domingo, 24 de novembro de 2013

ADOÇÃO E GUARDA: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO


Autora: Maria José Pinho Sousa
Coautora: Samilly Araújo Ribeiro Matos

O direito é a mais eficaz técnica de organização da sociedade. Cabe ao Estado organizar a vida em sociedade e proteger os indivíduos, devendo intervir para coibir excessos e impedir colisão de interesses (GONÇALVES, 2006, p.22).
Para Alves (2008, p.482) “o direito de família atende a necessidade de enlaçar, no seu âmbito de proteção às famílias, todas elas, sem discriminação, sem preconceitos”.
O tema adoção e guarda faz parte do Direito de Família, esta se alinha entre os mais complexos temas do conjunto de conhecimentos específicos que tem por centro o ser humano em formação. É um assunto que nos leva a uma grande reflexão, pois não se trata apenas de um procedimento legal para ganhar legitimidade em relação a uma criança ou a um adolescente, muito pelo contrário, a adoção nos leva a dar e receber muito amor do nosso semelhante.
A guarda implica o dever de ter a criança ou adolescente consigo e prestar-lhe assistência material, moral e educacional, conferindo o seu detentor o direito de se opor aos terceiros, inclusive aos pais (Art. 33, ECA). Destina-se a regularizar a posse de fato do menor, podendo ser deferida liminarmente nos processos de adoção ou tutela. Fora desses casos, o juiz pode deferir a guarda excepcionalmente para suprir a falta dos pais.
A adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que geralmente, lhe é estranha. Dá origem, portanto, a uma relação jurídica de parentesco civil entre adotante e adotado. É uma ficção legal que possibilita que se constitua entre o adotante e o adotado um laço de parentesco de 1º grau na linha reta.
A partir da Constituição Federal de 1988, ingressou em nosso sistema pelo art. 227, a doutrina da Proteção Integral, ou seja, a imposição do reconhecimento da peculiaridade da condição da criança e do adolescente, seres humanos em formação que passam por dois ciclos rápidos, o da infância e da juventude, sendo que nessas condições, encontram maior dificuldade para se oporem aos obstáculos para seu pessoal desenvolvimento.
Justifica-se a necessidade de novos olhares à questão da adoção, vez que este tema é complexo e polêmico, envolto em discurso estático, devendo a adoção ser repensada de forma construtiva. Neste sentido, é necessário analisar as categorias, os paradigmas e as práticas do direito de família, na perspectiva de uma principiologia axiológica de índole constitucional.
A adoção é um instituto legal que possui mais de dois mil anos na história da humanidade. Hindus, persas, egípcios e hebreus praticavam a adoção como forma de culto à família. Assim dizia o art. 185 de Hamurabi: “Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho, criando-o, esse filho crescido não poderá ser reclamado por outrem”.
A Bíblia também trata deste instituto como, por exemplo, no caso de Jacó, que adotou seu netos Efraim e Manassés, filhos de José. Moisés, por sua vez, foi encontrado às margens do Rio Nilo e adotado por Termulus filho do Faraó.
Na Grécia Clássica e na Roma antiga, a adoção se baseava na ideia de que era necessário manter uma relação com os mortos, já que eles exerciam influência sobre o presente e o futuro dos vivos. Assim, uma lareira que representava essa ligação era mantida acesa dentro de casa; No entanto só os chefes de família do sexo masculino poderiam realizar este ritual, dai a ideia de adoção para que as famílias que não tivessem descendentes do sexo masculino pudessem continuar com o culto aos mortos.
Na idade média, adoção cai em desuso, pois o instituto da adoção ia de encontro aos interesses econômicos da época, pois se a pessoa morresse sem herdeiros, seus bens seriam destinados aos senhores feudais ou à Igreja; Nesse período, uma irmandade italiana preocupada com o número de crianças mortas após o nascimento, criou a “Roda dos Expostos”. Um artefato de madeira colocado no muro ou janela do hospital, no qual era depositada a criança, sendo que ao girar esta era conduzida para dentro das dependências do mesmo, sem que a identidade de quem ali a colocou fosse descoberta.
No Brasil, as primeiras iniciativas de atendimento à crianças abandonadas seguiram a tradição portuguesa, instalando a “Rodas dos Expostos” nas Santas Casas de Misericórdia, isso já no início do Império.
Só com a Revolução Francesa a Adoção foi consagrada com ato jurídico no Código de Napoleão de 1807, este estabelecia um rigoroso trâmites processual, com participação efetiva das partes envolvidas.
No Brasil ao se fazer uma retrospectiva histórica da legislação verifica-se uma tentativa de liberalizar a adoção, diminuindo-se as exigências legais.
O Código de 1916 previu originariamente que só aqueles que não tinham filhos biológicos poderiam adotar, além do mais o, o Código estabelecia uma séria de restrições como: idade mínima do adotante, diferença de idade entre adotante e adotado e limitação de parentesco à pessoa do adotante e adotado (BRASIL. 2010)
A Lei 3133/57 alterou alguns artigos do Código Civil para prever principalmente que quando o adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolveria a de sucessão hereditária. O casal não precisava mais comprovar que não tinha filhos biológicos.
Com a Lei 4655/55 foi criada a modalidade de Adoção denominada “Legitimação Adotiva”, que, por sua vez, dependia de decisão judicial e fazia cessar o vínculo de parentesco entre o menor e a família biológica.
A Lei 6697/79, conhecida como Código de Menores previu a adoção plena, pela qual o vínculo de parentesco foi estendido à família do adotante fazendo assim com que o nome dos ascendentes passasse a constar no registro de nascimento do adotado independentemente do consentimento dos avós. No entanto, apesar da evolução essa lei também diferenciava o filho biológico do filho adotivo.
Atualmente todo o capítulo do Código Civil que cuidava da adoção foi revogado pela Lei 12010/2009, restando apenas dois artigos: 1618 e1619. A Constituição de 1988 deu uma nova roupagem ao Direito de Família e, consequentemente, para o instituto da Adoção, sendo positivado o Princípio da Isonomia. Nesta linha, o Novo Código Civil (Art. 1596) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Art. 20 e 41) proibiram qualquer forma de descriminação entre filho biológico e adotivos.

