sexta-feira, 16 de maio de 2014

A INFÂNCIA EM ABRIGOS


12/05/2014
O acolhimento que deveria ter prazo se estende para muitas crianças. A dificuldade no processo de fortalecimento de vínculos com a família é um dos motivos
Enquanto muitos filhos se preparavam para as homenagens do Dia das Mães nas escolas, o menino de 9 anos não quis ir para a aula. A lacuna do que é uma mãe palpitava mais forte e o fez andar pelos cantos da casa que conhece: uma instituição de acolhimento em Fortaleza. Ele, o mais velho de cinco irmãos, sentiu a falta do que celebrar nesse dia. As figuras femininas do abrigo ganharam, assim, um rastro do carinho que seria para uma mãe.
A coordenadora da entidade, Luiza Helena Paiva, sentencia, mesmo depois de três décadas lidando com infâncias e juventudes abandonadas: “eu vou passar a vida e não vou me acostumar. E não posso me acostumar”, diz, com a voz embargada.
As crianças e adolescentes dos abrigos estão em situações diversas: disponíveis para adoção, em processo de destituição do poder parental, na tentativa de retornar à família ou de reforçar - em muitos casos reconstruir ou construir - laços que permitam a volta para casa.
Para serem adotadas, o perfil é cruel: meninas, até três anos, brancas. Grupos de irmãos, crianças mais velhas ou com qualquer necessidade especial enfrentam dificuldades maiores. E, assim, a infância é vivida em entidades de acolhimento. As histórias vão destoando cruelmente dos direitos que essas crianças e adolescentes possuem.
Somente no abrigo Tia Júlia, mantido pelo Governo do Estado, são 93 acolhidos. Desse total, 21 estão no Cadastro Nacional de Adoção, dos quais quatro estão recebendo visitas dos futuros pais adotivos. No abrigo também vivem 16 crianças com necessidades especiais.
Mais de 60 estão em processo de manutenção de vínculo com as famílias, algumas já com encaminhamento para destituição do poder parental e outras perto de ir para casa. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - lembrado por muitos somente para maldizer quando o assunto é adolescentes infratores - determina que o tempo de acolhimento seja de, no máximo, dois anos.
Em alguns casos, no entanto, esse prazo vai se estendendo pelas particularidades de cada família. Para alguns, o que sobra é continuar nos abrigos, ter autonomia trabalhada e encarar o mundo quando a idade chega.
SISTEMA FALHO
Segundo o defensor público Tibério Melo, os dois principais abrigos que recebem crianças recém-nascidas estão lotados há mais de 2 anos (mantidos pelo Governo do Estado). Já a Prefeitura não possui abrigos próprios para crianças nessa idade e depende de convênios para prestar o serviço.
“Você tem os órgãos atuando, mas é deficitário porque o poder público não disponibiliza orçamento. O homem público brasileiro aprendeu que pode falar qualquer coisa que ninguém vai cobrar. Ele pode dizer que a infância é prioridade, mas não fazer nada. São leis demais, mas que a garantia não é concreta”, complementou. (Samaisa dos Anjos)
Durante quatro dias, O POVO buscou informações sobre os abrigos que a Prefeitura possui ou que tem convênio, o perfil e a lotação de cada um, assim como a situação dos Conselhos Tutelares da Capital por meio da Secretaria da Cidadania e Direitos Humanos. Nenhuma informação foi repassada, assim como não foi indicada uma pessoa para falar sobre o assunto. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, “a Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), responsável pelos abrigamentos, não repassou os dados”.
http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2014/05/12/noticiasjornalcotidiano,3249323/a-infancia-em-abrigos.shtml

Nenhum comentário: