ADOÇÃO TARDIA: DEVOLUÇÃO OU DESISTÊNCIA DE UM FILHO? – HÁLIA PAULIV
18 de junho de 2013
Livro: Adoção Tardia – devolução ou desistência de um filho?
Editora Juruá – Autora Hália Pauliv de Souza
PREFÁCIO
O amor só é lindo quando encontramos alguém que nos transforme no melhor que podemos ser. Mário Quintana
Falar de devolução de um filho é doloroso e difícil, mesmo para aqueles
que lidam sistematicamente com os caminhos do abandono, da
institucionalização e da adoção. Tratar desse tema é enfrentar com
coragem a ingenuidade de que basta apenas amor e tudo vai dar certo.
Amor é necessário, imprescindível, mas não é suficiente para a
constituição de uma família, pois é preciso muito trabalho diário. No
Brasil, faltam pesquisas para compreender de fato os percentuais, os
determinantes e os fatores de risco das devoluções que ocorrem durante e
após as adoções. Desta forma, este é um livro ousado, até porque poucos
gostam de falar nisso quem milita na área quer incentivar, falar das
coisas boas, do futuro e dos amores. Precisamos, com urgência, que os
serviços de adoção abram suas portas, ou pelo menos seus bancos de
dados, para que se investigue com profundidade o tema no Brasil.
Uma
criança “devolvida” tem uma tripla perda: da esperança, da família e
pelo fato de ficar estigmatizada, uma vez que a devolução constará no
seu histórico e poderá prejudicar uma próxima adoção. Todos conhecemos
casos de devoluções. Desde crianças maiores que passam a exibir
comportamento de resistência (Berry e Barth, 1990), até o caso de uma
menina adotada bebê e devolvida aos quatro anos pela família que a
adotou por “incompatibilidade de gênios”. Será que é impossível prever o
colapso de uma relação? A própria Hália mostra que não, que é preciso
investir muito na preparação e, portanto, em estratégias preventivas.
Desistir de um filho é possível? O senso comum diz que só é possível
devolver um filho nas famílias por adoção, pois os pais genéticos não
podem devolver para ninguém. Analisando de maneira mais precisa, não é
assim tão simples. As famílias genéticas abandonam e maltratam muito
mais do que as famílias por adoção, segundo dados antropológicos (Silk,
1990); negligenciam e também abandonam, simbolicamente, muitas e muitas
vezes. As pesquisas sobre famílias e socialização de crianças não deixam
dúvidas que o abandono existe em grande frequência nas famílias não
adotivas. Há pessoas que, simplesmente, não desejam a parentalidade,
muitas vezes pela própria história anterior de privação e negligência
(Soejima & Weber, 2008). Pesquisas nossas têm demonstrado
sistematicamente que os filhos por adoção relatam que seus pais tem
melhores práticas educativas, tanto em relação à exigência quanto da
responsividade (Weber, 2011; Weber, 2010; Weber, Pereira & Dessen,
2008). De maneira geral, os pais genéticos não se preparam para ter um
filho e, muitas vezes, geram filhos por uma espécie de inércia da vida. O
oposto ocorre com os adotantes que, de uma maneira ou outra, de maneira
formal ou não, refletem bastante parentalidade e filiação. Como ainda
no Brasil a maioria que adota tem problemas de infertilidade, um efeito
colateral positivo disso é que o desejo e, consequentemente, a
valorização de um filho acaba sendo maior do que nas famílias genéticas.
Se as famílias por adoção parecem ter vantagens, então o que ocorre?
Preciso deixar claro que nessas mesmas pesquisas há um número razoável
de pais por adoção que apresentam estilos parentais pouco adequados,
assim como ocorre no restante da população.
