família, puderam ser encaminhadas.
A
Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente prevêem
que os processos relacionados à Infância e Juventude devem ter
prioridade de andamento. Foi o que fizemos e, curiosamente, por essa
mesma razão estamos sendo cobrados de maneira indevida e injusta
publicamente.
Se
houvesse vontade e, sobretudo ética, a reportagem do Fantástico poderia
facilmente comprovar que o trabalho realizado por mim em Gaspar é
conhecido e reconhecido nacionalmente e conta com total apoio de meus
pares e da Associação de Magistrados Catarinenses (AMC), os quais são
sabedores e testemunhas dos meus 21 anos dedicados à profissão. Durante
todo este período não existe nos registros funcionais nenhuma
reclamação, seja na Corregedoria de Justiça ou no Conselho Nacional de
Justiça (CNJ).
Meu
engajamento na área da Infância e Juventude é de todos sabido,
inclusive minha atuação na primeira Vara de Gaspar, na qual iniciei no
ano de 2003. A Vara, atualmente com 8000 processos, tem competência em
várias frentes, entre elas, com exclusividade nos feitos afetos à
Infância e Juventude, aonde procurei aplicar o que a legislação
estabelece: a prioridade absoluta da criança e do adolescente.
Para
tanto e junto com o Ministério Público lancei a Campanha “Elo Social”
para melhorar a estrutura física e técnica do único abrigo que existia
na cidade: uma casa de madeira, com móveis de escritório antigos e sem
nenhum técnico para atender as crianças retiradas de suas famílias por
serem vítimas de maus tratos, negligência e abandono, conforme estipula a
lei.
Deste
trabalho, consegui o apoio do empresariado local, da imprensa e da
comunidade e o que era uma casa miserável transformou-se na instituição
eleita em 2007, pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), como o
sétimo melhor abrigo do País. Após, foram criados mais dois espaços
destinados a atender os adolescentes que não encontram respaldo nas suas
famílias biológicas e não conseguem ser adotados, porque
lamentavelmente a cultura da adoção no Brasil não acolhe adolescentes.
Este
trabalho, que não despertou interesse nos jornalistas da Rede Globo,
tem o apoio da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de
Justiça e segue os ditames do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o qual
cobra do magistrado que os processos ligados à crianças e adolescentes
acolhidos sejam céleres, para impedir que vítimas dos abusos de seus
pais, sejam duplamente condenadas, pelos atos arbitrários dos pais e
pela inércia do Estado, mantendo crianças e adolescentes por tempo
indefinido presas em instituições, sem prepará-las para aos 18 anos
terem de assumir suas vidas sozinhas.
Por
todo o exposto e em nome da verdade, mantendo a minha fé na importância
do trabalho exercido pela Imprensa, solicito que tais esclarecimentos
sejam levados ao conhecimento do público e que o mesmo espaço destinado a
atacar a minha imagem e a minha honra também seja disponibilizado para
desfazer essa grave injustiça.
Cordialmente,
Juíza Ana Paula Amaro da Silveira
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