Ana Lucia G. Cavalcante
Psicóloga
Gostaria de refletir sobre a situação das crianças abrigadas, institucionalizadas.
A partir de dois anos de contato com esta realidade, percebo algumas
questões, mas tenho me dito: dois anos, não é nada para se questionar
práticas que vem sendo adotadas, nesta área. Por outro lado, me digo
também: talvez por ser tão pouco ainda o meu contato com este tema, é
que eu posso realmente lançar um olhar sobre o abrigamento e fazer
certas perguntas.
Pensando nisso tudo já há algum tempo, me veio a seguinte cantiga de roda à mente:
Ciranda cirandinha vamos todos cirandar.
Vamos dar a meia volta, volta meia vamos dar.
O anel que tu me destes era vidro e se quebrou.
O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou.
Por isso dona, ....X,Y,Z....entre dentro desta roda,
Diga um verso bem bonito,
Diga Adeus e vá-se embora.
Os poucos casos de adoção que eu acompanhei até o momento, que foram
apenas de três crianças, me fizeram pensar nesta música, ao ver a
dinâmica destes processos, e em parar para pensar, sobre a dinâmica de
retirada das crianças das suas famílias de origem e encaminhamento para o
abrigamento.
Dos casos de adoção que acompanhei, as crianças
estavam abrigadas numa média de seis anos. Aqueles abrigos eram a casa
deles. A única referência ao menos de um lugar onde eles poderiam dizer
que era lá que eles moravam, que era lá que eles se abrigavam à noite,
do frio, da chuva, de dia, do calor extremo. Era lá o lugar que eles
sabiam que tinham uma cama para dormir. Era lá que eles sabiam que
tinham um cobertor e um travesseiro. É bem sabido que muitas pessoas
quando viajam, gostam de levar o seu travesseiro com elas.
Por que
será que as pessoas fazem isso? Você faz isso quando você viaja? Você
leva algo com você que você gosta, que é teu? Por que será que você faz
isso?
Nós seres humanos, nos apegamos à um travesseiro, à um
cobertor, temos uma roupa, aquela da qual mais gostamos; como mulheres,
temos os nossos badulaques, aqueles que mais gostamos. Nós nos apegamos
também ao lugar onde moramos, ao lugar em si, a casa, a construção.
Quantos de nós adultos se recorda como uma lembrança muito importante,
do quintal da sua avó? Eu me recordo da escadinha que eu descia bem
devagarinho na casa da minha avó, para chegar até o quintal. Do buraco
da chaminé, na casa da minha avó e que eu achava que ali realmente
morava o bicho-papão, pois era um lugar realmente escuro aquele,
perfeito para um bicho tão horrível morar.
Eu agora já adulta
gostaria de poder voltar àquela cozinha velha de madeira que ficava no
fundo do quintal da minha avó, aquela cozinha que hoje foi demolida e um
estacionamento de carros foi deixado no lugar. E as roseiras que tinham
no quintal da minha avó, e o pé de erva-doce, que ela sempre fazia um
chazinho para mim. Quantas lembranças de infância, só da casa da minha
avó, do terreno, das plantas que tinha ali; e se eu pensar as das minhas
tias e dos lugares que fui nos piqueniques com a minha família? Quantas
lembranças eu tenho da minha infância. E o quanto que estas lembranças
formam a minha história de vida, o que eu sou hoje como pessoa,
estruturam a minha identidade.
Quantos de nós depois de adultos, gostaríamos de poder voltar a algum lugar especial que lembra momentos da nossa infância.
Bem e o que foi que eu presenciei nos processos de adoção?
Eu presenciei crianças que moraram, como disse, aproximadamente seis
anos em uma determinada instituição, saírem de lá, despedindo-se dos
seus amigos, num sopetão, pois me parece que das mães sociais eles não
tinham muito do que se despedir mesmo, depois explico a minha impressão,
e foram embora. Ponto Final. Assim como na música entendem?
Diga um verso bem bonito,
diga adeus e vá-se embora.
O que, que está em questão aqui? O que está em questão aqui, é que a
forma como é feito o desligamento destas crianças com tudo aquilo que
tem um significado de formação de identidade e de reconhecimento de si
mesmas, como sujeito no mundo, como pessoas, é totalmente arrancado
delas, num período muito curto de tempo; e não vem sendo dado a elas o
direito de se desligarem destas referências dentro de um período de
tempo maior e com a introdução de palavras, de lhes serem melhor
explicadas e faladas quantas vezes fossem necessárias, e de lhes serem
dadas as respostas que elas gostariam de receber para as suas inúmeras
perguntas e incertezas, das pessoas que elas estavam vinculadas
afetivamente de alguma forma e que vinham sendo a referência emocional
de suas vidas. Alguns processos de adoção, são feitos de uma forma que
uma criança, não pode se ela assim desejar, mandar uma foto, para seus
amigos da instituição, da sua nova casa, do cachorro que tem lá; em
alguns casos ela não pode retornar na instituição, se ela assim desejar,
para rever seus amigos, aqueles com quem conversava todos os dias,
brincava e dos quais sente muitas saudades; ela não pode vir visitar a
instituição, ver novamente seu quarto, junto dos seus novos pais e seus
novos irmãos, caso hajam.