O que nos faz refletir
que nessa obrigatória preparação dos adotantes é fundamental não apenas
falar de adoção, mas também conscientizar sobre socialização de
crianças, qual a função e as estratégias atuais de criação e educação de
filhos, trabalhar a respeito de práticas e estilos parentais, clima
conjugal, vida familiar, entre tantos outros temas. Atualmente as
pesquisas de ponta em todo o mundo enfatizam a necessidade do tema
“educação de pais”, e fica evidente que é preciso falar disso tanto com
as famílias genéticas como aquelas formadas pela adoção. Outro dado de
nossas pesquisas com as famílias por adoção revelaram algumas famílias
não satisfeitas com sua relação, tanto do ponto de vista dos pais,
quanto dos filhos. As famílias não chegaram a romper a relação, mas
revelaram suas desilusões na pesquisa. Ao escrutinar essas famílias
descobrimos que todas as adoções tinham sido precoces, intrarraciais e
com crianças saudáveis. Então, se não havia nenhum fator de risco
geralmente associado à adoção, o que estava errado? A análise dos dados
mostrou que, sem dúvida, estavam presentes os mesmos fatores de risco
que permitem familiares estabelecidas sem critérios, o jogo de poder,
vergonha e a culpa e as práticas educativas parentais inconsistentes e
punitivas. Se existe semelhança entre fatores de proteção e de risco ao
desenvolvimento familiar, somados a todos os outros fatores que são
inerentes às famílias por adoção e que podem ser escamoteados.
Devolução é uma palavra ampla e generalizada para este fenômeno e
contempla pelo menos dois casos distintos: a “interrupção” e a
“dissolução”. A literatura internacional denomina “interrupção” da
adoção quando os adotantes desistem de completar o processo antes de a
adoção ser legalmente efetivada (esse período de efetivação não
ultrapassa seis meses em países desenvolvidos, diferentemente do Brasil
em que, às vezes, levam-se anos para a família tenha de fato os papéis
da adoção após o inicio da convivência…). Fala-se em “rompimento ou
dissolução”, quando ocorre a entrega da criança após a adoção efetivada e
legalizada. O segundo caso é mais grave porque entende-se que houve
maior tempo de convívio e, portanto, maior dor acarretará para os
envolvidos, em especial a criança ou o adolescente. No Brasil não
existem estatísticas precisas sobre a situação (mais estatísticas que
faltam em nosso país…), mas dados americanos ( o povo que mais faz
adoções no mundo)mostram uma média de 3% a 12% de interrupções nas
adoções; quando se analisam os dados apenas entre adoções tardias (
adolescentes de 12 a 17 anos) o percentual pode subir para 25% de
interrupções. Nos Estados Unidos, mesmo se a família solicitar a
anulação da adoção, ou seja, a dissolução, ela continua responsável pela
criança ou adolescente mesmo que ela vá morar com outra família paga
(sistema de foster care; em países desenvolvidos não existem
instituições), sendo que o sistema legal ainda tenta a reconciliação por
meio de aconselhamento profissional (Coakley, 2005). Os casos de
dissolução são raros e pesquisas mostram que ocorreram antes de 2000,
quando o sistema de preparação e orientação de adotantes (antes, durante
e pós-adoção) foi amplamente aperfeiçoado (Barth e Berry, 1988; CWIG,
2012).
Vários motivos são investigados e aparecem de maneira
sistemática nos casos de interrupção da adoção nos Estados Unidos e
Europa. Interessante ressaltar que pesquisas mostram que a adoção de
grupo de irmãos e as adoções inter-raciais não têm sido consideradas com
maior risco, mas a criança que já passou por outra família e crianças
mais velhas estão associadas com a interrupção da adoção (Barth, Berry,
Yoshiami, Goodfiel & cols., 1988). De maneira geral, os estudos em
todo o mundo enfatizam que a cultura atual faz um esforço gigantesco
para que possam ser adotadas todas as crianças que necessitam de uma
família e os dados sinalizam que isso é possível e existem pais para
todas as crianças e adolescentes. No entanto, é preciso deixar claro que
os adotantes não são profissionais treinados para lidar com todas as
dores, sofrimentos e situações estressantes que ocorrem em certas
adoções, como as de crianças com graves problemas de saúde, grupos de
irmãos, crianças mais velhas e adolescentes. Portanto, é mister que haja
acompanhamento, rede de apoio social e de saúde para ajudar os
adotantes no enfrentamento de situações mais difíceis.
