Por Gazeta de São João del-Rei em 24/05/2014
Por Fátima Gorgulho
Nos últimos anos, o conceito de família tem sido revolucionado e as mudanças enfocam o afeto como pilar de sustentação de novas entidades familiares. Hoje, os fundamentos dessa imensa transformação paradigmática são baseados na solidariedade e no respeito à dignidade das pessoas que integram essa “nova família”.
A sociedade e o sistema jurídico, aliás, têm incorporado as mudanças de forma progressiva, trazendo alterações legislativas diretamente voltadas para o novo conceito de família, denominado eudemonista, que prima pelo afeto entre os seus integrantes. Entretanto, quando se trata do tema “filho adotivo” ou “adoção de crianças”, os valores tradicionais, baseados na consanguinidade, ainda predominam.
Para a sociedade em geral, os “laços de sangue” ainda são considerados mais importantes do que os “laços de amor”. É muito comum ouvir casos de negligência, maus tratos e até de homicídios de crianças nos quais os pais biológicos estão envolvidos, mostrando dessa forma que a existência de “laços de sangue” não é condição essencial para os “genitores” serem considerados “pais legítimos”.
Mas mesmo assim os “laços de sangue” são definitivos para determinar a sina desses inocentes. O destino das crianças nos abrigos e daquelas que esperam decisão judicial junto às suas famílias adotivas é sempre refém da crença nos “laços de sangue”. Profissionais envolvidos nos processos de crianças e adolescentes têm como referência para suas ações “esgotar todas as possibilidades para manter crianças e adolescentes na família biológica”, mas ao cabo o que se esgota é a infância e as possibilidades dessas criança terem um novo lar, uma nova família.
Pesquisadores da área da psicologia e antropologia (como Luiz Schettini Filho e Manoel Santos) deixam claro que os filhos genéticos também precisam ser adotados pelos seus pais biológicos, pois tanto na adoção quanto na paternidade e maternidade biológicas os pais precisam desejar o filho, precisam sonhá-lo, idealizá-lo em suas fantasias e dar a ele um lugar na sua posteridade familiar.
Para o estabelecimento de relações de paternidade e maternidade, a questão psíquica prevalece em relação à consanguinidade. Eles argumentam a importância dos vínculos afetivos estabelecidos nas questões de parentalidade, em que os “laços de afeto” estão para além do biológico e definem os “pais legítimos”.
Um dos pilares da crença nos “laços de sangue” é a herança genética. Entretanto, o Projeto GENOMA mostrou que somos todos muito semelhantes geneticamente e o conceito de raça não tem base científica. Além disso, estudos sobre a “genética do comportamento” mostram que portar genes característicos de algum comportamento não significa que a pessoa necessariamente desenvolva a conduta ligada a ele.
Ou seja, aqueles genes podem se expressar ou não e muito desse fator vai depender das experiências pessoais, familiares e do ambiente em que a pessoa vive. Outros estudos (como o de Rossano André Dal-Farra) mostram que fatores genéticos associados a fatores ambientais afetam o desenvolvimento da inteligência; e que são encontrados valores mais elevados de QI para indivíduos adotados do que o esperado se tivessem ficado com os seus pais biológicos, demonstrando a importância do ambiente. Assim, podemos compreender que é apenas a relação afetiva que produz recursos e instrumentos que solidificam uma ligação familiar sadia. Uma família adotiva vive essa relação de forma muito intensa: são pais que se entregam, se doam e concentram suas energias na tarefa de educar e fazer feliz uma criança.
A família adotiva é livre das amarras do “sangue” e dos preconceitos. Nessa relação não existe o desejo da continuidade genética, mas a da herança cultural, dos valores construídos no ambiente familiar. Pais adotivos não amam o igual, mas sim a diferença. Pais adotivos constroem a relação de afeto através da aceitação incondicional do diferente, da soma, da inclusão, e da libertação convencional.
Amanhã, 25, é comemorado o Dia Nacional da Adoção, um ótimo momento para questionamentos e reflexões. Conhecendo esses novos elementos sobre a constituição familiar, por que não retirar o foco principal da família biológica e incluir os “laços de amor” na estrutura do parentesco? Por que não abrir caminhos para uma nova cultura social de formação de vínculos de parentesco? Parentesco baseado nas relações de afeto e não reduzidas aos fatores consanguíneos. “Laços de amor” ou “laços de sangue”? Qual é o mais forte? Qual é o mais importante? Qual destes pode mudar o mundo?
* professora e co-fundadora do Grupo Maria Fumaça
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