A única relação humana que se aprofunda
num abrigo é na maioria das vezes entre as próprias crianças, por quê?
Porque os educadores, as mães sociais, os técnicos, os gestores, trocam
de tempo em tempo e uma criança é inteligente o suficiente para saber
que não adianta se afeiçoar demais a alguém que logo não estará mais
ali. Em alguns abrigos a rotatividade de cuidadores é enorme.
Volto para a letra da música:
Ciranda, cirandinha vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar.
Uma criança é tirada da sua família biológica, pois corre risco de vida: maus tratos, violência, negligência.
Sim, é bem verdade que muitas crianças precisam mesmo ser salvas de uma situação assim.
Aí elas são postas num abrigo. Elas passam a receber um lugar seguro
fisicamente, materialmente para conseguirem sobreviver. Sim elas
sobrevivem, são seres que estão vivos: alimentados, guardados das
intempéries do tempo, higienizados. Mais alguma coisa? Criança precisa
de mais alguma coisa? Bem, brincar é o que uma criança gosta; junto de
outras é lógico que elas brincam bastante nos abrigos e brigam também,
como criança faz. Devem sim receber limites do que é certo e errado. São
disciplinadas, orientadas, educadas enfim. Precisa ter mais alguma
coisa? Para uma criança que corria risco de vida, já está muito bom não
acham? É realmente está. Se fosse eu que estivesse numa família que me
negligenciava, eu realmente iria gostar de algum lugar que eu não fosse
mais negligenciada, mas sabe, mesmo assim, aquela era minha mãe, aquele
era meu pai, e alguma coisa a mais vinha dali, daquela relação. Vinha
uma relação humana, que passa um algo a mais identificatório para o ser
humano. E num abrigo, qual é a referência identificatória que uma
criança tem? De que seus pais, não puderam cuidar dela e agora ela é
cuidada por outros? Mas este outro que cuida de mim, como pode me dar
este, a mais, identificatório que me estrutura enquanto sujeito singular
que sou, de reconhecimento e de valor pessoal, se constantemente nos
abrigos, há um novo outro que está ali para cuidar de mim; ou o cuidador
pode até ficar mais tempo, mas ele não me dá nada mais além, do que um
banho e um prato de comida por dia?
É bem perceptível, que muitos
de nós seres humanos, não conseguimos maternar e sermos pais. Muitos de
nós pelas dificuldades vividas na nossa própria infância não conseguimos
ser cuidadores de nossos próprios filhos e assim sempre foi, desde que o
mundo existe, como dizemos.
Então é bem verdade que crianças para
serem cuidadas sempre haverão. E eu acredito que a forma como uma
sociedade cuida de suas crianças é a forma que diz do que esta sociedade
pensa de si mesma, ou de como esta sociedade não consegue parar para
pensar sobre si mesma.
Portanto em muitos casos de abrigamento, a criança retirada da sua família consanguínea, só faz aquilo que a música nos diz:
Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar,
vamos dar a meia volta,
volta e meia vamos dar.
Na verdade a criança é salva de ser morta fisicamente, mas corre um
sério risco, o de estar sendo morta psicologicamente aos poucos.
QUANTOS DE NÓS NÃO CONHECEM CRIANÇAS ASSIM, NOS ABRIGOS?
Françoise Dolto as chamava de “marcianas”. De tão fora da realidade que elas se apresentavam psiquicamente.
Acredito que quando o Estado está retirando uma criança da sua família,
assume para si, uma tarefa gigantesca. É uma tarefa muito séria a de
cuidar de crianças. Tão séria e tão doída emocionalmente, que muitos de
nós preferimos nos esconder atrás de protocolos e esquemas prontos e
práticos para o dia-a-dia, do que ter de enfrentar a dor emocional de
uma família disfuncional, no caso a caso. Lidar com famílias sempre irá
nos remeter a nos mesmos e a nossa própria família e constituição. Da
onde eu vim; quem foi meu pai, como eu me senti tratada por ele, como me
senti tratada pela minha mãe. Sabemos que somos humanos e limitados.
Nossos pais, na maioria dos casos, não foram os pais que gostaríamos de
ter tido. Sabemos dos erros que cometemos todos os dias com nossos
filhos, mesmo os amando, como sabemos que os amamos. Então trabalhar com
famílias, com crianças nos toma em questões passionais, de amor e de
ódio. E isso não é nada fácil, para conseguirmos nos afastar e termos a
neutralidade profissional tão requisitada. Sempre estamos na tênue linha
de sermos tomados emocionalmente, naquilo que fazemos. De uma forma ou
outra na nossa prática profissional, somos tocados, nas nossas emoções,
na nossa história de vida pessoal, em como vivemos nossa infância e o
que nós achávamos dela. A minha geração, a de profissionais que agora
estão na casa dos seus quarenta anos, muitos de nós, não tínhamos mesmo
como opinar em nossas casas. Éramos crianças na sua maioria assujeitadas
ao mundo adulto e as suas direções. Sabemos que as crianças hoje em dia
são muito diferentes do que nós fomos. O que mudou? Como isso muda, ao
longo do tempo? Como as crianças puderam mudar tanto, ao longo destes
quarenta anos? Sim, são perguntas importantes de nos fazermos em
sociedade. Quantas crianças abrigadas existiam em 1965, quando eu nasci?