Estudos
mostram alguns fatores principais que se repetem nos rompimentos e
dissoluções de adoções (CWIG, 2012; Soderlund, Garnier & Ryan,
2006):
Fatores relativos à criança: idade de 9 anos, presença de
problemas emocionais e comportamentais e ter sido vítima de abuso
sexual;
Fatores relacionados à família: não ter tido nenhuma
experiência anterior com crianças; falta de apoio social, em especial da
família extensa, e apresentar expectativas irreais. Estudos recentes
estudam a “parentalidade destrutiva”, a qual ocorre quando os pais
esperam que os filhos providenciem cuidados instrumentais ou emocionais
que estão além da sua capacidade (Nuttal, Valentino & Borkowski,
2012). Em outras palavras, idealiza-se demais a criança e, no caso de
uma adoção, em que está no contexto uma criança fragilizada e vulnerável
pela sua própria história, a circunstância se agrava e pode trazer
consequências comportamentais e emocionais sérias.
Fatores
relacionados ao serviço de adoção: informação insuficiente ou inadequada
sobre a criança e sua história prévia; preparação, treinamento e apoio
aos adotantes acerca de parentalidade ausente ou feita de maneira
inadequada; rotatividade de operadores da adoção na preparação da
criança e da família; falha na rede de apoio oferecida aos adotantes em
relação aos serviços saúde, terapia e educação; falha na investigação de
padrões familiares dos adotantes e de características de tipo de apego
da criança. Parece claro que em outros países desenvolvidos eles tentam
alcançar a otimização do processo por meio de recursos profissionais e
tem clareza nas falhas do sistema e na necessidade de orientação,
treinamento (essa palavra que temos medo de usar…) e acompanhamento
(também aqui temos receio de falar disso por parecer intrusão na vida da
família, esquecendo que estratégias preventivas são mil vezes mais
eficientes do que as remediativas).
Ao ler a lista das falhas que os
pesquisadores enumeram e levando em conta o parco início da preparação
de adotantes que ainda temos no Brasil e a necessidade de maior apoio
dos serviços de adoção (muito além de apenas cadastrar candidatos e
abrigar crianças), fica óbvio que nosso caminho ainda é muito longo. Há
apenas três anos a preparação para adotantes foi tornada obrigatória no
país e ainda nos dias atuais os serviços de adoção correm atrás do
prejuízo. Geralmente são os Grupos de Apoio a Adoção, formados por
voluntários, que acabam fazendo todo o processo. São dedicados e
militantes, mas nem sempre têm disponíveis técnicos (psicólogos,
assistentes sociais, pedagogos) para aprofundar as questões. Atualmente
até se fala em preparação de adotantes, mas deixa-se de lado a
preparação da criança e do adolescente abrigados. Como revela Hália
neste livro, queremos as adoções tardias e especiais, mas essa criança
maior tem uma história de sofrimento e é ávida de afeto, portanto a
maior adaptação deve ser dos pais a ela e, aos poucos, cuidando,
socializando e ensinando novos modos de viver, a criança formará
vinculação e passará a ter os pais como modelos. Muitas equipes técnicas
dos Juizados não têm recursos, não têm técnica nem material adequado
para trabalhar com adotantes e, assim, e se valem do trabalho dos grupos
de Apoio. Mas os Grupos também precisam de apoio, suporte, recursos
financeiros e apoio efetivo para essa essencial tarefa. Quem apoia e
mantém os Grupos de Apoio?! Apenas palestras não são capazes de mudar
comportamentos, nem avaliar efetivamente candidatos ou prepará-los sobre
tantas questões inerentes à construção de uma filiação pela adoção e À
educação de filhos. Ocorrem situações imponderáveis na vida e erros
acontecem, mas existe a psicologia coimo ciência que tem como objeto de
estudo pesquisar, avaliar, testar, diagnosticar, intervir, ensinar sobre
desenvolvimento humano e sobre marcas de um desenvolvimento em
condições adversas, esclarecer emoções e vinculações afetivas, preparar e
conscientizar sobre parentalidade efetiva e consciente, percebemos que o
“sistema” de adoção do nosso país ainda precisa de muito
aperfeiçoamento para todos os envolvidos e para garantir realmente o
“melhor interesse da criança”.
