18/08/2014
RESLEY SAAB
O sinal de e-mail soou no celular do representante de vendas paranaense Emizael Alves Silva. A mensagem fora enviada por Carolina Cordeiro, funcionária do Juizado da Infância e da Juventude de Rio Branco, no dia 25 de novembro de 2009. O assunto: proposta de adoção.
A criança em questão era uma menina de dois meses de vida, dada à adoção depois de quase abortada a pedido da avó, de 30 anos, com a autorização da Justiça, depois que a mãe, de 12 anos, engravidou de um estuprador.
Selavam-se ali os destinos da menina Maria Eduarda Victoria, acometida por hidrocefalia, e a família Silva, do Paraná. Emizael e a esposa, Lourdes Ramos Silva, resolveram preencher uma ficha no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), um sistema mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, para viabilizar a adoção de crianças e adolescentes em todo o país.
Até ontem, o cadastro registrava ao menos 31.747 pretendentes, pessoas que estão na fila da adoção. O cadastro é atualizado todos os dias e até ontem disponibilizava ao menos 5.476 crianças e adolescentes para um novo lar.
No entanto, embora a disponibilidade de crianças e adolescentes seja inversamente proporcional às famílias que procuram adotar, os dados mostram que 91,33% só aceitam crianças brancas e 80,03% devem ser menores de um ano.
Por isso, há tantos garotos e garotas à espera da adoção. Além do processo de compatibilização ser algo demorado, pois inclui uma série de entrevistas e procedimentos necessariamente burocráticos para a sua viabilização, se percebe claramente uma rejeição por negros, deficientes ou acometidos por alguma doença crônica ou terminal.
“A prioridade é sempre para o retorno da criança e do adolescente aos seus lares. Alguns casos podem ser revistos e só quando essa medida é completamente inviável é que o processo de adoção começa”, explica Romário Divino, juiz titular da Vara da Infância e da Juventude de Rio Branco.
Por isso, o caminho inverso que resolveu trilhar a família que abre esta reportagem é algo extremamente raro. Leia mais sobre ela abaixo.
O Acre é o 18º estado em número de pretendentes à adoção, entre os 27 estados, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, que oferece na internet as estatísticas relacionadas ao perfil dos interessados e das crianças aptas a serem adotadas.
Aqui são 112 pretendentes e o estado está à frente, por exemplo, do Amazonas, com 72 candidatos e Piauí (59) e Roraima (44). No Acre, apenas duas crianças estão disponíveis: uma em Cruzeiro do Sul e outra em Manoel Urbano.
No entanto, segundo explica o juiz Romário Divino, há casos em que o adolescente completa 18 anos e o processo de retorno ao lar ou à casa de um parente continua.
No Educandário Santa Margarida, em Rio Branco, pelo menos 14 meninos e meninas aguardam alguma decisão sobre se retornarão aos seus lares.
“Na sua maioria são todos filhos de pessoas envolvidas com drogas ou com o álcool”, pontua a psicóloga Rutilena Roque Tavares, do Juizado da Infância e da Juventude de Rio Branco.
“O nosso interesse não é afastar o pai ou a mãe, já que eles também são aconselhados a casas de recuperação, se for o caso, quando também tentamos harmonizar a relação pai-filho”, completa Tavares.
FAMÍLIA ADOTA CRIANÇA COM HIDROCEFALIA NO ACRE
O que para a maioria das pessoas é considerada uma atitude corajosa, para o casal Emizael Alves e Lourdes Ramos, de Cascavel (PR), foi uma missão divina. Por exatos três anos, eles foram pais adotivos da menina Maria Eduarda Victoria.
A saga da família e da criança, que faleceu em dezembro de 2012, foi relatada pela mãe dela em um blog na internet. Victoria tinha complicações desde o parto, apresentava hidrocefalia e nasceu depois de quase ser abortada legalmente, porque a mãe biológica, de apenas 12 anos, tinha sido estuprada.
De origem evangélica, Emizael e Lourdes Ramos se cadastraram em 2009 no CNA e apresentaram um perfil de uma minoria no país: não fazer distinção por crianças saudáveis ou doentes.
“Foram três anos de escola intensiva, como eu chamo a vivência com minha filhinha, que pareceram 30 anos”, narra ela. Talvez por estas circunstâncias que muitos não têm coragem de adotar uma criança com algum problema.
Quando receberam a notícia via e-mail de que havia aqui no Acre uma criança disponível, trataram de saber mais sobre ela e vieram a Rio Branco.
Já em casa, no Paraná, se recuperando de forma “rápida e inexplicável”, segundo Lourdes, meses depois, a garotinha começou a apresentar problemas sérios.
“Ela tinha bronco-displasia pulmonar devido a prematuridade e hidrocefalia, além da parte motora totalmente comprometida. Somente o tempo e os acompanhamentos poderia nos dizer sobre sua recuperação”.
Com o falecimento da menina, a família decidiu morar na capital acreana. “Fiz o blog para que pudesse, além de levar a história de uma princesa (…) que jamais reclamou de sua condição, compartilhar a minha experiência de mãe do coração com que estivesse passando pela mesma situação”, diz.
Lourdes (1ª no alto à esq.) com a filha Victoria e “doutoras da alegria” em hospital
Eduarda Victoria com a nova família: lição de caridade
(Fotos: Arquivo pessoal)
http://agazetadoacre.com/noticias/adocao-recusa-a-criancas-negras-e-doentes-engrossam-a-espera-pelo-novo-lar/
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