Quantas tem hoje, na minha cidade? Este número aumentou, enormemente.
Por que há tanta crianças abrigada hoje em dia, na minha cidade? O que
veio acontecendo com as famílias que correm para o conselho tutelar
dizendo: ponham meu filho num abrigo, eu não consigo dar conta dele. O
que é isso que os adultos de hoje estão dizendo? O Estado realmente
acredita que se o pai e a mãe não estão dando conta de uma criança, ele,
Estado, vai dar? São muitas perguntas que realmente vêem à minha mente.
Ciranda, cirandinha vamos todos cirandar
Vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar.
A minha impressão é a de que o abrigamento de muitas crianças está
sendo exatamente isso...Roda...roda...roda, mas não sai do mesmo lugar.
O amor que tu me destes era vidro e se quebrou.
O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou.
É isso que eu sinto de abrigos que cuidam de uma criança por seis anos e
que permitem que ela saia dali, para um outro abrigo, ou para uma
adoção, com uma mão na frente e outra atrás, sem levar com ela, um
brinquedinho que seja, uma roupa, um travesseiro, como forma de carinho,
de afeição, de uma marca, de uma recordação, de um algo a mais, que nos
caracteriza e nos valoriza, nos forma, nos estrutura, como seres
humanos. Como uma criança que viveu por seis anos num abrigo pode sair
de lá, sem sentir que ela era realmente importante, para seus
“cuidadores”, como pessoa? Qual é a auto-estima de uma criança que sai
assim, de um lugar que diz que cuidava dela, mas que não precisa saber
mais dela, depois que ela saiu dalí? Quando alguma noticia chegar aqui
pra gente, estará bom. E se chegar esta noticia chegou, se não chegar,
não chegou. É a indiferença, é o descaso com uma vida. O valor da
pessoa, o valor da criança, a sua dignidade está posta aí em questão.
Como que as pessoas que cuidavam dela, nem estão tão preocupadas, nem
vão querer saber dela, como ela estará se sentindo no dia seguinte? Um
telefonema para a mãe social, uma faladinha com a melhor amiguinha,
aquela que ela se falava todos os dias... Como que estas pessoas, podem
não querer saber desta criança, o mínimo? Ou são impedidas de fazê-lo,
em função da “nova adaptação”, acreditando que esta adaptação só
ocorrerá mesmo com cortes assim tão abruptos? Como esta criança não pode
levar coisas dali, como podem haver profissionais que dizem que se a
criança foi adotada, é melhor tira-la o quanto antes da escola que está e
agora os novos pais que a ponham numa outra? Por que, que uma criança
adotada tem que cortar laços, vínculos construídos, referências
identificatórias, de um dia para outro e se ela quiser revisitar estes
lugares, é melhor dizer que não, até que ela se esqueça ou se canse de
pedir para que a levem lá?
Isso é o mesmo que você não dar um copo
de água para uma pessoa extremamente sedenta. – “Não, espere, mês que
vem eu te dou o copo d’água. Não, espere, mês que vem eu te levo, lá no
abrigo que você, vivia”. Viveu por seis anos, ou seja, a sua vida toda. E
é lógico que uma criança assim não vai fugir, pegar um ônibus e ir ao
abrigo, porque está com saudades da sua melhor amiga. Mas que esta
criança pode ser profundamente violentada na sua autoestima e identidade
própria, pode. E o que nós fazemos com isso? O tempo deve ajudar? Sim, o
tempo ajuda em muitos casos, mas esta é uma realidade complexa demais,
para permanecermos tapando o sol com a peneira. Este é um problema muito
sério que afeta profundamente o sentimento de valor pessoal, de uma
criança. Provavelmente, é este não se importar mais intimamente com cada
criança abrigada, que as faz se sentirem assim, com tanto sentimento de
desvalia. Não há trabalho sobre adoção que não fale do sentimento de
baixa autoestima que uma criança institucionalizada apresenta. Todo este
sentimento, do sem sentido da vida, é demonstrado nesta fala de uma
menina abrigada, que tentou suicídio aos 11 anos de idade: - “Mas e se
eu morrer, quem vai realmente se importar com isso? Para quem eu sou
realmente importante?”.
