Silvana do
Monte Moreira
Advogada
Presidente
da Comissão de Adoção do IBDFAM
Diretora
Jurídica da ANGAAD
Próximo domingo, 25 de
maio, o Brasil comemora o “Dia Nacional da Adoção”, instituído nacionalmente,
através da Lei 10.447, de 09/05/2002. O dia nacional da adoção tem por finalidade a reflexão, a agilização,
a comemoração e a realização de campanhas de conscientização, sensibilização e
publicização do tema na sociedade, objetivando celebrar a adoção como
importante política para garantia da prevalência do direito das crianças e
adolescentes à convivência familiar e comunitária.
A Semana da Adoção é lembrada com
grande destaque em todo Brasil, através de diversos eventos e homenagens,
organizados pelos grupos de apoio à adoção espalhados pelo país.
O instituto da adoção, mas fortemente
a partir de 2012, não tem muitas vitórias a comemorar, vez que vem sendo
marginalizado pelo judiciário e pelo legislativo. Pelo judiciário em decisões
que colocam a criança em nível de objeto de propriedade dos genitores com os
quais mantém vínculos de sangue despidos de afeto, pelo legislativo ao propor
leis e projetos de leis que são inócuos ou contrários ao melhor interesse da
criança. E, pasmem, em 2014 nossos legisladores estão férteis em ideias
retrogradas de alterações ao ECA.
Dentre esses retrocessos citamos o Projeto de Lei do Senado (PLS) 379/2012, de autoria do senador Antonio Carlos
Valadares (PSB-SE), que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para incluir a tentativa exaustiva de
reinserção familiar da criança ou do adolescente antes da decisão definitiva de
adoção, propondo o acréscimo da expressão “e as tentativas de reinserção” ao §
1º do art. 39 do ECA, o qual estipula que a decisão de adoção, dado o seu
caráter excepcional, só deve ser tomada depois de “esgotados os recursos de
manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa”.
Obviamente que desconhece o autor do referido projeto de lei o
que determina o artigo 19 do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente que
determina:
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser
criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família
substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre
da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
§ 1o
Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento
familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6
(seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório
elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma
fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em
família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei.
§ 2o A permanência da criança e do adolescente em
programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois)
anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse,
devidamente fundamentada pela autoridade judiciária.
§ 3o A manutenção ou reintegração de criança ou
adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência,
caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos
do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos
incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei.
§ 4o Será garantida a
convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai privado de
liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas
hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável,
independentemente de autorização judicial.
Ou seja, o próprio ECA já determina que a
manutenção ou reintegração da criança/adolescente à sua família de origem tem
total precedência à colocação em família substituta e determina a reavaliação
semestral da criança/adolescente em acolhimento institucional, de forma que não
se consegue verificar qualquer logicidade no PL em comento.
Novas leis que pecam pela
obsolescência são a nº 12.962 de 8/04/2014 e a nº 12.955/2014, pois, ambas
tratam de matérias já disciplinadas pela Constituição Federal e por outras
leis.
Existe, ainda, a possibilidade de um
novo Projeto de Lei a ser proposto pela Comissão Parlamentar de Inquérito sobre
Tráfico de Pessoas que, mesmo sem verificar o cometimento qualquer crime na
adoção dos 5 irmãos de Monte Santo, pretende endurecer ainda mais os processos
de adoção.
Não se trata de ser contra a
criminalização do tráfico interno de crianças ou da intermediação de adoções
irregulares, somos absolutamente favoráveis à tipificação de tais condutas como
criminosas, mas somos contrários a que se dê tratamento de crime à adoção intuitu personae, ou mesmo que se
engesse a adoção à ordem do cadastro nacional de adoção.
Adoção não é um instituto estanque e
tem que ser analisado dentro da interdisciplinaridade que perpassa por todo o
procedimento.
Existem e existirão, sempre, inúmeras
situações onde a letra fria da lei não será bastante para que se resolva
determinada equação, será necessário utilizar a lei – sempre balizadora – a jurisprudência,
a doutrina e os costumes.
Não podemos nos fazer de cegos aos
costumes de algumas localidades desse enorme país continente, tão dispare em
matéria de compreensão de um mesmo fato. Nossa diversidade e nossa cultura nos
fazem únicos pela multifacetariedade que nos contempla.
Nos cantões do Brasil as pessoas não
abandonam os filhos, não entregam filhos em adoção, elas dão os filhos para
criar. Dão para os padrinhos, amigos, vizinhos, patrões, para o prefeito, o
gerente do banco, o dono da farmácia e assim vão se formando os filhos de
criação. Não se pode conceber que essas crianças, que ocupam o lugar de filho,
simplesmente sejam desconsiderados como filhos e que essas famílias sejam
desfeitas. Essa configuração familiar tem o direito e o dever de ter o
reconhecimento jurídico e para isso já avançou a jurisprudência, reconhecendo
direitos e deveres de tais formações familiares cuja base é a parentalidade
sócioafetiva.
A adoção consentida ou intuitu personae é algo comum entre os
brasileiros e deveria ser regulamentada para que não permita que seu princípio
de consentimento pelos laços de afeto e de afinidade entre as partes, termine
violado por armações ou “jeitinhos” de burlar a lei.
Não podemos fazer ouvidos moucos
aqueles que ficam anos com as crianças sem definição jurídica para a “formação
de laços”, pois, a única prejudicada é, mais uma vez, a criança.
Porque não se regulamentar a adoção intuitu personae? Porque tentar bani-la
colocando-a na clandestinidade? Porque os legisladores não acompanham os
movimentos da sociedade?
Estamos diante de audiências públicas
que analisarão o Estatuto das Famílias (PL 6583/13) que traz em seu artigo 2º “Para
os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a
partir da união entre um homem e uma
mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”
Pergunto: e nós, o que somos? O que
são uma mãe e uma filha? Um pai e seu filho? Dois pais e seus filhos? Duas mães
e seus filhos? Um tio e uma sobrinha? Dois pais, uma mãe e seus filhos? Um
homem, seus filhos, uma mulher e seus filhos e os filhos comuns? Uma pessoa
sozinha? As famílias por adoção? Os conviventes? Os companheiros?
Porque a nossa legislação tem que ser
retrograda para que a justiça a interprete de conformidade com os avanços da
sociedade e para que os doutrinadores a destrocem. Temos, todos nós, que ter formação
para exercermos uma profissão, ninguém dará o cérebro para ser aberto por um engenheiro
e sim por um neurocirurgião, então porque permitimos que nossas leis sejam
redigidas por quem não sabe e não tem formação para redigi-las?
O que temos a comemorar no dia 25 de
maio de 2014? Temos que comemorar a formação de nossa consciência política para
sabermos que, com nosso voto, não estamos apenas decidindo o futuro do nosso
país, mas o nosso futuro. Precisamos saber em quem votamos, se aquele ou aquela
tem capacidade para legislar.
Político tem que ter currículo e não
apenas promessas de campanha que sequer são cumpridas, que o digam o trem
Rio-São Paulo, o metrô de superfície, a despoluição da Bahia da Guanabara, da
Lagoa Rodrigo de Freitas, dentre outras promessas e falácias.
Se queremos um país justo, com leis
adequadas, precisamos fazer por onde e mostrar a nossa força e o nosso valor e,
quem sabe, em 2015 tenhamos realmente o que comemorar.
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