segunda-feira, 11 de março de 2013

“Conheci minha mãe aos 21 anos”



A estudante paulista Anna Laura Hensel, 24 anos, sempre soube que havia sido adotada com 14 dias de vida. Tinha inclusive acesso ao nome da mãe biológica. Um dia, decidiu digitá-lo sem compromisso em uma rede social – e o que nunca ousou imaginar aconteceu.
Marcia Kedouk em 05.03.2012
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(Foto: Paulo Pereira)
“Minha mãe biológica tinha 13 anos quando engravidou de um garoto de 15. Por não ter como me criar, foi levada por minha avó para um hospital que atendia mulheres de baixa renda e acolhia bebês de mães solteiras. Dias depois, um casal que estava aguardando uma oportunidade para adotar uma criança apareceu acompanhado de outros parentes. Contam que passei de colo em colo, chorando, até chegar aos braços de um deles, que sussurrou: “Sabe quem veio buscar você? O papai e a mamãe”. Na hora, abri um sorriso. Aos dois, me refiro sempre como pai e mãe.
Tenho dois irmãos adotivos mais jovens e para nós nunca houve segredo. Todas as noites, antes de nos colocar para dormir, minha mãe contava a história de como havia pedido a Deus uma criança e que surgimos como uma bênção. Ela também fazia questão de falar sobre as mães biológicas, embora não as tivesse conhecido, porque achava importante fazer crescer em cada um o respeito e a compreensão pela decisão que haviam tomado. Durante a infância, não pensava muito nisso e, na adolescência, imaginava que a mulher que me dera à luz poderia ser moradora de rua ou até mesmo vítima de violência sexual. Eu sentia ternura. Os documentos da adoção ficavam em um daqueles arquivos antigos cinza. Meu pai dizia que éramos livres para mexer lá e saber sobre nossas origens. Mas eu tinha vergonha de olhar com alguém por perto – poderiam imaginar que estava insatisfeita. Quando saíam, aí, sim, relia o nome dos meus familiares e via a descrição de como havia sido meu parto.
Somente a partir dos 20 anos comecei a querer saber de quem eu herdara meu nariz, os “olhos de jabuticaba”. Como minha mãe biológica era? Será que estava viva? Um dia, entediada após voltar da faculdade, decidi colocar sem a menor pretensão o nome dela no Orkut. Para minha surpresa, havia duas pessoas. Uma loira de cabelo cacheado, que claramente não se encaixava no perfil, e outra... Não sei explicar, mas na hora tive certeza: era a Domenica. O primeiro sentimento foi de pânico. Não sabia o que fazer com aquilo, se queria conhecê-la. Mas continuei clicando e vi que ela havia criado uma comunidade para contar sua história e encontrar pistas sobre o paradeiro de Anna Laura, nome que ela tinha obtido com o juiz. Vi todas as mensagens até chegar às de uma mulher chamada Sandra, que estava ajudando-a na busca por mim. Entrei no perfil dela e deixei um recado: “Eu sou a Anna Laura que a Domenica procura. Não estou mentindo nem brincando”. Assim que apertei o enter, desci as escadas de casa rindo e chorando ao mesmo tempo, sem ter a menor ideia de como contar aos meus pais. Usei a melhor tática: ser sincera. Naquela madrugada, Sandra me respondeu e eu pedi o telefone da Domenica.
Ao discar o número, percebi que estava pronta para virar uma página na minha vida e, acima de tudo, tranquilizá-la. Porque queria muito que soubesse: aquele bebê deixado para trás era hoje uma mulher feliz, saudável e sem rancores. Quando ela atendeu, eu disse: “Sou a filha que você procura”. Ela começou a chorar e eu pedi apenas para me escutar. Depois, falou com a voz embargada: “Eu sabia que tinha se tornado uma menina amorosa. Você é do jeitinho que imaginei”. Antes de desligar, perguntou se poderia me encontrar. Minha mãe, que estava ao meu lado o tempo todo, concordou em ir comigo até a casa dela no dia seguinte.
Paramos o carro e a vi na calçada, já com os olhos cheios de lágrimas. Fui ao encontro dela e nos abraçamos. Essa era uma cena que nunca imaginei vivenciar. Talvez por isso tenha me sentido estranha, quase desconfortável. Tratava-se de uma desconhecida, mas ao mesmo tempo da pessoa que me trouxera ao mundo. Passamos a tarde inteira reconstruindo o passado. Fui mais ouvinte do que inquisidora, pois acredito que ela própria já tenha se penalizado o bastante – tanto que me pede perdão constantemente. Vê-la significava a chance de dizer que não havia nada a ser perdoado. Cresci saudável, com uma família que me ama, e estou me saindo bem. Sou bonita, tenho amigos, me divirto, faço faculdade de psicologia e sei que tenho um mundo de possibilidades me esperando lá fora.
Hoje nos vemos com certa frequência, para programas simples, como tomar um café. Apesar de me sentir bem na presença dela, ainda temos um longo caminho até que eu descubra como classificar nossa relação. Mas, se meu dia a dia não mudou após esse reencontro, não posso dizer o mesmo sobre a minha personalidade. Mais do que reconhecer minhas origens, estar em contato com minha mãe biológica me faz compreender melhor quem sou. Olhar para ela é como olhar para um espelho. Vejo o que gostaria de aprimorar, como minha ansiedade e agitação, e reconheço qualidades que devo ter herdado dela, especialmente o talento para artes e a facilidade de comunicação. Tive força para perdoá-la e espero que um dia ela possa também se perdoar.
Nunca me esqueço de uma experiência que vivi na infância. Ajudávamos uma instituição que cuidava de bebês com anomalias e meus pais nos explicavam que as mães daquelas crianças haviam provocado aquelas deformidades por serem drogadas ou terem tentado abortar sem sucesso. Com o tempo, entendi que me colocar para adoção foi um ato de generosidade, e não de egoísmo.

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