11.06.2014
Publicado por Dr. José Neves dos Santos *
O instituto da adoção é muito recente no Brasil. Somente no início do século passado, a partir do Código Civil de 1917, a adoção de crianças e adolescentes foi regulamentada. Percebe-se que apesar dessa inicial regulamentação do Código Civil de 1917 os caminhos alternativos, muitas vezes ainda são trilhados por aqueles que querem ser pais adotivos.
Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, ampliou-se o leque de características que passa a ser aceito em relação aos candidatos à adoção, no que diz respeito ao estado civil e à idade. Assim, a adoção é possível de ser requisitada por qualquer pessoa maior de 21 anos de idade, independentemente de seu estado civil, desde que haja diferença de 16 anos entre adotante e adotado, não sendo permitida a adoção por familiares (avós e irmãos do adotando). O ECA estabelece, desta forma, diferentes possibilidades de adoção.
O que muitos ainda não perceberam é que as alterações em sua totalidade não resolveu um mal sofrido pelas mesmas crianças e adolescentes que o Estado lhes destinou tal proteção. O constituinte nem sequer esboçou radicalizar o mal do mito na adoção, a chamada mentira pra contentar. O relato que li sobre a nutricionista Ester Gonçalves[1] (nome fictício), aguçou-me os sentimentos e pensamentos sobre a realidade do instituto de adoção vigente no Brasil. Percebem-se três realidades da adoção legal no Brasil quanto aos resultados psicológicos. A) a adoção encoberta; b) a adoção confessada e a c) mista. São três realidades distintas que são resultantes do processo de adoção e que podem desenvolver na vida da criança e do adolescente, desde consequências mais simples, que vão de contrariedades à infelicidades, até as mais profundas e desastrosas, que podem dar origem às variadas formas de pessoas em nossa sociedade.
A adoção encoberta acontece quando o casal adotando, por determinadas razões, não relata a criança, desde pequena, que os mesmos não são seus pais biológicos. Já a adoção confessada ocorre ao contrário da primeira, quando o casal adotando resolve esclarecer ao adotado que os mesmos não são seus pais biológicos. Alguns além de os revelarem, às vezes, chegam até levar o adotado para visitar seus outros irmãos. Por fim a adoção mista ocorre quando o casal adotando confessa ao adotado que não são seus pais biológicos, mas que não sabem o paradeiro, não querem contato e evitam falar no assunto. Nesta há a confissão, mas falseada.
A História de Ester Gonçalves nos mostra a realidade da adoção encoberta, pois mesmo que ela já soubesse que era adotada, mas ninguém seus pais nunca contaram a ela a história verdadeira. Nas visitas recebidas em casa, pessoas trocavam olhares entre si, e a mãe adotiva distribuía cotoveladas quando alguém, sem perceber, tocava no assunto proibido. Para evitar mais constrangimentos, Ester fingia não saber de nada. Aos quatro anos começou a descobris a verdade. O fio da meada aconteceu com chegada do irmão mais novo, também adotado. “Perguntei à mamãe porque a barriga dela não tinha crescido. Ela inventou uma história e disse que havia usado uma cinta durante a gravidez”. Era o começo de uma vida de mentiras. “Eu me sentia enganada o tempo todo”, afirma.
Mesmo que no processo de adoção nos dias atuais, a criança e o adolescente já desfrutem do direito de conhecer sua origem biológica (a partir da Lei nº 12.010/2009 que inseriu o artigo 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente), acredita-se que o problema não esteja resolvido. O Estatuto da Criança e do Adolescente no art. 48 institui “o direito ao adotado conhecer sua origem”, mas o que poderia resolver seria a obrigatoriedade do adotando revelar a história do processo de adoção ao adotado.
Segundo profissionais que trabalham nesse âmbito descobrir tardiamente que é adotivo torna-se profundamente perigoso, pois “só descobre que foi adotado quem nunca ficou sabendo a verdade desde criança[2]”.
