quinta-feira, 19 de junho de 2014

ADOÇÃO ANIMAL


10.06.2014
Por Guilherme Lima Moura
Atitude adotiva extrapola o espaço relacional de pais e filhos
Ninguém domina a exímia arte da brincadeira como os filhotes de gato. É impressionante como eles pulam, escalam, correm, mordiscam-se, rolam pelo chão. Dali a pouco, entre uma mamada e outra, estão uns sobre os outros dormindo − arte que dominam com igual maestria. É muito divertido observá-los em ação, descobrindo o mundo. Pois bem. Por aqui temos logo cinco.
É que quando chegamos à nova morada, uma casa num aprazível condomínio residencial, recebemos a visita de uma gata que, embora fosse antiga moradora da área, terminou por nos adotar. E nós a ela. Nossos filhos deram-lhe o óbvio nome de Malhada, numa descrição à sua bela coloração mesclada de preto, branco e amarelo. Nunca vi animal mais dócil. Passa de braço em braço e tem uma paciência sobreanimal com as carícias, nem sempre tão cuidadosas (embora sempre bem intencionadas), dos nossos quatro filhos e seus amiguinhos.
Só depois de alguns dias foi possível notar que Malhada estava prenha. Ela, portanto, vinha acompanhada e assim permaneceu entre nós. Foi no primeiro dia do ano letivo que pariu cinco lindos filhotinhos. Nem preciso dizer que eles passaram a receber todas as atenções da família e dos vizinhos. Uma parte gostosa da experiência foi observar que cada um nasceu com uma textura de pele totalmente diferente do outro. O batismo dos nomes coube aos meninos, claro, atendendo ainda àquele princípio descritivo aplicado à gata mãe.
O que nasceu totalmente amarelo ganhou o nome de Galego (do pernambuquês: pessoa loura ou alourada), apesar dos votos por Caroço-de-manga-chupado, devido ao pelo amarelo e arrepiado da cabeça. O segundo macho é todo num preto impecável, apenas contrastado com os olhos muito azuis, e foi nomeado de Coca-cola. A fêmea que tem a pele toda num cinza rajado e é a mais saltitante ganhou o nome de Tigresa. Outra fêmea veio em tons de branco e preto apenas e assim ficou sendo Floquinha. E, por fim, a gatinha que chegou com o mesmo padrão em três cores da mãe, fez por onde merecer o inusitado nome de Malhada Júnior.
E assim cresceu inesperadamente nossa família. É que a atitude adotiva extrapola o espaço relacional de pais e filhos. Como é forma de ser no mundo em relação ao outro, inclui as mais variadas expressões de inclusão dos que estão a nossa volta. Por isso é possível falarmos em adotar os animais, adotar o planeta, adotar a escola e os amigos.
A atitude adotiva é força tão poderosa que é capaz de refrear até mesmo a nossa milenar prática onívora, gerando humanos que se recusam a alimentar-se de outros animais. Ao reconhecê-los como animais não humanos, estabelecem com eles relação de igualdade e se (re)incluem na categoria maior. Ressignificarmo-nos em categorias afetivas mais amplas é uma forma especial de atitude adotiva porque, acima de tudo, só pode haver amor de verdade onde não há subjugação.
E assim o belíssimo conceito de adoção, pela naturalidade com que é tratado em casa, passa a ser entendido de tal forma pelas crianças, que passam a usá-lo com surpreendente maestria, inclusive, estendendo-o às suas múltiplas possibilidades. Foi assim que, enquanto eu orientava a tarefa escolar de Ana, minha filha de seis anos, que tentava classificar uma lista de animais como domésticos ou silvestres, deparei-me com essa:
- E o que são animais domésticos?
- Eu sei, pai. São aqueles que a gente adota.
Fiquei atônito. Torna-se doméstico − “do lar” − aquele que a gente adota.
Ah, meus filhos... Fui ensinar e terminei aprendendo. De novo.
Foto: divulgação
http://ne10.uol.com.br/coluna/atitude-adotiva/noticia/2014/06/10/adocao-animal-492688.php

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