Os livros tem a função de nos fazer
experimentar, vivenciar e mudar pensamentos, e esse livro tem a grande
tarefa de trazer à tona um tema que ainda precisa ser muito pesquisado,
esclarecido e sistematizado. Hália é uma pioneira na área da adoção e
foi uma das primeiras no país a escrever um livro sobre o tema, abrindo
seu coração e mostrando a urgência de se falar da questão. Tem mais de
10 livros publicados e no presente texto, Hália não teve receio de tocar
em aspectos muito difíceis e que poucos gostam de abordar na adoção: o
receio dos pais do comportamento exuberante do menino maior; o ciúme da
mãe adotiva frente à menina com mais idade; o medo dos laços
desenvolvidos no abrigo; os pais que não reconhecem o filho naquela
criança que fala errado, não sabe usar talheres nem escovar os dentes;
os pais que demoraram tanto para se decidir que sentem certa falta de
energia para acompanhar as idas e vindas de uma criança mais velha ou um
adolescente; a vida conjugal que fica em ruínas da fase de transição
para a parentalidade; a desilusão de adotar uma crianças que não
idealizada; o preconceito dos adotantes que estava escondidinho e pode
ser revelado no dia a dia: “quem é essa criança que não se parece
comigo?”; a raiva dos pais adotivos que olham as dificuldades e acentuam
a perda do filho genético que não puderam ter e muitos não perceberam
que no seu desejo queriam mais ser reconhecidos como pais do que cuidar
de um filho… Hália acerta na frase, “a chegada de uma criança ou
adolescente na família é festejada, mas o dia a dia não é uma festa” e
coloca sua opinião de que os adotantes devem assumir responsabilidades
efetivas da adoção, e nos caso de ruptura ou dissolução, devem arcar com
tratamentos, como é feito em outros países… Hália revela que é preciso
apoio pós-adoção, é preciso ajuda psicológica, há necessidade de ouvir o
abrigo onde a criança morou e que a conhece bem e não romper
bruscamente com a história de vida dessa criança. Hália escreve muitos
pontos cruciais que permeiam rompimentos e dissoluções da adoção e fala
com propriedade. Repito aqui uma homenagem que o Núcleo de Analise do
Comportamento da UFPR a ela quando presidi o III Simpósio Brasileiro de
Família e desenvolvimento Humano (Curitiba, 2011): Hália é bióloga por
profissão e militante da adoção por amor. Hália é mãe por adoção e avó
por adoção e coordenadora da ONG Adoção Consciente; junto com seu marido
(in memoriam) implantou o primeiro curso para pretendentes à adoção no
Brasil. Há 14 anos faz um trabalho com os pretendentes à adoção e já
conseguiu ajudar e lapidar o posicionamento de muitos pais. Antes do
trabalho do grupo de Hália, as adoções tardias eram raras. Foram cursos e
mais cursos. Destaca-se que Hália realiza este trabalho como
voluntária. Neste momento, minha homenagem a esta mulher que acompanha o
movimento de apoio à adoção há mais de 30 anos e possibilitou a
construção de uma família a centenas de crianças e adolescentes
esquecidos nos abrigos. Mais um livro de Hália Pauliv de Souza, uma
mulher que trabalha incansavelmente em prol da família.
Lidia Weber (nov/12)
Capa do Livro: “Adoção Tardia – Devolução ou Desistência de um Filho?”.
http://pontesdeamor.com.br/?p=565
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