Como que uma criança que viveu por seis
anos num abrigo pode sair de lá sem uma festinha que este abrigo possa
ter oferecido para ela? Veja, nossa amiguinha, encontrou agora, pais,
que vão poder cuidar dela!!! Como isso é bom!!! Como isso é especial, um
momento desses na vida de uma criança!! Teus pais biológicos te
tiveram, mas passaram por dificuldades, eles não puderam te cuidar. O
Estado, passou a te cuidar, pois você é filha de um povo, de uma nação,
mas agora você encontrou pais que vão poder te cuidar de uma forma ainda
mais especial, mais apropriada! Um processo de adoção é algo muito
especial! Por que ele tem sido feito debaixo de tantos sigilos, segredos
de justiça, palavras não ditas? Devemos sim proteger nossas crianças da
nossa nação, por isso são chamadas de “nossas crianças”, de pessoas mal
intencionadas, isso não resta dúvidas. Mas como dizer que a adoção, é
um processo muito lindo, muito especial onde um adulto toma para si um
filho, quando deixamos este processo em meias palavras, ou sem palavras e
com coisinhas escondidinhas?
Ciranda cirandinha, vamos todos cirandar
Vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar
A volta que devemos dar como sociedade é a de realmente pararmos para
pensar: o que é uma criança para nós? É olharmos para dentro de nós
mesmos e nos perguntarmos: que criança eu fui? Como foram meus pais? O
que eu mais gostei de quando eu era criança? O que eu mais detestei
quando fui criança? Se eu estivesse no lugar desta criança, o que eu
gostaria que acontecesse comigo? O que eu gostaria de dizer sobre tudo
isso, aos adultos que estão dizendo que são responsáveis por mim? O que
eu estou entendendo do que aconteceu com minha família biológica? Por
que eles não puderam mais ficar comigo? O que eu preferia que
acontecesse comigo e com minha família?
Escuto isso nos abrigos: -“
ah, aí elas querem falar algo da família biológica delas, mas como eu
sei que isso vai mexer lá dentro delas, eu logo vou trocando de assunto,
né, porque assim elas não ficam tristes, né? Como é difícil para estas
crianças institucionalizadas receberem uma escuta do que elas têm a
dizer sobre elas mesmas e sobre suas vivências e sobre as suas dores.
Quem não suporta esta dor, as crianças que a vivenciaram ou nós adultos, profissionais, pais sociais?
Precisamos ter a coragem de enfrentar nosso próprio emocional e não nos
refugiarmos mais, nos protocolos, métodos, relatórios, laudos e
assuntos práticos. Estes são necessários e têm seu lugar. Mas qual é o
lugar que a criança, com sua experiência psíquica e afetiva vêm tendo
nisso tudo?
Precisamos nos debruçar e construir novas práticas de
abrigamento, fazê-lo somente quando for extremamente necessário. Quantos
abrigamentos foram feitos sem sentido e sem uma avaliação cuidadosa?
Quantas crianças são tiradas da família pois não tinham estrutura, nem
material, nem psicológica, nem moral de maternarem seus filhos? Mas
depois aos dezoito anos estas crianças, são encaminhadas de volta a esta
mesma família.
– “ Olhem, dêem um jeito agora, pois agora o Estado
não pode mais. Afinal já estão crescidos e podem se defender melhor.
Dêem um jeito! E lá, as coisas têm que andar!
Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia volta,
Volta e meia vamos dar!
Este abrigamento de anos, acrescentou algo na vida desta criança?
Fez alguma grande diferença para ela?
Algum dia de fato ela entendeu porque ficou tantos anos longe de sua
família e agora estão dizendo que é para lá que ela precisa retornar?
Devemos construir novas formas de aproximar a sociedade civil, das
crianças que desejam uma outra família. Devemos parar de dramatizar, de
recriminar adultos que não conseguem maternar. Mas que uma criança
precisa ser maternada, precisa. E como faremos isso, como sociedade?
Como poderemos dar a maternagem de que nossas crianças realmente
necessitam e desejam?
Esta é uma questão: estamos fazendo
abrigamento de crianças. Não podemos mais continuar a fazer só isso.
Pois isso tem ficado mais com cara de depósito de crianças. São seres
humanos, cada um com seu valor pessoal. Como poderemos reverter este
olhar e sermos mais cuidadosos e respeitadores conosco mesmos, pois
somos seres da mesma espécie. Precisamos sim , como sociedade, maternar
nossas crianças. Isso é urgente, em se tratando de direitos das
crianças, que não puderam ser maternadas por seus pais consangüineos.
Fico me dizendo a cada dia: mas afinal o que pode ser feito? Leio,
sobre trabalhos, de dez anos atrás, sobre a situação deplorável das
crianças institucionalizadas e hoje depois de dez anos está tudo tão
igual? Por quê? Por que há facetas da vida em sociedade que evoluíram,
se modificaram radicalmente nestes dez anos e o abrigamento de crianças
no Brasil, ainda é este caos. O que que isto diz de nós mesmos enquanto
seres humanos? O que podemos entender sobre nossa dinâmica psíquica de
ser humano, nestes últimos dez anos? O que um congresso daqui há dez
anos estará discutindo no campo da institucionalização de crianças?
Estes mesmos temas que já estamos discutindo no mínimo há dez anos? E
que muito pouco ou quase nada se modificou de fato, para uma criança que
é abrigada, pois os procedimentos continuam mais para “apagar
incêndios”, do que para trazerem soluções mais eficientes neste campo. E
o número de abrigamentos, creio eu, só aumentam.
