quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Cumprimento de acordo. Obrigação de fazer. Mãe socioafetiva. Menor. Manutenção


(...) "O direito de visitação não pode ser abrigado só em razão do acordo judicial, pois decorre, em verdade, não de vínculo parental biológico, mas do (inequívoco) vínculo parental socioafetivo entre a autora e a criança, já reconhecido, aliás, no agravo de instrumento que fixou as visitas, antes do pacto judicial." (...)
 
PODER JUDICIÁRIO 
 
---------- RS ----------
 
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
 
PODER JUDICIÁRIO
 
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
 
 
 
 
 
 
LSRR
 
Nº 70057350092 (Nº CNJ: 0459636-65.2013.8.21.7000)
 
2013/Cível
 
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE ACORDO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MÃE SOCIOAFETIVA. CUMPRIMENTO DAS VISITAS. MENOR. MANUTENÇÃO.
 
O direito de visitação não pode ser abrigado só em razão do acordo judicial, pois decorre, em verdade, não de vínculo parental biológico, mas do (inequívoco) vínculo parental socioafetivo entre a autora e a criança, já reconhecido, aliás, no agravo de instrumento que fixou as visitas, antes do pacto judicial.
 
Ademais, não há, nos autos, comprovação de que o convívio entre o infante e a autora possa trazer prejuízo ao menor, pois, embora determinada avaliação psicológica, e nomeada profissional, a demandada deixou de efetuar o pagamento.
 
Nesse contexto, não havendo, no feito, comprovação de resistência do menor quanto ao convívio com a autora, e nem mesmo que este convívio possa trazer prejuízo ao infante, e apenas resistência da mãe biológica, após a separação da companheira, em manter a visitação ao infante, não há como ser obstaculizada a visitação avençada.
 
RECURSO DESPROVIDO. 
 
 
Apelação Cível Sétima Câmara Cível
Nº 70057350092 (Nº CNJ: 0459636-65.2013.8.21.7000) Comarca de Porto Alegre
B.M.F.
.
 
APELANTE;
I.M.F. . APELADA.
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos os autos.
 
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
 
Custas, na forma da lei.
 
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. Jorge Luís Dall'Agnol (Presidente) e Des.ª Sandra Brisolara Medeiros.
 
Porto Alegre, 11 de junho de 2014. 
DES.ª LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO,
 
Relatora.
 
RELATÓRIO
 
Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro (RELATORA)
 
Trata-se de apelação de BEATRIZ MARIA F., pretendendo a reforma da sentença das fls. 190/1, que julgou procedente a ação de obrigação de fazer, ajuizada por IVELISE MARIA F., determinando à primeira cumprir acordo pertinente ao direito de visitação da segunda, ex-companheira, ao filho biológico/socioafetivo de ambas, Artur.
 
Alega que o menor, seu filho biológico, não pode ser obrigado a aceitar a visitação da apelada, ex-companheira, na medida em que esta última não tem qualquer vínculo de parentesco com o infante, não contemplando, com isso, o direito à visitação previsto no artigo 1.589 do Código Civil.
 
Pede, por isso, o provimento do recurso (fls. 194/7).
 
Apresentadas contrarrazões (fls. 205/13), o Ministério Público manifesta-se pelo desprovimento do apelo (fls. 217/9).
 
Registre-se, por fim, que foi cumprido o comando estabelecido pelos arts. 549, 551 e 552 do CPC.
 
É o relatório.
 
VOTOS
 
Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro (RELATORA)
 
Saliento, a princípio, cuidar-se de ação de cumprimento de acordo, questionando a autora o descumprimento das visitações acordadas, esclarecendo que a revisão de visitas está sendo discutida em ação própria (proc. 001/1130279858-9).
 
