quarta-feira, 25 de junho de 2014

A LEI DA PALMADA E A DEMASIADA INTERVENÇÃO ESTATAL SOBRE O PODER FAMILIAR


Terça, 24 de Junho de 2014
Autor: Tiago Marques do Nascimento*
Provérbios 13:24 “Aquele que poupa a vara (da disciplina) odeia seu filho, mas aquele que ama diligentemente disciplinas e castiga-lo cedo.”
Quando tratamos de poder familiar temos que analisar paralelamente duas variáveis, quais sejam: o aspecto afetivo das relações entre pais e filhos, bem como a ingerência do estado em tais relações. Neste diapasão, o Estado assume papel cada vez mais importante, mormente quando os direitos dos filhos se revestem de status constitucional de prioridade absoluta.
Hodiernamente a atuação do Estado no poder familiar é cada vez mais forte e isso se justifica pela adoção da doutrina de proteção integral da criança e do adolescente expressa na Constituição Federal de 1988. Ao longo do tempo vigorou a ideia de que a criança só tornava relevante para o Estado quando cometia algum delito ou quando era abandonada. De resto, a autonomia dos pais era muito ampla com base de que eles seriam ou deveriam ser os mais interessados no bem-estar moral e material dos filhos.
Desta forma, a intervenção Estatal se encontra na formulação e execução da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, que se fará também com parceria da sociedade. No mais, se limita na sua atuação à seara negativa de atuação dos pais quando forem violados os direitos da criança e do adolescente, no qual se fará através de seus órgãos judiciais (juízo da infância e da juventude) e extrajudiciais (conselhos tutelares) atuando de maneira repressiva e preventiva consoante o que dispõe o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Não obstante, apesar de todas essas intervenções estatais para preservar os direitos da criança e do adolescente, os pais tem seu espaço reservado e próprio. Não se pode admitir a família sem entregar aos pais a responsabilidade em primeiro lugar. Assim preceitua o artigo 1513 do código civil:
Art. 1513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.
Assim, no plano da licitude e responsabilidade os pais têm o livre arbítrio na condução da educação e administração dos bens do menor por ser direito da própria criança como aduz o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
Portanto, apesar de toda ingerência do Estado, diante do interesse maior da criança e do adolescente, o poder familiar permanece como o órgão insubstituível de proteção do incapaz.
Diante desse panorama surge a discussão sobre os projetos de leis nº 2654/2003 e 7672/2010 popularmente conhecidas como “Lei da Palmada” ou “Lei menino Bernardo” a despeito do confronto entre o poder familiar e a intervenção do Estado e seus limites.
Os aludidos projetos de lei visam garantir o direito de uma criança ou jovem de ser educado sem o uso de castigos corporais, seja moderados ou imoderados que resultem em dor.
O projeto de Lei nº 2654/2003 em seu artigo 1º modifica o ECA acrescentando novas disposições.
Art. 18 – A – Criança e o adolescente têm direito a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, no lar, na escola, em instituição de atendimento público ou privado ou em locais públicos.
(...)
Já o projeto de Lei nº 7672/2010, modifica outros artigos:
Art. 17-A. A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto.
Parágrafo único. Para efeitos desta Lei, considera-se:
I – castigo corporal: Ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente.
II – tratamento cruel ou degradante: conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou adolescente.
Art. 17-B. Os pais, integrantes da família ampliada, responsáveis ou qualquer outra pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar crianças e adolescentes que utilizarem castigo corporal ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina educação, ou a qualquer outro pretexto estarão sujeitos às medidas previstas no art. 129, incisos I, III, IV, VI e VII, desta lei, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
(...).
Nota-se na redação dos projetos de lei uma demasiada interferência na família no tocante à educação dos filhos, coibindo, inclusive, a famosa palmada corretiva largamente utilizada pelos núcleos familiares no Brasil e no mundo.
É nítida a intenção do legislador em aniquilar a “palmada”, “beliscão”, “puxão de orelha”, etc., tornando qualquer criança “absolutamente intocável”, isso porque nas agressões já existe proteção Estatal coibindo abusos a exemplo do crime de maus-tratos, tortura, lei Maria da Penha.
Acrescente-se que mesmo tendo o Estado garantido por intermédio da Constituição Federal a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares, deve fazê-lo com vistas ao princípio da intervenção mínima no direito de família.
Esse importante princípio aduz que a intervenção do Estado deve ser mínima na família, justificando somente em casos para proteção de garantias constitucionais. Assim, a família, a base da sociedade, tem proteção especial do Estado, mas não sua interferência direta.
Nessa senda, não deve o Estado retirar a base socioeducativa da família, como bem estuda Pablo Stolze e Pamplona Filho:
“Ao estado não cabe intervir no âmbito do Direito de Família ao ponto de aniquilar a sua base socioeducativa.”
Seu papel deve-se restringir como um modelo de assistência, e não de interferência agressiva, tal como se dá na previsão do planejamento familiar, que é de livre decisão do casal, ou na adoção de políticas de incentivo à colocação de crianças e adolescentes no seio de famílias substitutas.
É bem verdade que a família deve observar as garantias constitucionais de proteção a crianças e adolescentes no momento da educação, porém, o método utilizado é direito exclusivo dos pais, não cabendo ao Estado ponderar o que é adequado ou não. A família tem o direito de ter seus próprios valores e os meios de dar eficácia a educação dos seus filhos.
Foge de qualquer propósito ditar aos cidadãos como eles devem educar sua prole. Ao Estado cabe fornecer escola gratuita, salvaguardar a liberdades das famílias não podendo chocar com a legítima pretensão dos pais de educar os seus próprios filhos em consonância com os bens que eles defendem.
Assim, o mencionado projeto de lei fere frontalmente os direitos dos pais de educarem seus filhos, podendo ser, portanto, considerada inconstitucional se for interpretada de maneira rigorosa.
* É advogado e pós-graduado em ciências criminais e direito previdenciário.
http://www.acritica.net/index.php?conteudo=Opinoes_dos_Leitores&id=1079

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