ADOÇÃO E GUARDA: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO
Autora: Maria José Pinho Sousa
Coautora: Samilly Araújo Ribeiro Matos
O direito é a mais eficaz técnica de organização da sociedade. Cabe ao
Estado organizar a vida em sociedade e proteger os indivíduos, devendo
intervir para coibir excessos e impedir colisão de interesses
(GONÇALVES, 2006, p.22).
Para Alves (2008, p.482) “o direito de
família atende a necessidade de enlaçar, no seu âmbito de proteção às
famílias, todas elas, sem discriminação, sem preconceitos”.
O tema
adoção e guarda faz parte do Direito de Família, esta se alinha entre os
mais complexos temas do conjunto de conhecimentos específicos que tem
por centro o ser humano em formação. É um assunto que nos leva a uma
grande reflexão, pois não se trata apenas de um procedimento legal para
ganhar legitimidade em relação a uma criança ou a um adolescente, muito
pelo contrário, a adoção nos leva a dar e receber muito amor do nosso
semelhante.
A guarda implica o dever de ter a criança ou adolescente
consigo e prestar-lhe assistência material, moral e educacional,
conferindo o seu detentor o direito de se opor aos terceiros, inclusive
aos pais (Art. 33, ECA). Destina-se a regularizar a posse de fato do
menor, podendo ser deferida liminarmente nos processos de adoção ou
tutela. Fora desses casos, o juiz pode deferir a guarda excepcionalmente
para suprir a falta dos pais.
A adoção vem a ser o ato jurídico
solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece,
independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou
afim, um vínculo fictício, trazendo para sua família, na condição de
filho, pessoa que geralmente, lhe é estranha. Dá origem, portanto, a uma
relação jurídica de parentesco civil entre adotante e adotado. É uma
ficção legal que possibilita que se constitua entre o adotante e o
adotado um laço de parentesco de 1º grau na linha reta.
A partir da
Constituição Federal de 1988, ingressou em nosso sistema pelo art. 227, a
doutrina da Proteção Integral, ou seja, a imposição do reconhecimento
da peculiaridade da condição da criança e do adolescente, seres humanos
em formação que passam por dois ciclos rápidos, o da infância e da
juventude, sendo que nessas condições, encontram maior dificuldade para
se oporem aos obstáculos para seu pessoal desenvolvimento.
Justifica-se a necessidade de novos olhares à questão da adoção, vez que
este tema é complexo e polêmico, envolto em discurso estático, devendo a
adoção ser repensada de forma construtiva. Neste sentido, é necessário
analisar as categorias, os paradigmas e as práticas do direito de
família, na perspectiva de uma principiologia axiológica de índole
constitucional.
A adoção é um instituto legal que possui mais de
dois mil anos na história da humanidade. Hindus, persas, egípcios e
hebreus praticavam a adoção como forma de culto à família. Assim dizia o
art. 185 de Hamurabi: “Se um homem adotar uma criança e der seu nome a
ela como filho, criando-o, esse filho crescido não poderá ser reclamado
por outrem”.
A Bíblia também trata deste instituto como, por
exemplo, no caso de Jacó, que adotou seu netos Efraim e Manassés, filhos
de José. Moisés, por sua vez, foi encontrado às margens do Rio Nilo e
adotado por Termulus filho do Faraó.
Na Grécia Clássica e na Roma
antiga, a adoção se baseava na ideia de que era necessário manter uma
relação com os mortos, já que eles exerciam influência sobre o presente e
o futuro dos vivos. Assim, uma lareira que representava essa ligação
era mantida acesa dentro de casa; No entanto só os chefes de família do
sexo masculino poderiam realizar este ritual, dai a ideia de adoção para
que as famílias que não tivessem descendentes do sexo masculino
pudessem continuar com o culto aos mortos.
Na idade média, adoção
cai em desuso, pois o instituto da adoção ia de encontro aos interesses
econômicos da época, pois se a pessoa morresse sem herdeiros, seus bens
seriam destinados aos senhores feudais ou à Igreja; Nesse período, uma
irmandade italiana preocupada com o número de crianças mortas após o
nascimento, criou a “Roda dos Expostos”. Um artefato de madeira colocado
no muro ou janela do hospital, no qual era depositada a criança, sendo
que ao girar esta era conduzida para dentro das dependências do mesmo,
sem que a identidade de quem ali a colocou fosse descoberta.