As voltas que vêem sendo dadas nesta Ciranda do abrigamento e da adoção, são de 360º.
Temos voltado para o mesmo lugar.
Como podemos inventar uma Ciranda diferente?
Desejo fazer uma tentativa, deixo aqui a minha contribuição, mas desejo também ouvir a tua...
Ciranda cirandinha, vamos todos cirandar,
Vamos dar nova volta
Pra’m novo lugar
O anel que tu me deste
Era vidro, mas ficou
o amor que tu me tinhas
eu acolho, pois marcou.
Por isso dona, ...X, Y, Z, diga uma verso bem bonito
Que contribua com nossa ciranda,
com corações aquecidos e cuidados,
dizemos adeus, e vamos embora.
Não consegui seguir a mesma métrica e rima da ciranda original.
Será que não estaria aí uma questão também: temos tentando nos arriscar
mais, para construirmos novas métricas e rimas, para a Ciranda do
Abrigamento e da Adoção?
ONG RECRIAR – Família e Adoção.
http:// www.projetorecriar.org.br/ abrigamento-criancas.pdf
Ana Lucia G. Cavalcante
Psicóloga
Gostaria de refletir sobre a situação das crianças abrigadas, institucionalizadas.
A partir de dois anos de contato com esta realidade, percebo algumas questões, mas tenho me dito: dois anos, não é nada para se questionar práticas que vem sendo adotadas, nesta área. Por outro lado, me digo também: talvez por ser tão pouco ainda o meu contato com este tema, é que eu posso realmente lançar um olhar sobre o abrigamento e fazer certas perguntas.
Pensando nisso tudo já há algum tempo, me veio a seguinte cantiga de roda à mente:
Ciranda cirandinha vamos todos cirandar.
Vamos dar a meia volta, volta meia vamos dar.
O anel que tu me destes era vidro e se quebrou.
O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou.
Por isso dona, ....X,Y,Z....entre dentro desta roda,
Diga um verso bem bonito,
Diga Adeus e vá-se embora.
Os poucos casos de adoção que eu acompanhei até o momento, que foram apenas de três crianças, me fizeram pensar nesta música, ao ver a dinâmica destes processos, e em parar para pensar, sobre a dinâmica de retirada das crianças das suas famílias de origem e encaminhamento para o abrigamento.
Dos casos de adoção que acompanhei, as crianças estavam abrigadas numa média de seis anos. Aqueles abrigos eram a casa deles. A única referência ao menos de um lugar onde eles poderiam dizer que era lá que eles moravam, que era lá que eles se abrigavam à noite, do frio, da chuva, de dia, do calor extremo. Era lá o lugar que eles sabiam que tinham uma cama para dormir. Era lá que eles sabiam que tinham um cobertor e um travesseiro. É bem sabido que muitas pessoas quando viajam, gostam de levar o seu travesseiro com elas.
Por que será que as pessoas fazem isso? Você faz isso quando você viaja? Você leva algo com você que você gosta, que é teu? Por que será que você faz isso?
Nós seres humanos, nos apegamos à um travesseiro, à um cobertor, temos uma roupa, aquela da qual mais gostamos; como mulheres, temos os nossos badulaques, aqueles que mais gostamos. Nós nos apegamos também ao lugar onde moramos, ao lugar em si, a casa, a construção.
Quantos de nós adultos se recorda como uma lembrança muito importante, do quintal da sua avó? Eu me recordo da escadinha que eu descia bem devagarinho na casa da minha avó, para chegar até o quintal. Do buraco da chaminé, na casa da minha avó e que eu achava que ali realmente morava o bicho-papão, pois era um lugar realmente escuro aquele, perfeito para um bicho tão horrível morar.
Eu agora já adulta gostaria de poder voltar àquela cozinha velha de madeira que ficava no fundo do quintal da minha avó, aquela cozinha que hoje foi demolida e um estacionamento de carros foi deixado no lugar. E as roseiras que tinham no quintal da minha avó, e o pé de erva-doce, que ela sempre fazia um chazinho para mim. Quantas lembranças de infância, só da casa da minha avó, do terreno, das plantas que tinha ali; e se eu pensar as das minhas tias e dos lugares que fui nos piqueniques com a minha família? Quantas lembranças eu tenho da minha infância. E o quanto que estas lembranças formam a minha história de vida, o que eu sou hoje como pessoa, estruturam a minha identidade.
Quantos de nós depois de adultos, gostaríamos de poder voltar a algum lugar especial que lembra momentos da nossa infância.
Bem e o que foi que eu presenciei nos processos de adoção?
Eu presenciei crianças que moraram, como disse, aproximadamente seis anos em uma determinada instituição, saírem de lá, despedindo-se dos seus amigos, num sopetão, pois me parece que das mães sociais eles não tinham muito do que se despedir mesmo, depois explico a minha impressão, e foram embora. Ponto Final. Assim como na música entendem?
Diga um verso bem bonito,
diga adeus e vá-se embora.
