segunda-feira, 16 junho , 2014 postado por Niskama Prem
O que são pais adotivos? O que são pais verdadeiros? Usa-se a expressão “pais verdadeiros” quando se faz referência aos pais genitores. No entanto, há nisso um grande engano. Todos os que se colocam na posição de pai e mãe podem considerar-se pais verdadeiros na medida em que, quando não são genitores, são pais legais. Por outro lado, se a criança cresce escutando que não tem pais verdadeiros, como pode ela ser uma criança verdadeira?Há pais genitores que não são verdadeiros quando, ao longo da gestação e após o nascimento, não desejam conhecer e/ou reconhecer a criança e, sendo assim, não adotam a sua própria cria. Há pais genitores que “criam” filhos que crescem com sentimento de abandono. Quantas crianças vivem desamparadas nas suas próprias famílias de origem?
Gostaria de abordar algumas questões que atravessam a vida da maioria dos pais adotivos. Muitas vezes, eles se sentem ameaçados nas suas verdadeira função de pais: é frequente a dúvida se devem ou não contar à criança sobre a adoção. Junto com a dúvida vem o medo de que a criança, ao saber a verdade, rejeite-os como pais ou se tornem crianças e adultos problemáticos em função da sua história de vida.
A criança entende muito mais do que se possa imaginar sobre o que acontece a sua volta, principalmente o que faz referência a ela. Quando as palavras são usadas pelos adultos com o objetivo de que a criança passe a compreender o sentido das coisas ou compreender a situação na qual está inserida, maior é a possibilidade de trilhar um caminho tranquilo no que diz respeito ao seu desenvolvimento emocional. É preciso dizer à criança que ela é a filha adotiva dos seus pais adotivos.
Há sempre um saber sobre o que não se sabe. Ainda que se tente “preservar” (não sei se este é o melhor termo a ser empregado aqui, pois não vejo no silêncio um ato de preservação) o segredo quanto à adoção, algo sempre escapa na relação da criança com os seus pais.
Sendo assim, o desmentido, isto é, o que no seu significado traz implícito um reconhecimento seguido de uma recusa em saber, poderá deixar marcas sujeitas a dores no futuro da criança. Desta forma, quais inferências pode fazer uma criança que por algum lugar sabe da sua adoção, mas não pode falar do assunto? O que de errado pode ter em ser adotado? Quais fantasias a criança não irá fazer da sua família de origem? Como construirá, esta mesma criança, a sua própria família?
Ao falar para a criança sobre a forma como chegou àquela família, é importante marcar a existência de pais que a geraram e que, por não poderem criá-la, deixaram-na aos cuidados de pais adotivos. Assim, os pais genitores ganham um corpo pelo discurso destes pais adotivos. Com frequência, as crianças que os reconhecem pelo discurso dos pais adotivos não sentem necessidade de conhecê-los de fato.
É importante aparecer no discurso desses pais uma dose de gratidão pelos pais genitores por terem colocado a criança no mundo, pois desta forma a criança pode construir uma identidade em bases positivas. Uma criança que escuta gratidão e até mesmo certa valorização dos pais adotivos por seus genitores pode inferir, por exemplo, que “se meus pais genitores foram bons porque proporcionaram aos meus pais adotivos a felicidade de me criarem, eu também sou boa”.
Outro receio dos pais é de que os filhos adotivos sintam-se diferentes. Todas as crianças são diferentes umas das outras e podem viver vários conflitos na infância. O fato é que se há conflito, seja na criança adotada ou na criança criada por seus genitores, é porque algo não foi introjetado de forma tranquila.
Crianças adotadas que se sentem rejeitadas na escola, por exemplo, agem da mesma forma que crianças criadas por seus genitores que também se sentem rejeitadas. O que está em jogo, aqui, é o conflito familiar que foi instaurado independentemente do modo como esta família foi constituída. É importante avaliar, ainda, se esta rejeição é mesmo sentida pela criança ou se é uma fantasia ou um “pré-conceito” dos próprios pais adotivos.
Homens e mulheres que desejam adotar precisam estar cientes da responsabilidade que terão diante da criança. Não se trata apenas da responsabilidade quanto à forma de criar (cuidados com o corpo, carinho, educação). Todo filho tem direito a conhecer a sua história e não poderia ser diferente com o filho adotivo. A criança precisa conhecer sobre si mesma! Pior do que uma história que a princípio possa parecer triste é não ter uma história ou ter uma falsa história.
Ainda que o máximo de informação que se possa dar ao filho adotivo (em função da pouca informação que se tem sobre os pais genitores) seja o fato de ter sido deixado numa instituição para ser recebido por pais que pudessem, de fato acolhê-lo e amá-lo, ele tem este direito!
Monica Donetto Guedes
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