No
Brasil, as primeiras iniciativas de atendimento à crianças abandonadas
seguiram a tradição portuguesa, instalando a “Rodas dos Expostos” nas
Santas Casas de Misericórdia, isso já no início do Império.
Só com a
Revolução Francesa a Adoção foi consagrada com ato jurídico no Código
de Napoleão de 1807, este estabelecia um rigoroso trâmites processual,
com participação efetiva das partes envolvidas.
No Brasil ao se
fazer uma retrospectiva histórica da legislação verifica-se uma
tentativa de liberalizar a adoção, diminuindo-se as exigências legais.
O Código de 1916 previu originariamente que só aqueles que não tinham
filhos biológicos poderiam adotar, além do mais o, o Código estabelecia
uma séria de restrições como: idade mínima do adotante, diferença de
idade entre adotante e adotado e limitação de parentesco à pessoa do
adotante e adotado (BRASIL. 2010)
A Lei 3133/57 alterou alguns
artigos do Código Civil para prever principalmente que quando o adotante
tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de
adoção não envolveria a de sucessão hereditária. O casal não precisava
mais comprovar que não tinha filhos biológicos.
Com a Lei 4655/55
foi criada a modalidade de Adoção denominada “Legitimação Adotiva”, que,
por sua vez, dependia de decisão judicial e fazia cessar o vínculo de
parentesco entre o menor e a família biológica.
A Lei 6697/79,
conhecida como Código de Menores previu a adoção plena, pela qual o
vínculo de parentesco foi estendido à família do adotante fazendo assim
com que o nome dos ascendentes passasse a constar no registro de
nascimento do adotado independentemente do consentimento dos avós. No
entanto, apesar da evolução essa lei também diferenciava o filho
biológico do filho adotivo.
Atualmente todo o capítulo do Código
Civil que cuidava da adoção foi revogado pela Lei 12010/2009, restando
apenas dois artigos: 1618 e1619. A Constituição de 1988 deu uma nova
roupagem ao Direito de Família e, consequentemente, para o instituto da
Adoção, sendo positivado o Princípio da Isonomia. Nesta linha, o Novo
Código Civil (Art. 1596) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Art.
20 e 41) proibiram qualquer forma de descriminação entre filho biológico
e adotivos.
É senso comum que crianças e adolescente são
seres em formação, necessitando de auxilio para desenvolver os aspectos
intelectual, moral social e afetivo, assim como não tem condições de
proteger sua própria vida, integridade física e a saúde, além do mais
não tem os meios próprios para suprir as suas necessidades básicas.
Assim, em virtude da fragilidade deste grupo sociedade ao longo da
História da humanidade vem desenvolvendo mecanismo de proteção para este
grupo tão vulnerável (GONÇALVES, 2006).
O ordenamento jurídico no
Brasil acompanhando esta linha de pensamento, vem aperfeiçoando sua
legislação no que se refere a este segmento da sociedade. E o que bem se
pode observar no Art. 227 da Constituição Federal:
Art. 227. É
dever da família da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Verifica-se, portanto, que esta é a regra, ou seja, que menor seja
acolhido no seio da família biológica. Todavia, existem casos em que o
afastamento do menor da convivência familiar é o único meio de lhe
garantir um desenvolvimento saudável. Seriam casos de abandono,
maus-tratos, tortura em que a permanência deste poderiam lhe causar
sérios danos, com sequelas irreparáveis. E o que preceitua o ECA
(Estatuto da Criança e do Adolescente) Lei 8069/90 em seu Art. 19:
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado
no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta,
assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da
presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (ECA,
2008).
Colocar a criança/adolescente em uma família substituta tem a
natureza jurídica de proteção do menor, como assegura os Art. 98 e 101,
X do ECA. Observando-se no ordenamento jurídico brasileiro 03(três)
modalidade: adoção, guarda e tutela, institutos jurídicos que visam a
proteção da criança/adolescente, e que serão descritos posteriormente.
A maioria dos autores nacionais e estrangeiros refere-se à adoção como
sendo de natureza contratual. Outros acham que a ideia de contrato deve
ser afastada porque as relações contratuais são fundamentalmente de
conteúdo econômico, ao passo que o vínculo que a adoção estabelece é
essencialmente espiritual e moral.
Em última hipótese, o instituto
da adoção é de ordem pública, onde cada caso particular dependerá única,
pura e exclusivamente de um ato jurídico individual, onde prevalecerá a
vontade das partes, entre um acordo gerado entre as mesmas (adotantes e
adotado), em uma situação jurídica permanente, do qual surgirão
direitos e deveres para ambos (ISHIDA, 2010).
