domingo, 24 de novembro de 2013

O dilema da separação de irmãos





Letícia Duarte.


Para um terço das crianças atendidas em abrigos do Estado, as chances de adoção se reduzem a dilema.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os grupos de irmãos não podem ser separados, mas a determinação dificulta a concretização do sonho de ter uma família.

A polêmica divide candidatos a pais e profissionais da rede de proteção à infância, enquanto uma campanha da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) tenta aumentar o número de processos. Diante das restritas perspectivas de garantir adoções conjuntas, há divergência sobre o que seria melhor para esses pequenos abrigados: ganhar uma família adotiva ou perder irmãos de sangue?

O administrador de empresas Newvani Cirolini Correa, 35 anos, e a enfermeira Clarice Molina do Nascimento, 35 anos, depararam com o dilema há um ano, quando entraram com pedido de guarda provisória de uma menina de quatro anos, mantida em um abrigo da organização não-governamental SOS Casas de Acolhida, em Canoas, com mais três irmãs.

Em dezembro de 2006, o juiz Charles Abadie von Ameln negou o pedido de guarda, acolhendo orientação da promotoria pela manutenção do vínculo familiar. O casal, que já tem um filho de 12 anos, não se conforma. E mantém um quarto reservado para a menina na casa de três quartos no bairro Sarandi, em Porto Alegre.

- Para nós, seria muito mais cômodo gerar outro filho, mas a gente gostaria de propiciar a uma criança carente uma oportunidade de ter uma família, uma vida melhor. Não teríamos condições para adotar todas as irmãs, mas poderíamos dar uma vida melhor para ela. É difícil brigar na Justiça, pagar advogado, mas a gente está lutando. Não tínhamos consciência de que o processo seria tão burocrático - lamenta Newvani, 35 anos, que conheceu a menina de cabelos loiros durante um trabalho voluntário desenvolvido na instituição.

Adoção de apenas uma irmã está sendo avaliada

Mesmo com a negativa inicial, o caso não está encerrado. A psicóloga da SOS Casas de Acolhida Sonia Bagatini, especialista em violência doméstica contra crianças e adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP), diz que a Justiça encaminhou um pedido de avaliação sobre a possibilidade de separação das irmãs há 10 dias. A adoção também está impossibilitada porque ainda não foi feita a destituição do poder familiar.

- É preciso avaliar cada caso, mas se a adoção for trabalhada e garantir o vínculo entre irmãos, com visitas periódicas, a adoção em separado pode ocorrer. É melhor do que sentenciar essas crianças a serem institucionalizadas para sempre - diz Sonia.

Apesar da orientação do ECA, já houve decisões judiciais favoráveis à separação de irmãos. Para o juiz José Antônio Daltoé Cezar, da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Capital e coordenador da campanha Mude um Destino no Estado, o principal critério é o tipo de ligação entre os irmãos.

- Às vezes, o vínculo é tão forte que seria desastrosa uma perda muito grande para crianças que já perderam tanto. Mas para outras não tem tanto impacto, porque esse vínculo não existe. É preciso verificar qual é o mal menor para elas - analisa Daltoé.

( leticia.duarte@zerohora.com.br ) 

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