domingo, 24 de novembro de 2013

A ADOÇÃO INTER-RACIAL


17/11/2013
NO DIVÃ

Quando o tema é adoção frequentemente escutamos falar sobre as dificuldades encontradas pelas instituições que cuidam do assunto em relação às adoções inter-raciais. Fala-se em adoção inter-racial quando ela une pais e crianças que pertencem a raças diferentes entre si.
Em países da Europa e América do Norte é muito comum encontrarmos famílias onde os membros são de raças distintas, e não raro, que pertencem a duas ou mais raças. Assistimos pais brancos com filhos negros, mulatos, indígenas ou de origem asiática com muito maior frequência lá fora, do que aqui em nosso país. Apesar da mídia recentemente estar ampliando esta discussão, os serviços que lidam com adoção ainda registram a preferência dos pais candidatos à adoção por crianças de mesma raça.
Pesquisas já foram realizadas em vários países, porém não se chegou à conclusão de que seja a diferença racial entre pais e filhos adotivos a causa das dificuldades que possam ser encontradas neste processo. Afinal, a adoção é uma filiação a ser construída, trata-se de uma gestação que ocorre ao revés, ou seja, uma gestação que se inicia após a chegada da criança. Assim, o encontro entre pais e filhos adotivos sempre traz desafios para ambos os lados.
Sabemos que muitas podem ser as causas que levam um casal a optar pela adoção: infertilidade de um ou ambos os pais, medo da gestação, morte de um filho biológico, porém se a referida causa não foi suficientemente falada, pensada e entendida por estes pais, qualquer manifestação do filho adotivo que os "frustre" poderá trazer à tona fantasias de que tal situação tem a ver com a origem biológica da criança.
Segundo a psicanalista Gina Levinzon: "quando o filho adotivo os frustra, ou apresenta comportamentos mais impulsivos ou agressivos, surgem as 'fantasias do mau sangue': o pensamento de que se a criança tivesse nascido deles não se comportaria dessa forma".
Neste caso, as diferenças físicas como cor da pele, tipo de cabelo e raça podem servir para intensificar estas fantasias e dificultar o estabelecimento de um vínculo saudável entre eles.
Estas fantasias são mais frequentemente observadas em casos onde apesar de os pais conseguirem falar sobre a adoção, não se sentem autorizados para falarem sobre a origem da criança: de onde veio, onde ficou até a chegada deles, a região onde nasceu, as características físicas deste lugar etc.
Esta dificuldade dos pais pode ocorrer em decorrência de uma necessidade inconsciente destes em negar que o filho tenha outra origem e é biologicamente diferente deles. O tabu criado em relação à sua origem pode trazer à criança a dificuldade em aceitar suas próprias características físicas, o que interfere na formação de sua própria identidade.
As diferenças físicas passam a ser associadas pela criança como se ela fosse inferior e não pertencente àquela família. Pode surgir o medo por um novo abandono, pois o fantasma da rejeição passa a imperar. O sentimento de menos valia, as dificuldades escolares e uma visível tristeza podem ser observadas e é na maioria das vezes, somente neste momento, que o tratamento psicanalítico é procurado pelos pais.
É certo que a adoção por si só denota situações intensas para todos os envolvidos, porém o trabalho psicanalítico mostra que, quanto mais cedo tratamos os medos e os fantasmas que habitam o psiquismo de todos os envolvidos, mais preservada estará a saúde física e psíquica, possibilitando a construção de laços estáveis, onde todos se sintam incluídos e pertencentes, no qual as diferenças sejam respeitadas e vividas como possibilidade de enriquecimento pessoal.
EDILAINE BRONZERI PUGLIESE é psicanalista, psicóloga com especialização em Psicologia Clínica (CRP 06-36525). Membro fundador do TRIEP - Trabalhos de Investigação e Estudos em Psicanálise (www.triep.com.br
). Contato: secretaria@triep.com.br
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