O que, que está em questão aqui? O que está em questão aqui, é que a forma como é feito o desligamento destas crianças com tudo aquilo que tem um significado de formação de identidade e de reconhecimento de si mesmas, como sujeito no mundo, como pessoas, é totalmente arrancado delas, num período muito curto de tempo; e não vem sendo dado a elas o direito de se desligarem destas referências dentro de um período de tempo maior e com a introdução de palavras, de lhes serem melhor explicadas e faladas quantas vezes fossem necessárias, e de lhes serem dadas as respostas que elas gostariam de receber para as suas inúmeras perguntas e incertezas, das pessoas que elas estavam vinculadas afetivamente de alguma forma e que vinham sendo a referência emocional de suas vidas. Alguns processos de adoção, são feitos de uma forma que uma criança, não pode se ela assim desejar, mandar uma foto, para seus amigos da instituição, da sua nova casa, do cachorro que tem lá; em alguns casos ela não pode retornar na instituição, se ela assim desejar, para rever seus amigos, aqueles com quem conversava todos os dias, brincava e dos quais sente muitas saudades; ela não pode vir visitar a instituição, ver novamente seu quarto, junto dos seus novos pais e seus novos irmãos, caso hajam.
A única relação humana que se aprofunda num abrigo é na maioria das vezes entre as próprias crianças, por quê? Porque os educadores, as mães sociais, os técnicos, os gestores, trocam de tempo em tempo e uma criança é inteligente o suficiente para saber que não adianta se afeiçoar demais a alguém que logo não estará mais ali. Em alguns abrigos a rotatividade de cuidadores é enorme.
Volto para a letra da música:
Ciranda, cirandinha vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar.
Uma criança é tirada da sua família biológica, pois corre risco de vida: maus tratos, violência, negligência.
Sim, é bem verdade que muitas crianças precisam mesmo ser salvas de uma situação assim.
Aí elas são postas num abrigo. Elas passam a receber um lugar seguro fisicamente, materialmente para conseguirem sobreviver. Sim elas sobrevivem, são seres que estão vivos: alimentados, guardados das intempéries do tempo, higienizados. Mais alguma coisa? Criança precisa de mais alguma coisa? Bem, brincar é o que uma criança gosta; junto de outras é lógico que elas brincam bastante nos abrigos e brigam também, como criança faz. Devem sim receber limites do que é certo e errado. São disciplinadas, orientadas, educadas enfim. Precisa ter mais alguma coisa? Para uma criança que corria risco de vida, já está muito bom não acham? É realmente está. Se fosse eu que estivesse numa família que me negligenciava, eu realmente iria gostar de algum lugar que eu não fosse mais negligenciada, mas sabe, mesmo assim, aquela era minha mãe, aquele era meu pai, e alguma coisa a mais vinha dali, daquela relação. Vinha uma relação humana, que passa um algo a mais identificatório para o ser humano. E num abrigo, qual é a referência identificatória que uma criança tem? De que seus pais, não puderam cuidar dela e agora ela é cuidada por outros? Mas este outro que cuida de mim, como pode me dar este, a mais, identificatório que me estrutura enquanto sujeito singular que sou, de reconhecimento e de valor pessoal, se constantemente nos abrigos, há um novo outro que está ali para cuidar de mim; ou o cuidador pode até ficar mais tempo, mas ele não me dá nada mais além, do que um banho e um prato de comida por dia?
É bem perceptível, que muitos de nós seres humanos, não conseguimos maternar e sermos pais. Muitos de nós pelas dificuldades vividas na nossa própria infância não conseguimos ser cuidadores de nossos próprios filhos e assim sempre foi, desde que o mundo existe, como dizemos.
Então é bem verdade que crianças para serem cuidadas sempre haverão. E eu acredito que a forma como uma sociedade cuida de suas crianças é a forma que diz do que esta sociedade pensa de si mesma, ou de como esta sociedade não consegue parar para pensar sobre si mesma.
Portanto em muitos casos de abrigamento, a criança retirada da sua família consanguínea, só faz aquilo que a música nos diz:
Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar,
vamos dar a meia volta,
volta e meia vamos dar.
Na verdade a criança é salva de ser morta fisicamente, mas corre um sério risco, o de estar sendo morta psicologicamente aos poucos.
QUANTOS DE NÓS NÃO CONHECEM CRIANÇAS ASSIM, NOS ABRIGOS?
Françoise Dolto as chamava de “marcianas”. De tão fora da realidade que elas se apresentavam psiquicamente.