Qualquer modificação
na negocialidade da declaração de consentimento entre a vontade das
partes poderá ser atingida, não afetando de forma alguma o sujeito que a
emitiu (adotante ou adotado), pois, a adoção só se evidencia no seu ato
constitutivo, e, nenhum fato preexistente a esta situação jurídica,
prejudicaria juridicamente alguma das partes pelo fato de ainda neste
momento não se tratar de coisa juridicamente válida, pois o ato da
adoção ainda não se efetivou.
A adoção exige de ambas partes um
acordo de vontade, não se concretiza por vontade unilateral. Mas, a
adoção é muito mais que um acordo de vontades, sendo que o mais
importante nesse instituto será a relação sócio afetiva entre adotante e
adotado, para que os mesmos constituam uma verdadeira família.
Para
o cumprimento da adoção, foram estabelecidos requisitos, de ordem
objetiva e outros de ordem subjetiva. Todas as pessoas maiores de
dezoito anos, independentemente do estado civil, têm capacidade e
legitimação para adotar. Para ser promovida a adoção por casal, basta
que um deles tenha completado a idade mínima, devendo, porém, ser também
demonstrada a estabilidade da família (ishida, 2010).
A diferença
de idade entre adotante e adotado, que a regra é de que esta seja de 16
anos, bastando que um dos requerentes preencha o requisito. O CC
determina, em seu art. 1.622, afirmando que ninguém pode ser adotado por
duas pessoas, salvo se forem marido e mulher ou viverem em união
estável.
A adoção é um ato pessoal do adotante, sendo que a lei
veda a adoção por procuração. Entre os requisitos da adoção, está o
estágio de convivência, consiste num período fixado pelo juiz para a
aferição da adaptação do adotando ao novo lar, podendo ser dispensado se
o adotando não tiver mais de um ano de idade ou se o tempo de
convivência com os adotantes já for suficiente para a avaliação. Este
será promovido obrigatoriamente se o adotando tiver mais de um ano de
vida e tem o condão de tornar a adoção mais completa (GONÇALVES, 2006).
A finalidade do estágio de convivência é comprovar a compatibilidade
entre as partes e a probabilidade de um futuro sucesso da adoção. Na
adoção por estrangeiro, a prova do estágio de convivência é
indispensável. Nesse caso exige-se que o estágio de convivência ocorra
no mínimo por quinze dias para criança até dois anos de idade e de, no
mínimo, trinta dias para criança de mais dessa idade.
Outro
requisito para a adoção diz respeito à concordância por parte do
adotado, de seus pais ou representante legal. Entretanto, o
consentimento do adotado somente é requerido e aceito se ele contar com
mais de doze anos. O consentimento dos pais é sempre reclamado, a não
ser que eles tenham sido destituídos do poder familiar ou se seus pais
forem desconhecidos segundo o CC art. 1.621, §1° e art.45, §1°, ECA.
Outra novidade trazida pelo ECA e também contemplada pelo CC, é a
possibilidade de se deferir adoção ao morto, chamada de adoção póstuma.
“É necessário que o falecido tenha manifestado expressamente, em juízo, a
vontade de adotar, e que o processo de adoção esteja em curso no
momento do óbito.” (ALVES, 2005, p. 23).
A adoção deverá ser
assistida pelo poder público, independente da idade do adotando art.
1.623 do CC, sendo que se constitui por sentença judicial e somente
poderá ser anulada, no caso de ofensa às prescrições legais.
REFERÊNCIAS
ALVES, Jonas Figueiredo. Abuso de direito no direito de família. In:
PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Anais do IV Congresso Brasileiro de
Direito de Família e dignidade humana. Belo Horizonte: IBDFAM, 2008.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art.
227, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 65 de 2010;
GALLINDO, Jussara. Roda dos expostos. Disponível em www. histedbr.fae.unicamp.Br.
GESSE, EDUARDO. Artigo Jurídico: guarda da criança e do adolescente:
conceito, ponderações sobre as diversas espécies e um breve exame dos
critérios e peculiaridade específicos de cada uma delas.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família. (coleção sinopses jurídicas) vol.2, 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MELLO, Katia; LIUCA Yoana, O Lado B da Adoção. Revista Época. Rio de Janeiro, 20 de julho de 2009, Globo, nº 583, p 89;
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28.ed., rev. e
atual, por Francisco José Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004.
http://www.arcos.org.br/artigos/adocao-e-guarda-um-estudo-bibliografico/
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