Segundo juristas, assistentes sociais e psicólogos, a revelação tardia da adoção é um dos principais motivos que prejudica o sucesso da adoção no Brasil, levando muitas vezes o adotado à revolta contra os próprios adotando.
O trauma constante destrói o senso da segurança pessoal e a confiança no relacionamento com outras pessoas adultas ou familiares, além de contribuir para a falta de conexões afetivas e das expectativas para o futuro. Ocorrem rupturas e interrupções na progressão das fases de crescimento e desenvolvimento, causando um profundo impacto nos mecanismos de adaptação e sobrevivência. Crianças e adolescentes que sofreram abusos ou abandono e ficaram traumatizadas podem reagir com condutas de defesa e se tornar mais agressivos, com problemas de comportamento, por dificuldades em controlar seus impulsos e emoções, o que leva a outras situações anti-sociais ou criminosas, abusos de drogas e auto-agressões com mutilações corporais. (EISENSTEIN, 2004, p.123)
Silvana do Monte Morreira afirma [3] “Desde o momento em que a criança chega no lar, mesmo que não tenha idade para perceber tudo, ela tem de ter noção de que é uma criança escolhida pelos pais. Tem de saber que não veio da barriga da mãe. A base de um relacionamento é a confiança”, lembra.
Eu mesmo tive a experiência de adotar o meu único filho e percebemos que desde pequeno o mesmo tinha entusiasmo em dizer a todos que “eu não sou da barriga, mas do coração”. Hoje com dezesseis anos, ainda tem a mesma alegria em contar a qualquer pessoa que é filho do coração[4].
Isso acontece, em boa parte, pelo fato de a Lei Nacional da Adoção, nº 12.010/2009, dar apenas ao adotado o direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 anos. O parágrafo único do mesmo artigo prossegue afirmando que o acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao mesmo, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.
Percebe-se temor por parte do próprio Estado, pois ao dizer que ao menor de dezoito anos é assegurada a orientação e assistência jurídica psicológica e ao adotado maior de dezoito anos, não lhe assegurou tal assistência, ou seja, o acesso à assistência estatal, resultante do mesmo processo de adoção. Assim é dizer que o acesso ao processo de adoção por menor de 18 anos é vexatório, pois ao conceder o direito ao maior de dezoito anos, a mesma assistência não foi concedida ao maior de 18 anos. Ao contrário, os problemas resultantes da adoção são de ordem psicológica atingindo tanto crianças, adolescente e adulto.
Ester não chegou a esse ponto, mas só se casou mais tarde, aos 38 anos, e nunca quis ter filhos. “Quando tinha 20 e poucos anos, eu e meu irmão fomos à casa da mulher de um senador, que havia facilitado a transação. Ele nem abriu a porta. Pela janela do casarão, disse que nem que enfiassem uma faca no seu peito ela iria contar a verdade. Parecia uma cena de novela, que ficou gravada na minha memória”, revela[5].
O momento de contar a verdade tem se tornado cada vez menos traumático para a criança e também para os pais, dependendo de sua faixa etária.
Todas essas transformações da infância e da adolescência podem ser influenciadas de maneira positiva para o completo alcance das potencialidades vitais, ou de maneira negativa, com distorções ocasionadas por situações de riscos e traumas, que podem interromper essa trajetória e repercutir para o resto de suas vidas [6].
Logo, se algum adotado quiser saber toda a verdade sobre seus pais biológicos, irrestrito aos detalhes do seu processo de adoção, o procurador do Juizado da Infância e da Juventude irá providenciar um meio pra você descobrir sua origem biológica. Isso poderá ser feito após você completar 18 anos ou até antes disso. Se for menor de idade, terá de obter a autorização do juiz, que vai designar um psicólogo e um advogado para acompanhar o caso. E se for criança, na qual não haverá essa habilidade de buscar seus direitos fundamentais? Nesse particular lembraram apenas dos maiores de dezoito anos e dos menores de dezoito anos, impossibilitando assim esse direito aos infantes.