Acredito que quando o Estado está retirando uma criança da sua família, assume para si, uma tarefa gigantesca. É uma tarefa muito séria a de cuidar de crianças. Tão séria e tão doída emocionalmente, que muitos de nós preferimos nos esconder atrás de protocolos e esquemas prontos e práticos para o dia-a-dia, do que ter de enfrentar a dor emocional de uma família disfuncional, no caso a caso. Lidar com famílias sempre irá nos remeter a nos mesmos e a nossa própria família e constituição. Da onde eu vim; quem foi meu pai, como eu me senti tratada por ele, como me senti tratada pela minha mãe. Sabemos que somos humanos e limitados. Nossos pais, na maioria dos casos, não foram os pais que gostaríamos de ter tido. Sabemos dos erros que cometemos todos os dias com nossos
filhos, mesmo os amando, como sabemos que os amamos. Então trabalhar com famílias, com crianças nos toma em questões passionais, de amor e de ódio. E isso não é nada fácil, para conseguirmos nos afastar e termos a neutralidade profissional tão requisitada. Sempre estamos na tênue linha de sermos tomados emocionalmente, naquilo que fazemos. De uma forma ou outra na nossa prática profissional, somos tocados, nas nossas emoções, na nossa história de vida pessoal, em como vivemos nossa infância e o que nós achávamos dela. A minha geração, a de profissionais que agora estão na casa dos seus quarenta anos, muitos de nós, não tínhamos mesmo como opinar em nossas casas. Éramos crianças na sua maioria assujeitadas ao mundo adulto e as suas direções. Sabemos que as crianças hoje em dia são muito diferentes do que nós fomos. O que mudou? Como isso muda, ao longo do tempo? Como as crianças puderam mudar tanto, ao longo destes quarenta anos? Sim, são perguntas importantes de nos fazermos em sociedade. Quantas crianças abrigadas existiam em 1965, quando eu nasci? Quantas tem hoje, na minha cidade? Este número aumentou, enormemente. Por que há tanta crianças abrigada hoje em dia, na minha cidade? O que veio acontecendo com as famílias que correm para o conselho tutelar dizendo: ponham meu filho num abrigo, eu não consigo dar conta dele. O que é isso que os adultos de hoje estão dizendo? O Estado realmente acredita que se o pai e a mãe não estão dando conta de uma criança, ele, Estado, vai dar? São muitas perguntas que realmente vêem à minha mente.
Ciranda, cirandinha vamos todos cirandar
Vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar.
A minha impressão é a de que o abrigamento de muitas crianças está sendo exatamente isso...Roda...roda...roda, mas não sai do mesmo lugar.
O amor que tu me destes era vidro e se quebrou.
O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou.
É isso que eu sinto de abrigos que cuidam de uma criança por seis anos e que permitem que ela saia dali, para um outro abrigo, ou para uma adoção, com uma mão na frente e outra atrás, sem levar com ela, um brinquedinho que seja, uma roupa, um travesseiro, como forma de carinho, de afeição, de uma marca, de uma recordação, de um algo a mais, que nos caracteriza e nos valoriza, nos forma, nos estrutura, como seres humanos. Como uma criança que viveu por seis anos num abrigo pode sair de lá, sem sentir que ela era realmente importante, para seus “cuidadores”, como pessoa? Qual é a auto-estima de uma criança que sai assim, de um lugar que diz que cuidava dela, mas que não precisa saber mais dela, depois que ela saiu dalí? Quando alguma noticia chegar aqui pra gente, estará bom. E se chegar esta noticia chegou, se não chegar, não chegou. É a indiferença, é o descaso com uma vida. O valor da pessoa, o valor da criança, a sua dignidade está posta aí em questão.
Como que as pessoas que cuidavam dela, nem estão tão preocupadas, nem vão querer saber dela, como ela estará se sentindo no dia seguinte? Um telefonema para a mãe social, uma faladinha com a melhor amiguinha, aquela que ela se falava todos os dias... Como que estas pessoas, podem não querer saber desta criança, o mínimo? Ou são impedidas de fazê-lo, em função da “nova adaptação”, acreditando que esta adaptação só ocorrerá mesmo com cortes assim tão abruptos? Como esta criança não pode levar coisas dali, como podem haver profissionais que dizem que se a criança foi adotada, é melhor tira-la o quanto antes da escola que está e agora os novos pais que a ponham numa outra? Por que, que uma criança adotada tem que cortar laços, vínculos construídos, referências identificatórias, de um dia para outro e se ela quiser revisitar estes lugares, é melhor dizer que não, até que ela se esqueça ou se canse de pedir para que a levem lá?
Isso é o mesmo que você não dar um copo de água para uma pessoa extremamente sedenta. – “Não, espere, mês que vem eu te dou o copo d’água. Não, espere, mês que vem eu te levo, lá no abrigo que você, vivia”. Viveu por seis anos, ou seja, a sua vida toda. E é lógico que uma criança assim não vai fugir, pegar um ônibus e ir ao abrigo, porque está com saudades da sua melhor amiga. Mas que esta criança pode ser profundamente violentada na sua autoestima e identidade própria, pode. E o que nós fazemos com isso? O tempo deve ajudar? Sim, o tempo ajuda em muitos casos, mas esta é uma realidade complexa demais, para permanecermos tapando o sol com a peneira. Este é um problema muito sério que afeta profundamente o sentimento de valor pessoal, de uma criança. Provavelmente, é este não se importar mais intimamente com cada criança abrigada, que as faz se sentirem assim, com tanto sentimento de desvalia. Não há trabalho sobre adoção que não fale do sentimento de baixa autoestima que uma criança institucionalizada apresenta. Todo este sentimento, do sem sentido da vida, é demonstrado nesta fala de uma menina abrigada, que tentou suicídio aos 11 anos de idade: - “Mas e se eu morrer, quem vai realmente se importar com isso? Para quem eu sou realmente importante?”.