Como se vê, do constante nos autos, após intenso conflito, desde o ingresso da ação declaratória de reconhecimento e dissolução de união homoafetiva, cumulada com reconhecimento de filiação socioafetiva e regulamentação de visitas, em 2006 (fls. 19/33), as partes firmaram acordo, em 08/10/2008, sendo regulamentadas as visitas de Artur à Ivelise, da seguinte forma: “nos finais de semana alternados, de sábado às 10h aos domingos, às 19h, e também nas quartas-feiras, das 18h às 20h30min, afora as datas festivas, que serão alternadas, e férias” (fls. 86 e 91).
 
E, mesmo antes do pacto firmado, no agravo de instrumento nº 70018249631, entendendo que houve a união homoafetiva e a vontade de ambas em ter um filho, estando Ivelise constantemente presente na vida do menor, convivendo diariamente, até o rompimento do vínculo homoafetivo, foram fixadas as visitas de Ivelise ao menor, que, à época, contava com 4 anos de idade (fls. 36/41).
 
No entanto, diante do alegado descumprimento do acordo e da resistência da mãe biológica à visitação de Artur, a autora, em 21/03/2013, ingressou com a presente demanda, propondo, antes, em 03/10/2012, a ação de guarda, sob pretexto de alienação parental (proc. nº 001/1120236161/8), extinta (fls. 198/200).
 
O laudo social, datado de 2010, atesta que Artur tem sentimentos positivos em relação à Ivelise, e que está em sofrimento diante do conflito existente entre as partes (fls. 123/30).
 
A par disso, no agravo de instrumento nº 70057123200, julgado dia 25/10/2013, foi determinada a realização de estudo social e avaliação psicológica.
 
E, em 22/11/2013, neste feito, os autos baixaram, em diligência, para que fosse procedida a avaliação psicológica, a fim de verificar a conveniência da manutenção do regime de visitas (fl. 220).
 
No entanto, nomeada profissional para fazer a avaliação psicológica do menor (Dra. Marina K. Boscardin – fl. 225), e acolhida a pretensão honorária, em 07/02/2014, a demandada Beatriz, embora intimada pessoalmente para efetivar o recolhimento de 50% do valor, na data de 22/04/2014 (fl. 238v.), não efetuou o pagamento até 20/05/2014, conforme informa o Ofício nº 382/2014 do juízo de primeiro grau (fl. 243).
 
Nesse contexto, não havendo, no feito, comprovação de resistência do menor quanto ao convívio com a autora, e nem mesmo que este convívio possa trazer prejuízo ao infante; apenas resistência da mãe biológica, após a separação da companheira, em manter a visitação ao menor, não há como ser obstaculizada a visitação avençada.
 
Ora, é inconteste que a demandada tenta, de qualquer forma, impedir a visitação de Artur à autora, a ponto de obstaculizar a avaliação psicológica do menor, diante do não pagamento da expert.
 
Contudo, o direito à visitação não pode ser abrigado somente em razão do acordo judicial, pois decorre, em verdade, não de vínculo parental biológico, mas do (inequívoco) vínculo parental socioafetivo entre a autora e a criança, já retratado, repiso, no agravo de instrumento citado (70018249631), segundo o qual:
 
...O menino Artur conta, atualmente, quatro anos de idade (fls. 60). Embora seu registro de nascimento conste apenas o nome da mãe biológica, patente que no seu histórico de vida e na sua formação psicológica encontram-se manifestados o afeto sentido pelos carinhos por Ivelise, a quem o infante chama carinhosamente de “Ive”.
 
Na própria capa da filmagem do nascimento do infante encontram-se a genitora e a recorrida (fl. 105) 
 
No filme do nascimento de Artur, juntado nas fls. 107, é que a filiação homoparental mais se evidencia. A agravada ficou ao lado da recorrente durante todo o parto. Logo após o nascimento, enquanto o menino ainda chorava, Ivelise começa a contar-lhe uma história (que, segundo ela, contava junto à barriga da agravante durante a gestação – fl. 106) e este imediatamente pára de chorar. Em seguida, quem mostra Artur aos familiares é Ivelise. Correspondência eletrônica enviada pela recorrente a uma amiga, comunicando o nascimento do menino, está assinado: Beatriz, Ive e Artur (fl. 114).
 
