sábado, 22 de junho de 2013

ADOÇÃO TARDIA: DEVOLUÇÃO OU DESISTÊNCIA DE UM FILHO? – HÁLIA PAULIV


18 de junho de 2013
Livro: Adoção Tardia – devolução ou desistência de um filho?
Editora Juruá – Autora Hália Pauliv de Souza

PREFÁCIO
O amor só é lindo quando encontramos alguém que nos transforme no melhor que podemos ser. Mário Quintana

Falar de devolução de um filho é doloroso e difícil, mesmo para aqueles que lidam sistematicamente com os caminhos do abandono, da institucionalização e da adoção. Tratar desse tema é enfrentar com coragem a ingenuidade de que basta apenas amor e tudo vai dar certo. Amor é necessário, imprescindível, mas não é suficiente para a constituição de uma família, pois é preciso muito trabalho diário. No Brasil, faltam pesquisas para compreender de fato os percentuais, os determinantes e os fatores de risco das devoluções que ocorrem durante e após as adoções. Desta forma, este é um livro ousado, até porque poucos gostam de falar nisso quem milita na área quer incentivar, falar das coisas boas, do futuro e dos amores. Precisamos, com urgência, que os serviços de adoção abram suas portas, ou pelo menos seus bancos de dados, para que se investigue com profundidade o tema no Brasil.
Uma criança “devolvida” tem uma tripla perda: da esperança, da família e pelo fato de ficar estigmatizada, uma vez que a devolução constará no seu histórico e poderá prejudicar uma próxima adoção. Todos conhecemos casos de devoluções. Desde crianças maiores que passam a exibir comportamento de resistência (Berry e Barth, 1990), até o caso de uma menina adotada bebê e devolvida aos quatro anos pela família que a adotou por “incompatibilidade de gênios”. Será que é impossível prever o colapso de uma relação? A própria Hália mostra que não, que é preciso investir muito na preparação e, portanto, em estratégias preventivas.
Desistir de um filho é possível? O senso comum diz que só é possível devolver um filho nas famílias por adoção, pois os pais genéticos não podem devolver para ninguém. Analisando de maneira mais precisa, não é assim tão simples. As famílias genéticas abandonam e maltratam muito mais do que as famílias por adoção, segundo dados antropológicos (Silk, 1990); negligenciam e também abandonam, simbolicamente, muitas e muitas vezes. As pesquisas sobre famílias e socialização de crianças não deixam dúvidas que o abandono existe em grande frequência nas famílias não adotivas. Há pessoas que, simplesmente, não desejam a parentalidade, muitas vezes pela própria história anterior de privação e negligência (Soejima & Weber, 2008). Pesquisas nossas têm demonstrado sistematicamente que os filhos por adoção relatam que seus pais tem melhores práticas educativas, tanto em relação à exigência quanto da responsividade (Weber, 2011; Weber, 2010; Weber, Pereira & Dessen, 2008). De maneira geral, os pais genéticos não se preparam para ter um filho e, muitas vezes, geram filhos por uma espécie de inércia da vida. O oposto ocorre com os adotantes que, de uma maneira ou outra, de maneira formal ou não, refletem bastante parentalidade e filiação. Como ainda no Brasil a maioria que adota tem problemas de infertilidade, um efeito colateral positivo disso é que o desejo e, consequentemente, a valorização de um filho acaba sendo maior do que nas famílias genéticas. Se as famílias por adoção parecem ter vantagens, então o que ocorre? Preciso deixar claro que nessas mesmas pesquisas há um número razoável de pais por adoção que apresentam estilos parentais pouco adequados, assim como ocorre no restante da população.
O que nos faz refletir que nessa obrigatória preparação dos adotantes é fundamental não apenas falar de adoção, mas também conscientizar sobre socialização de crianças, qual a função e as estratégias atuais de criação e educação de filhos, trabalhar a respeito de práticas e estilos parentais, clima conjugal, vida familiar, entre tantos outros temas. Atualmente as pesquisas de ponta em todo o mundo enfatizam a necessidade do tema “educação de pais”, e fica evidente que é preciso falar disso tanto com as famílias genéticas como aquelas formadas pela adoção. Outro dado de nossas pesquisas com as famílias por adoção revelaram algumas famílias não satisfeitas com sua relação, tanto do ponto de vista dos pais, quanto dos filhos. As famílias não chegaram a romper a relação, mas revelaram suas desilusões na pesquisa. Ao escrutinar essas famílias descobrimos que todas as adoções tinham sido precoces, intrarraciais e com crianças saudáveis. Então, se não havia nenhum fator de risco geralmente associado à adoção, o que estava errado? A análise dos dados mostrou que, sem dúvida, estavam presentes os mesmos fatores de risco que permitem familiares estabelecidas sem critérios, o jogo de poder, vergonha e a culpa e as práticas educativas parentais inconsistentes e punitivas. Se existe semelhança entre fatores de proteção e de risco ao desenvolvimento familiar, somados a todos os outros fatores que são inerentes às famílias por adoção e que podem ser escamoteados.