Mas o princípio do melhor interesse da criança e doa adolescente, estampado no art. 225, parágrafo 6º, garante que no vigente estado democrático de direito, objetive-se a busca ao melhor interesse do menor, estando claro que nesse sentido a lei deveria impor ao adotando o direito de esclarecer ao adotado, sob pena de revogação da perda do poder familiar a não obediência a lei.
Ao invés disso, se o Estado alterasse a legislação e tornasse obrigatório a todos os adotando o dever de revelar aos adotados, certamente a adoção no Brasil poderia ganhar novos rumos e com certeza bem melhores. A verdade é que, justiça com mentira nunca será justiça.
CONCLUSÃO
O processo de adoção no Brasil já melhorou muito, desde 1917 com sua introdutória legalização pelo Código Civil e evoluiu com a promulgação da Constituição de 1988 e consequentemente do Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, um entrave precisa ser retirado dos processos de adoção no Brasil que é a permissibilidade jurídica do mito nos processos de adoção. Essa permissibilidade acontece pela omissão de norma proibitiva de declaração falseada de paternidade.
Entende-se que essa declaração falsa de que os pais adotivos são pais biológicos ou até mesmo da omissão na declaração da verdade processual da adoção, fere o direito da busca pela verdade real, assim como, tolhe o direito a informação da origem genética biológica.
Portanto, está em tempo oportuno de o Estado privar de vez que casais adotando use de declaração falsa àqueles que o Estado tendo o primado de sua dignidade, entregua à outros que desde o início em nome do amor passam a enganá-los dizendo serem seus pais biológicos, mesmo não sendo.
BIBLIOGRAFIA
Eisenstein E, Lidchi V. Abusos e proteção de crianças e adolescentes. Rio de Janeiro: CEIIAS-ISPCAN. 2004.
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente Editora Ridel, 2013. São Paulo/SP
ANGHER, Anne Joyce. Vade Mecum Acadêmido de Direito. Rideel, 2012.
http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/02/27/interna_gerais,280120/lei-que-deuafilho
adotivo-direito-de-conhecer-origem-biologica-melhora-adaptacao. ShtmlEisenstein E, Lidchi V. Abusos e proteção de crianças e adolescentes. Rio de Janeiro: CEIIAS-ISPCAN. 2004.
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente Editora Ridel, 2013. São Paulo/SP
ANGHER, Anne Joyce. Vade Mecum Acadêmido de Direito. Rideel, 2012.
http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/02/27/interna_gerais,280120/lei-que-deuafilho
http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=143
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[1]http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/02/27/interna_gerais,280120/lei-que-deuafilho adotivo-direito-de-conhecer-origem-biologica-melhora-adaptacao. Shtml
[2]http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/02/27/interna_gerais,280120/lei-que-deuafilho adotivo-direito-de-conhecer-origem-biologica-melhora-adaptacao. Shtml
[3]http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/02/27/interna_gerais,280120/lei-que-deuafilho adotivo-direito-de-conhecer-origem-biologica-melhora-adaptacao. Shtml
[4] O autor é pai de um único filho JMCS, sendo que o mesmo sabe desde os primeiros anos que fpoi adotado e isso as vezes é motivo de alegria para o mesmo.
[5]http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/02/27/interna_gerais,280120/lei-que-deuafilho adotivo-direito-de-conhecer-origem-biologica-melhora-adaptacao. Shtml
[6]http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=143
*Dr. José Neves é teólogo graduado pela FATEFIG,(Doutor Honoris Causa)
pela FATBI/INSTITUTO TEOLÓGICO EMILL BRUNNER/DF, pedagogo pela FACULDADE
SÃO MARCOS/SP, e está concluindo a graduação em Direito na ULBRA/PA.
Professor de filosofia na rede pública estadual. Reside na cidade
Santarém no oeste do Pará. Seu objetivo principal é ser escritor na área
de Direito de Família.
http://drneves.jusbrasil.com.br/artigos/123278205/o-dever-do-esclarecimento-da-verdade-no-processo-de-adocao
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