Assistir a fita não permite que se tenha qualquer dúvida da função materna exercida pela agravada, desde antes do nascimento de Artur. Segundo os atuais estudos médicos, ainda no ventre, o filho ouve a voz dos pais, daí a recomendação para que eles conversem com seus filhos, mesmo antes do nascimento. Esta verdade resta evidenciada na filmagem, pois se acalmou o bebê ao ouvir a história que lhe contava a agrava antes de ter nascido.
 
A recorrida participou de todos os momentos da vida do infante, desde as consultas da recorrente ao obstetra até as consultas pediátricas, conforme atestados juntados nas fls. 109-110. A prova é farta a evidenciar o diaadia da família, passeando com o menino (fl. 98), em momentos de afetividade familiar (fl. 99), em viagens (fl. 101), comemoração de Natal (fl. 103) e nos aniversários (fl. 97, 100, 102). Em todos esses momentos lá estava a recorrida dedicando ao filho atenção, cuidado e afeto, participando ativamente na sua formação e desenvolvimento. Ivelise ficava em companhia do infante inclusive quando a recorrente viajava a trabalho, conforme trechos de correspondências eletrônicas trocadas à época (fl. 128):
 
(...) Sabe que te amo. Estou sentindo muito a tua falta. Conta p o Artur q perdi o vôo. Te amo.
 
Ao contrário do alegado pela recorrente, comprovada está a contribuição de Ivelise, não apenas afetivamente, mas também, de forma financeira, como por exemplo, com o pagamento do teste do pezinho (fl. 144), das vacinas (fls. 145-148) e inclusive do quarto do menino (fl. 149)
 
Certo é que ambas abriram mão de projetos e horas de trabalho para constituírem uma família e passaram a conviver de forma mais próxima com o infante. Evidenciada está também a colaboração da recorrida, na formação psíquica do menino e, embora não sendo a mãe biológica, é sua mãe afetiva, estado de filiação que vem sendo prestigiada cada vez mais pela Justiça.
 
Ao depois, consabido que o rompimento do vínculo de convívio, com quem a criança entretém estrito vínculo afetivo, pode gerar seqüelas de ordem psicológica. O sentimento de perda e abandono ao certo irá comprometer seu desenvolvimento saudável. O direito de visita é muito mais um direito do filho do que de qualquer de seus genitores. Assim, nada justifica a resistência da recorrente em afastar o filho de conviver com aquela que ele também considera sua mãe. Aliás, as visitas foram fixadas de forma muito acanhada, e a negativa da mantença do vínculo afetivo sugere simples sentimento de vingança.
 
Ora, em tempos que a afetividade tornou-se uma realidade digna de tutela, não pode o Poder Judiciário afastar-se da realidade dos fatos.
 
Esta Câmara, que foi a pioneira no Brasil a admitir a adoção homoafetiva, não pode deixar de reconhecer que o vínculo de filiação, independente do sexo dos genitores, gera todos os deveres, mas também assegura todos os direitos decorrentes do poder familiar. Certamente o direito/dever de maior significado é o de convivência, que não pode ser excluído pela separação dos genitores.
 
Assim já me manifestei no meu artigo Paternidade homoparental (disponível em www.mariaberenice.com.br – sem destaque no original):
 
A paternidade é reconhecida pelo vínculo de afetividade, fazendo nascer a filiação socioafetiva. Ainda segundo Fachin, a verdadeira paternidade não é um fato da Biologia, mas um fato da cultura, está antes no devotamento e no serviço do que na procedência do sêmen.
 
Não se pode fechar os olhos e tentar acreditar que as famílias homoparentais, por não disporem de capacidade reprodutiva, simplesmente não possuem filhos. Se está à frente de uma realidade cada vez mais presente: crianças e adolescentes vivem em lares homossexuais. Gays e lésbicas buscam a realização do sonho de estruturarem uma família com a presença de filhos. Não ver essa verdade é usar o mecanismo da invisibilidade para negar direitos, postura discriminatória com nítido caráter punitivo, que só gera injustiças.
 
