Hoje acordei inspirada não a
criticar, mas a pontuar situações que entendo discrepantes, inadequadas ou outra
qualificação que me foge no momento. Ando um pouco cansada de andar em círculos,
bater na mesma tecla e não verificar efetividade, atitude dos que poderiam ou
deveriam fazer acontecer. Estou no mundo da infância – como personagem, de
início, como partícipe, na maior parte do tempo – há cerca de 14 anos. Vi e
vivi ao longo desse período inúmeras experiências que vão do término de um
processo de adoção – com cumprimento de precatória – em exatos 4 meses, até
processos que se arrastam, inexplicavelmente e em total afronta ao melhor
interesse da criança, por mais de 5 anos. Vivenciei, e lamentavelmente
vivencio, varas da infância desguarnecidas de equipes técnicas ou, quando as
possuem, o são em número insuficiente de psicólogos e assistentes sociais;
magistrados, ainda, não vocacionados à infância ou desinteressados com a
infância – nesse ponto é necessária uma reflexão, pois, inúmeros magistrados que
aceitam essa incumbência com o coração e com a razão e não apenas como um
degrau a mais, ou menos (a depender da concepção de cada um), na carreira, é
significativo. Hoje existe um Colégio de Magistrados da Infância presidida por
quem entende e ama não só a causa, mas o direito da criança e do adolescente.
Voltando ao ponto: os Tribunais de Justiça, mesmo com Recomendações expressas
do CNJ, não realizam concursos para suprir a necessidade de equipes técnicas
nas varas da infância. Verifica-se, mais uma vez, que uma lei é usada em
prejuízo da outra, pois, a desculpa é sempre a lei de responsabilidade fiscal –
orçamentos, etc., - que não permite a contração dos profissionais necessários,
isso em detrimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo que, esta
última, trata de pessoa com prioridade absoluta conferida pela Constituição
Federal. Irônico, não? Estou eu me perdendo de novo, acho que essa história que
o alagoano é essencialmente um ser político é absolutamente verdade. Voltemos:
magistrados, equipes técnicas... vamos à habilitação. Os processos de adoção,
via de regra, demoram demasiadamente. Ponto mais que importante, mais uma vez:
demoram porque as equipes técnicas são insuficientes. A preparação à adoção, em
grande parte das comarcas, é deficiente ou inexistente. Pausa para mencionar
que a Secretaria de Direitos Humanos, em 2011, iniciou um trabalho identificado
como “Protocolo de Adoção”, onde foram reunidos técnicos de todas as regiões do
Brasil para tratar do “currículo mínimo” a ser apresentado aos candidatos à
adoção. Reunião realizada, discussões profícuas, troca de ideias e
experiências, integração total, propostas redigidas e... nada, simplesmente
nada. Não foi adiante, morreu sem qualquer justificativa. Se entendo que o
trabalho era indispensável à boa preparação dos habilitandos? Com absoluta
certeza. O trabalho foi muito bem elaborado englobando as questões
preponderantes e indispensáveis a quem busca atender o melhor interesse da
criança através da adoção. Vamos, agora, aos advogados. São poucos os que se
qualificam como especializados em infância. Não entendo que a falha seja do
profissional, pois, até pouco tempo o ECA sequer era matéria obrigatória do
curso de direito. São poucos, também, o que sabem que o direito da criança não
pode ser visto apenas sob a ótica da lei, pois, é interdisciplinar. É um
direito rico, com aspectos da psicologia, pedagogia, sociologia, antropologia,
dentre outras, daí não ser, como muitos creem, um direito menor – expressão que
existe como resquício do código menorista. Busco, então, verificar quantas OABs
tem uma Comissão de Direito da Criança. Encontro algumas e parabenizo os que a
tem. Vou, então, à OAB Federal e, lamentavelmente, não encontro uma comissão
que trate desse direito tão importante para o futuro da nação. Escrevi,
divaguei, redundei, para qual ponto? A base do país do futuro está em crianças
e adolescentes, pois, ainda não somos um país de velhos. Dessas crianças cerca
de 40 mil – oficialmente – se encontram em acolhimento institucional. O porquê
do oficialmente: constam, ainda, por mais que exista o controle via CNCA –
Cadastro Nacional de Crianças acolhidas, gerido pelo CNJ – Conselho Nacional de
Justiça, crianças e adolescentes sem procedimentos judiciais de acolhimento e,
portanto, invisíveis ao sistema. Se ouso arriscar um número? Não quero ser
irresponsável, mas, lembro-me de pesquisa do IPEA que indicava um número de
80.000 crianças e adolescentes abrigados, assim, não consigo aduzir como exata,
passados poucos anos, que esse número tenha se reduzido a metade. Desse total
de crianças – incluindo-se adolescentes – 10% se encontram disponibilizados à
adoção. Mais uma vez, por quê? Inicialmente porque a reinserção na família de
origem tem prioridade sobre qualquer outra forma, esse fato é indubitável e
inquestionável. Os problemas estão focados no tempo para essa reinserção. A Lei
determina que o prazo máximo, em tese, de acolhimento institucional será de 2
anos, com avaliações semestrais. Entendo que se a família de origem não se
reestrutura com 6 meses, com um ano, que essa tentativa deve ser encerrada em
atendimento ao melhor interesse da criança e em atendimento ao que determina o
a Constituição Federal – Art. 227-, e que se passe a trabalhar a inserção em
família substituta. É necessário que se tenha em mente que o tempo da criança é
diferente do tempo do adulto, é mais rápido, mais fugaz, mais tênue e,
principalmente, as etapas perdidas são irrecuperáveis – verifiquem a
importância da interdisciplinaridade! Caminhando na tentativa de concluir o que
deveriam ser poucas linhas, vou resumir as pedras que existem em todo esse
caminho: Ações de Destituição do Poder Familiar não propostas pelo Ministério
Público – pasmem, em alguns locais as crianças ficam no vácuo para não perderem
os nomes dos pais nas certidões de nascimento, ou as ações não são ajuizadas
por não existirem promotores em número suficiente; quando as ADPFs são propostas,
recursos, em todos os níveis e instâncias, pela família biológica irresignada
com a ação de destituição do poder familiar (importante pontuar que em boa
parte das questões já se encontram comprovados, por estudos técnicos, a impossibilidade
de reinserção na família de origem); ausência de câmaras especializadas em
infância nos Tribunais de Justiça do país (não se trata de câmaras para tratar
apenas de infância e sim também de infância, mas, com especialização na área);
falta de equipes técnicas (já tratado); magistrados não vocacionados (já
tratado); falta do necessário preparo dos habilitados (já tratado); falta de
qualificação dos profissionais envolvidos (já tratado); falta do olhar da OAB
Federal, e demais OABs, para o Direito da Criança. Com relação ao perfil, o
assunto já foi muito bem tratado pela ISTO É e por outros veículos.
Não sei se foi desabafo, não sei
se indignação, mas entendo que já passamos da época de mudar o atual estado de
coisas que continua a coisificar nossas crianças.
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