Devolução é uma palavra ampla e generalizada para este fenômeno e contempla pelo menos dois casos distintos: a “interrupção” e a “dissolução”. A literatura internacional denomina “interrupção” da adoção quando os adotantes desistem de completar o processo antes de a adoção ser legalmente efetivada (esse período de efetivação não ultrapassa seis meses em países desenvolvidos, diferentemente do Brasil em que, às vezes, levam-se anos para a família tenha de fato os papéis da adoção após o inicio da convivência…). Fala-se em “rompimento ou dissolução”, quando ocorre a entrega da criança após a adoção efetivada e legalizada. O segundo caso é mais grave porque entende-se que houve maior tempo de convívio e, portanto, maior dor acarretará para os envolvidos, em especial a criança ou o adolescente. No Brasil não existem estatísticas precisas sobre a situação (mais estatísticas que faltam em nosso país…), mas dados americanos ( o povo que mais faz adoções no mundo)mostram uma média de 3% a 12% de interrupções nas adoções; quando se analisam os dados apenas entre adoções tardias ( adolescentes de 12 a 17 anos) o percentual pode subir para 25% de interrupções. Nos Estados Unidos, mesmo se a família solicitar a anulação da adoção, ou seja, a dissolução, ela continua responsável pela criança ou adolescente mesmo que ela vá morar com outra família paga (sistema de foster care; em países desenvolvidos não existem instituições), sendo que o sistema legal ainda tenta a reconciliação por meio de aconselhamento profissional (Coakley, 2005). Os casos de dissolução são raros e pesquisas mostram que ocorreram antes de 2000, quando o sistema de preparação e orientação de adotantes (antes, durante e pós-adoção) foi amplamente aperfeiçoado (Barth e Berry, 1988; CWIG, 2012).
Vários motivos são investigados e aparecem de maneira sistemática nos casos de interrupção da adoção nos Estados Unidos e Europa. Interessante ressaltar que pesquisas mostram que a adoção de grupo de irmãos e as adoções inter-raciais não têm sido consideradas com maior risco, mas a criança que já passou por outra família e crianças mais velhas estão associadas com a interrupção da adoção (Barth, Berry, Yoshiami, Goodfiel & cols., 1988). De maneira geral, os estudos em todo o mundo enfatizam que a cultura atual faz um esforço gigantesco para que possam ser adotadas todas as crianças que necessitam de uma família e os dados sinalizam que isso é possível e existem pais para todas as crianças e adolescentes. No entanto, é preciso deixar claro que os adotantes não são profissionais treinados para lidar com todas as dores, sofrimentos e situações estressantes que ocorrem em certas adoções, como as de crianças com graves problemas de saúde, grupos de irmãos, crianças mais velhas e adolescentes. Portanto, é mister que haja acompanhamento, rede de apoio social e de saúde para ajudar os adotantes no enfrentamento de situações mais difíceis.
Estudos mostram alguns fatores principais que se repetem nos rompimentos e dissoluções de adoções (CWIG, 2012; Soderlund, Garnier & Ryan, 2006):
Fatores relativos à criança: idade de 9 anos, presença de problemas emocionais e comportamentais e ter sido vítima de abuso sexual;
Fatores relacionados à família: não ter tido nenhuma experiência anterior com crianças; falta de apoio social, em especial da família extensa, e apresentar expectativas irreais. Estudos recentes estudam a “parentalidade destrutiva”, a qual ocorre quando os pais esperam que os filhos providenciem cuidados instrumentais ou emocionais que estão além da sua capacidade (Nuttal, Valentino & Borkowski, 2012). Em outras palavras, idealiza-se demais a criança e, no caso de uma adoção, em que está no contexto uma criança fragilizada e vulnerável pela sua própria história, a circunstância se agrava e pode trazer consequências comportamentais e emocionais sérias.
Fatores relacionados ao serviço de adoção: informação insuficiente ou inadequada sobre a criança e sua história prévia; preparação, treinamento e apoio aos adotantes acerca de parentalidade ausente ou feita de maneira inadequada; rotatividade de operadores da adoção na preparação da criança e da família; falha na rede de apoio oferecida aos adotantes em relação aos serviços saúde, terapia e educação; falha na investigação de padrões familiares dos adotantes e de características de tipo de apego da criança. Parece claro que em outros países desenvolvidos eles tentam alcançar a otimização do processo por meio de recursos profissionais e tem clareza nas falhas do sistema e na necessidade de orientação, treinamento (essa palavra que temos medo de usar…) e acompanhamento (também aqui temos receio de falar disso por parecer intrusão na vida da família, esquecendo que estratégias preventivas são mil vezes mais eficientes do que as remediativas).
