NOVO ÁLBUM DE FAMÍLIA
Estudos amparam adoção de crianças por casais homossexuais e contestam projeto de lei federal
29/06/13
Família reunida em casa em torno da pequena Ana Beatriz Santos, de 7
meses. Da esquerda para direita, Jéssica Vilela, Vanessa Alves,
Wellington Alves e José Barbosa Daniela Dacorso
Na sala de estar as
fotografias ocupam estante e paredes: imagens da viagem em família ao
hotel fazenda em Minas Gerais, da celebração da união estável ano
passado, e do crescimento do novo centro das atenções, a pequena Ana
Beatriz, de 7 meses. Uma foto que salta aos olhos foi tirada para
ilustrar uma campanha contra a homofobia. Isso porque José Barbosa vive
há 12 anos com Vanessa Alves, travesti. Eles criaram Wellington Alves,
hoje com 20 anos, casado com Jéssica Vilela, com quem teve a bebê. Moram
todos juntos, “muito bem, obrigado”. É apenas da porta para fora que a
família não tradicional vira uma questão e enfrenta a intolerância.
Vanessa não escapou de agressão física quando criança e Wellington, do
bullying na escola.
Preconceitos como estes vêm sendo desconstruídos
por constante ativismo e pela ciência. Este mês foi divulgado um dos
maiores estudos sobre a adoção de crianças por casais homossexuais. A
Universidade de Melbourne, na Austrália, entrevistou mais de 500 meninos
e meninas nesta condição, e concluiu que não havia diferença
estatística entre elas e as demais, em fatores como autoestima e
comportamento emocional. Elas, inclusive, tiveram uma pontuação acima da
média para coesão familiar e saúde em geral.
A pesquisa se soma à
recente declaração da Associação Americana de Pediatria em prol da
adoção: “Há um consenso cada vez maior, com base na extensa revisão da
literatura científica sobre o tema, que mostra que crianças que crescem
em famílias chefiadas por gays ou lésbicas não estão em desvantagem em
qualquer aspecto significativo em relação aos filhos de pais
heterossexuais”, afirmou em nota.
LONGO TRAJETO DE PESQUISAS E CONQUISTAS
O respaldo da ciência à homossexualidade ganhou peso na década de 1970,
quando a forte reação de acadêmicos e ativistas conseguiu retirar o
termo do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), a
chamada “bíblia da psiquiatria”. Na prática, ela deixou de ser vista
como doença. Em 1992, foi a vez da Organização Mundial de Saúde (OMS)
revisar a Classificação Internacional de Doenças (CID). Ambos os guias
servem de base para profissionais de saúde e pesquisadores.
Este
ano, os transgêneros — grupo que inclui travestis, drag queens,
transformistas e transexuais — também foram retirados do DSM. Em 2015, a
mudança deverá ocorrer no CID.
— Quando a ciência é convocada a dar
uma resposta, não tem sentido ela ir na contramão dos movimentos
sociais e da conquista de direitos. A pesquisa acadêmica na área, no
Brasil, talvez tenha começado a se dar a reboque dos movimentos sociais —
afirmou a professora de Psicologia da Uerj, Anna Uziel, coordenadora do
Lidis, centro de pesquisa da universidade sobre diversidade sexual e de
gênero.
Presidente do grupo Arco Íris do Rio, Julio Moreira cita outros estudos que servem de base para a luta por direitos:
— Há pesquisas na área de biologia mostrando que mais de dez mil
espécies de animais têm práticas homossexuais. Isto rebate o discurso de
setores conservadores de que é um comportamento cultural, aprendido
equivocadamente, e mostra que é natural — exemplifica Moreira, que ainda
menciona pesquisas sobre violência homossexual e intolerância na
escola.
Ativismo e ciência, inclusive, andam de mãos dadas neste
momento no Brasil. O projeto de lei federal da ‘cura gay’, que será
levado à votação direta no plenário da Câmara esta semana, tem sido
fortemente questionado por especialistas e manifestantes nos constantes
atos no país. Aprovado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara,
presidida por Marco Feliciano (PSC-SP), a proposta quer suspender
trechos da resolução do Conselho Federal de Psicologia que proibiu
profissionais de colaborar com eventos e serviços que ofereçam
tratamento e cura de homossexuais, além de impedir a manifestação no
sentido de reforçar o preconceito.
— Eles entendem, com estes dois
parágrafos, que o conselho está impedindo o psicólogo de tratar o
homossexual. Está impedindo de tratar a homossexualidade como doença,
porque não é uma. O psicólogo não pode tentar mudar a orientação sexual
de uma pessoa, até porque não tem como — critica Anna Uziel.
Enquanto isto, José Barbosa, aquele casado com Vanessa, usa o bom humor para questionar o projeto:
— Se este projeto passar, a Previdência vai falir de tanta gente
tentando conseguir pensão de aposentadoria por invalidez — brinca.
O
casal, por sinal, ri à toa. Ano passado firmou a união estável numa
cerimônia coletiva no Tribunal de Justiça. Em breve, fará o casamento
oficial, e Vanessa, a sonhada cirurgia de mudança de sexo. Antes dela,
José se casou cinco vezes, sempre com mulheres. Não durava. Mas com
Vanessa “foi amor à primeira vista”. Hoje, até filho e nora são
engajados e participam de reuniões do Centro de Referência da Cidadania
LGBT de Duque de Caxias.
— Jéssica (nora) foi grávida para a passeata gay. Até minha neta já entrou no movimento — lembrou Vanessa.
Já o casal Marcos Gladstone e Fábio Inácio adotou legalmente, há três anos, Felipe, hoje de 9 anos, e Davison, de 10.
— O processo levou só uns sete meses, porque ninguém quer adotar
crianças mais velhas. Preferem bebês e brancos — comentou Gladstone.
Ele conta que, no início, o casal tinha medo de ser rejeitado pelas
crianças. Conversas abertas foram construindo a relação da família.
Analfabetos na época da adoção, os meninos atualmente estão entre os
melhores da turma, gabam-se os pais. E sabem se defender:
— Para
eles é uma situação natural. Um dia na escola um colega levantou o tema.
O Davison respondeu que gostava de ter dois pais, até porque antes não
tinha nenhum — lembrou Inácio.
O processo legal de conversão da
união estável para casamento está em fase final. Com isso, os meninos
terão os sobrenomes do casal. Haverá uma celebração pequena, porque em
2009, a festa no Alto da Boa Vista já reuniu 300 pessoas. Em vez disso,
farão uma viagem de comemoração, em família, nos próximos dias, para
Fortaleza.
http://oglobo.globo.com/saude/novo-album-de-familia-8852243#ixzz2XqZuYY1m
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