É senso comum que crianças e adolescente são seres em formação, necessitando de auxilio para desenvolver os aspectos intelectual, moral social e afetivo, assim como não tem condições de proteger sua própria vida, integridade física e a saúde, além do mais não tem os meios próprios para suprir as suas necessidades básicas. Assim, em virtude da fragilidade deste grupo sociedade ao longo da História da humanidade vem desenvolvendo mecanismo de proteção para este grupo tão vulnerável (GONÇALVES, 2006).
O ordenamento jurídico no Brasil acompanhando esta linha de pensamento, vem aperfeiçoando sua legislação no que se refere a este segmento da sociedade. E o que bem se pode observar no Art. 227 da Constituição Federal:
Art. 227. É dever da família da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Verifica-se, portanto, que esta é a regra, ou seja, que menor seja acolhido no seio da família biológica. Todavia, existem casos em que o afastamento do menor da convivência familiar é o único meio de lhe garantir um desenvolvimento saudável. Seriam casos de abandono, maus-tratos, tortura em que a permanência deste poderiam lhe causar sérios danos, com sequelas irreparáveis. E o que preceitua o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) Lei 8069/90 em seu Art. 19:
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (ECA, 2008).
Colocar a criança/adolescente em uma família substituta tem a natureza jurídica de proteção do menor, como assegura os Art. 98 e 101, X do ECA. Observando-se no ordenamento jurídico brasileiro 03(três) modalidade: adoção, guarda e tutela, institutos jurídicos que visam a proteção da criança/adolescente, e que serão descritos posteriormente.
A maioria dos autores nacionais e estrangeiros refere-se à adoção como sendo de natureza contratual. Outros acham que a ideia de contrato deve ser afastada porque as relações contratuais são fundamentalmente de conteúdo econômico, ao passo que o vínculo que a adoção estabelece é essencialmente espiritual e moral.
Em última hipótese, o instituto da adoção é de ordem pública, onde cada caso particular dependerá única, pura e exclusivamente de um ato jurídico individual, onde prevalecerá a vontade das partes, entre um acordo gerado entre as mesmas (adotantes e adotado), em uma situação jurídica permanente, do qual surgirão direitos e deveres para ambos (ISHIDA, 2010).
Qualquer modificação na negocialidade da declaração de consentimento entre a vontade das partes poderá ser atingida, não afetando de forma alguma o sujeito que a emitiu (adotante ou adotado), pois, a adoção só se evidencia no seu ato constitutivo, e, nenhum fato preexistente a esta situação jurídica, prejudicaria juridicamente alguma das partes pelo fato de ainda neste momento não se tratar de coisa juridicamente válida, pois o ato da adoção ainda não se efetivou.
A adoção exige de ambas partes um acordo de vontade, não se concretiza por vontade unilateral. Mas, a adoção é muito mais que um acordo de vontades, sendo que o mais importante nesse instituto será a relação sócio afetiva entre adotante e adotado, para que os mesmos constituam uma verdadeira família.
Para o cumprimento da adoção, foram estabelecidos requisitos, de ordem objetiva e outros de ordem subjetiva. Todas as pessoas maiores de dezoito anos, independentemente do estado civil, têm capacidade e legitimação para adotar. Para ser promovida a adoção por casal, basta que um deles tenha completado a idade mínima, devendo, porém, ser também demonstrada a estabilidade da família (ishida, 2010).