Ao ler a lista das falhas que os pesquisadores enumeram e levando em conta o parco início da preparação de adotantes que ainda temos no Brasil e a necessidade de maior apoio dos serviços de adoção (muito além de apenas cadastrar candidatos e abrigar crianças), fica óbvio que nosso caminho ainda é muito longo. Há apenas três anos a preparação para adotantes foi tornada obrigatória no país e ainda nos dias atuais os serviços de adoção correm atrás do prejuízo. Geralmente são os Grupos de Apoio a Adoção, formados por voluntários, que acabam fazendo todo o processo. São dedicados e militantes, mas nem sempre têm disponíveis técnicos (psicólogos, assistentes sociais, pedagogos) para aprofundar as questões. Atualmente até se fala em preparação de adotantes, mas deixa-se de lado a preparação da criança e do adolescente abrigados. Como revela Hália neste livro, queremos as adoções tardias e especiais, mas essa criança maior tem uma história de sofrimento e é ávida de afeto, portanto a maior adaptação deve ser dos pais a ela e, aos poucos, cuidando, socializando e ensinando novos modos de viver, a criança formará vinculação e passará a ter os pais como modelos. Muitas equipes técnicas dos Juizados não têm recursos, não têm técnica nem material adequado para trabalhar com adotantes e, assim, e se valem do trabalho dos grupos de Apoio. Mas os Grupos também precisam de apoio, suporte, recursos financeiros e apoio efetivo para essa essencial tarefa. Quem apoia e mantém os Grupos de Apoio?! Apenas palestras não são capazes de mudar comportamentos, nem avaliar efetivamente candidatos ou prepará-los sobre tantas questões inerentes à construção de uma filiação pela adoção e À educação de filhos. Ocorrem situações imponderáveis na vida e erros acontecem, mas existe a psicologia coimo ciência que tem como objeto de estudo pesquisar, avaliar, testar, diagnosticar, intervir, ensinar sobre desenvolvimento humano e sobre marcas de um desenvolvimento em condições adversas, esclarecer emoções e vinculações afetivas, preparar e conscientizar sobre parentalidade efetiva e consciente, percebemos que o “sistema” de adoção do nosso país ainda precisa de muito aperfeiçoamento para todos os envolvidos e para garantir realmente o “melhor interesse da criança”.
Os livros tem a função de nos fazer experimentar, vivenciar e mudar pensamentos, e esse livro tem a grande tarefa de trazer à tona um tema que ainda precisa ser muito pesquisado, esclarecido e sistematizado. Hália é uma pioneira na área da adoção e foi uma das primeiras no país a escrever um livro sobre o tema, abrindo seu coração e mostrando a urgência de se falar da questão. Tem mais de 10 livros publicados e no presente texto, Hália não teve receio de tocar em aspectos muito difíceis e que poucos gostam de abordar na adoção: o receio dos pais do comportamento exuberante do menino maior; o ciúme da mãe adotiva frente à menina com mais idade; o medo dos laços desenvolvidos no abrigo; os pais que não reconhecem o filho naquela criança que fala errado, não sabe usar talheres nem escovar os dentes; os pais que demoraram tanto para se decidir que sentem certa falta de energia para acompanhar as idas e vindas de uma criança mais velha ou um adolescente; a vida conjugal que fica em ruínas da fase de transição para a parentalidade; a desilusão de adotar uma crianças que não idealizada; o preconceito dos adotantes que estava escondidinho e pode ser revelado no dia a dia: “quem é essa criança que não se parece comigo?”; a raiva dos pais adotivos que olham as dificuldades e acentuam a perda do filho genético que não puderam ter e muitos não perceberam que no seu desejo queriam mais ser reconhecidos como pais do que cuidar de um filho… Hália acerta na frase, “a chegada de uma criança ou adolescente na família é festejada, mas o dia a dia não é uma festa” e coloca sua opinião de que os adotantes devem assumir responsabilidades efetivas da adoção, e nos caso de ruptura ou dissolução, devem arcar com tratamentos, como é feito em outros países… Hália revela que é preciso apoio pós-adoção, é preciso ajuda psicológica, há necessidade de ouvir o abrigo onde a criança morou e que a conhece bem e não romper bruscamente com a história de vida dessa criança. Hália escreve muitos pontos cruciais que permeiam rompimentos e dissoluções da adoção e fala com propriedade. Repito aqui uma homenagem que o Núcleo de Analise do Comportamento da UFPR a ela quando presidi o III Simpósio Brasileiro de Família e desenvolvimento Humano (Curitiba, 2011): Hália é bióloga por profissão e militante da adoção por amor. Hália é mãe por adoção e avó por adoção e coordenadora da ONG Adoção Consciente; junto com seu marido (in memoriam) implantou o primeiro curso para pretendentes à adoção no Brasil. Há 14 anos faz um trabalho com os pretendentes à adoção e já conseguiu ajudar e lapidar o posicionamento de muitos pais. Antes do trabalho do grupo de Hália, as adoções tardias eram raras. Foram cursos e mais cursos. Destaca-se que Hália realiza este trabalho como voluntária. Neste momento, minha homenagem a esta mulher que acompanha o movimento de apoio à adoção há mais de 30 anos e possibilitou a construção de uma família a centenas de crianças e adolescentes esquecidos nos abrigos. Mais um livro de Hália Pauliv de Souza, uma mulher que trabalha incansavelmente em prol da família.
Lidia Weber (nov/12)
Capa do Livro: “Adoção Tardia – Devolução ou Desistência de um Filho?”.
http://pontesdeamor.com.br/?p=565

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