Sendo notório o estado de filiação existente entre a recorrida e o infante, imperioso ser assegurado o direito de visitação, sendo este um direito do filho. Assim, deve ser mantida a decisão que fixou liminarmente visitas ao infante Artur nos sábados das 14h às 18h, em finais-de-semana alternados, de modo muito restrito, e que só não vai majorado por ausência de recurso da mão Ivelise.
 
Por tais fundamentos, o desprovimento do agravo se impõe, desconstituindo-se a decisão liminar proferida nesta sede [...]. 
 
Portanto, em que pesem as alegações da representante de Artur (mãe biológica), não há como afastar o direito às visitas, porquanto inexiste, aqui, qualquer elemento contundente capaz de demonstrar que a autora deva permanecer afastada do relacionamento com o menor, razão pela qual é cabível a procedência da ação.
 
Neste sentido:
 
CUMPRIMENTO DE ACORDO. VISITAS À FILHA. PEDIDO FORMULADO PELO GENITOR. CABIMENTO DA PRETENSÃO. ACOMPANHAMENTO PSICOTERÁPICO DA CRIANÇA. NECESSIDADE. 1. O pai tem o direito de exercer a visitação em relação à filha e esta tem o direito de receber o afeto paterno, estreitar laços de convivência familiar e ampliar a convivência social, não sendo propriedade dos pais, mas pessoa titular de direitos, que merece ser respeitada, bem como de ter uma vida saudável e feliz. 2. O claro litígio entre os pais da criança não justifica a proibição do direito de visitas, não podendo a criança ser instrumento de vinganças. 3. Não havendo nada que impeça a convivência do genitor com sua filha, é cabível desenvolver arranjo tendente a reaproximação entre pai e filha e, progressivamente restabelecer as visitas na forma já regulamentada e que deverá ser cumprida pela recorrida, pois deve ser resguardado sempre o melhor interesse da criança, que está acima da conveniência dos pais. 4. Considerando que a filha não é propriedade do pai, nem da mãe, bem como que deve com ambos conviver e que nada desaconselha essa convivência mais próxima, estou desconstituindo a sentença extintiva para o fim de determinar tenha curso o processo tendente a restabelecer o vínculo paterno filiar e tornar efetivo direito de visitas do pai à filha já regulamentado, determinando-se o necessário acompanhamento psicoterápico da menor. Recurso provido, em parte. (Apelação Cível Nº 70053061602, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 27/03/2013) 
 
APELAÇÃO CÍVEL. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. VISITAS COM PERNOITE. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA PELO AUTOR. Como se verifica pela longa instrução, restou amplamente comprovada pelo estudo social e laudos psicológico e psiquiátrico, a recomendação de visitas paternas com pernoites. O menor, atualmente, com 8 anos de idade, sempre teve estreito vínculo afetivo com o genitor que lhe dispensou cuidados desde o nascimento, não havendo nada que desabone a conduta do pai. A ampliação de visitas vem em atendimento aos interesses do menor, cuja proximidade com o pai deve ser preservada e estimulada. A sucumbência foi mínima, pois a guarda e as visitas foram acordadas já na primeira audiência, remanescendo apenas a controvérsia quanto ao pernoite, ou seja, uma ampliação do período de visitas. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70047796966, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 29/11/2012) 
Do exposto, nego provimento ao recurso. 
Des.ª Sandra Brisolara Medeiros (REVISORA) - De acordo com o (a) Relator (a).
 
Des. Jorge Luís Dall'Agnol (PRESIDENTE) - De acordo com o (a) Relator (a).
 
DES. JORGE LUÍS DALL'AGNOL - Presidente - Apelação Cível nº 70057350092, Comarca de Porto Alegre:"RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME." 
 
 
 
Julgador (a) de 1º Grau: LUIZ MELLO GUIMARAES
 
http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/2678/Cumprimento%20de%20acordo.%20Obriga%C3%A7%C3%A3o%20de%20fazer.%20M%C3%A3e%20socioafetiva.%20Menor.%20Manuten%C3%A7%C3%A3o
 

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