A diferença de idade entre adotante e adotado, que a regra é de que esta seja de 16 anos, bastando que um dos requerentes preencha o requisito. O CC determina, em seu art. 1.622, afirmando que ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher ou viverem em união estável.
A adoção é um ato pessoal do adotante, sendo que a lei veda a adoção por procuração. Entre os requisitos da adoção, está o estágio de convivência, consiste num período fixado pelo juiz para a aferição da adaptação do adotando ao novo lar, podendo ser dispensado se o adotando não tiver mais de um ano de idade ou se o tempo de convivência com os adotantes já for suficiente para a avaliação. Este será promovido obrigatoriamente se o adotando tiver mais de um ano de vida e tem o condão de tornar a adoção mais completa (GONÇALVES, 2006).
A finalidade do estágio de convivência é comprovar a compatibilidade entre as partes e a probabilidade de um futuro sucesso da adoção. Na adoção por estrangeiro, a prova do estágio de convivência é indispensável. Nesse caso exige-se que o estágio de convivência ocorra no mínimo por quinze dias para criança até dois anos de idade e de, no mínimo, trinta dias para criança de mais dessa idade.
Outro requisito para a adoção diz respeito à concordância por parte do adotado, de seus pais ou representante legal. Entretanto, o consentimento do adotado somente é requerido e aceito se ele contar com mais de doze anos. O consentimento dos pais é sempre reclamado, a não ser que eles tenham sido destituídos do poder familiar ou se seus pais forem desconhecidos segundo o CC art. 1.621, §1° e art.45, §1°, ECA.
Outra novidade trazida pelo ECA e também contemplada pelo CC, é a possibilidade de se deferir adoção ao morto, chamada de adoção póstuma. “É necessário que o falecido tenha manifestado expressamente, em juízo, a vontade de adotar, e que o processo de adoção esteja em curso no momento do óbito.” (ALVES, 2005, p. 23).
A adoção deverá ser assistida pelo poder público, independente da idade do adotando art. 1.623 do CC, sendo que se constitui por sentença judicial e somente poderá ser anulada, no caso de ofensa às prescrições legais.
REFERÊNCIAS
ALVES, Jonas Figueiredo. Abuso de direito no direito de família. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família e dignidade humana. Belo Horizonte: IBDFAM, 2008.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 227, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 65 de 2010;
GALLINDO, Jussara. Roda dos expostos. Disponível em www. histedbr.fae.unicamp.Br.
GESSE, EDUARDO. Artigo Jurídico: guarda da criança e do adolescente: conceito, ponderações sobre as diversas espécies e um breve exame dos critérios e peculiaridade específicos de cada uma delas.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família. (coleção sinopses jurídicas) vol.2, 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MELLO, Katia; LIUCA Yoana, O Lado B da Adoção. Revista Época. Rio de Janeiro, 20 de julho de 2009, Globo, nº 583, p 89;
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28.ed., rev. e atual, por Francisco José Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004.
http://www.arcos.org.br/artigos/adocao-e-guarda-um-estudo-bibliografico/

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