Como que uma criança que viveu por seis anos num abrigo pode sair de lá sem uma festinha que este abrigo possa ter oferecido para ela? Veja, nossa amiguinha, encontrou agora, pais, que vão poder cuidar dela!!! Como isso é bom!!! Como isso é especial, um momento desses na vida de uma criança!! Teus pais biológicos te tiveram, mas passaram por dificuldades, eles não puderam te cuidar. O Estado, passou a te cuidar, pois você é filha de um povo, de uma nação, mas agora você encontrou pais que vão poder te cuidar de uma forma ainda mais especial, mais apropriada! Um processo de adoção é algo muito especial! Por que ele tem sido feito debaixo de tantos sigilos, segredos de justiça, palavras não ditas? Devemos sim proteger nossas crianças da nossa nação, por isso são chamadas de “nossas crianças”, de pessoas mal intencionadas, isso não resta dúvidas. Mas como dizer que a adoção, é um processo muito lindo, muito especial onde um adulto toma para si um filho, quando deixamos este processo em meias palavras, ou sem palavras e com coisinhas escondidinhas?
Ciranda cirandinha, vamos todos cirandar
Vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar
A volta que devemos dar como sociedade é a de realmente pararmos para pensar: o que é uma criança para nós? É olharmos para dentro de nós mesmos e nos perguntarmos: que criança eu fui? Como foram meus pais? O que eu mais gostei de quando eu era criança? O que eu mais detestei quando fui criança? Se eu estivesse no lugar desta criança, o que eu gostaria que acontecesse comigo? O que eu gostaria de dizer sobre tudo isso, aos adultos que estão dizendo que são responsáveis por mim? O que eu estou entendendo do que aconteceu com minha família biológica? Por que eles não puderam mais ficar comigo? O que eu preferia que acontecesse comigo e com minha família?
Escuto isso nos abrigos: -“ ah, aí elas querem falar algo da família biológica delas, mas como eu sei que isso vai mexer lá dentro delas, eu logo vou trocando de assunto, né, porque assim elas não ficam tristes, né? Como é difícil para estas crianças institucionalizadas receberem uma escuta do que elas têm a dizer sobre elas mesmas e sobre suas vivências e sobre as suas dores.
Quem não suporta esta dor, as crianças que a vivenciaram ou nós adultos, profissionais, pais sociais?
Precisamos ter a coragem de enfrentar nosso próprio emocional e não nos refugiarmos mais, nos protocolos, métodos, relatórios, laudos e assuntos práticos. Estes são necessários e têm seu lugar. Mas qual é o lugar que a criança, com sua experiência psíquica e afetiva vêm tendo nisso tudo?
Precisamos nos debruçar e construir novas práticas de abrigamento, fazê-lo somente quando for extremamente necessário. Quantos abrigamentos foram feitos sem sentido e sem uma avaliação cuidadosa? Quantas crianças são tiradas da família pois não tinham estrutura, nem material, nem psicológica, nem moral de maternarem seus filhos? Mas depois aos dezoito anos estas crianças, são encaminhadas de volta a esta mesma família.
– “ Olhem, dêem um jeito agora, pois agora o Estado não pode mais. Afinal já estão crescidos e podem se defender melhor. Dêem um jeito! E lá, as coisas têm que andar!
Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia volta,
Volta e meia vamos dar!
Este abrigamento de anos, acrescentou algo na vida desta criança?
Fez alguma grande diferença para ela?
Algum dia de fato ela entendeu porque ficou tantos anos longe de sua família e agora estão dizendo que é para lá que ela precisa retornar?
Devemos construir novas formas de aproximar a sociedade civil, das crianças que desejam uma outra família. Devemos parar de dramatizar, de recriminar adultos que não conseguem maternar. Mas que uma criança precisa ser maternada, precisa. E como faremos isso, como sociedade? Como poderemos dar a maternagem de que nossas crianças realmente necessitam e desejam?
Esta é uma questão: estamos fazendo abrigamento de crianças. Não podemos mais continuar a fazer só isso. Pois isso tem ficado mais com cara de depósito de crianças. São seres humanos, cada um com seu valor pessoal. Como poderemos reverter este olhar e sermos mais cuidadosos e respeitadores conosco mesmos, pois somos seres da mesma espécie. Precisamos sim , como sociedade, maternar nossas crianças. Isso é urgente, em se tratando de direitos das crianças, que não puderam ser maternadas por seus pais consangüineos.
Fico me dizendo a cada dia: mas afinal o que pode ser feito? Leio, sobre trabalhos, de dez anos atrás, sobre a situação deplorável das crianças institucionalizadas e hoje depois de dez anos está tudo tão igual? Por quê? Por que há facetas da vida em sociedade que evoluíram, se modificaram radicalmente nestes dez anos e o abrigamento de crianças no Brasil, ainda é este caos. O que que isto diz de nós mesmos enquanto seres humanos? O que podemos entender sobre nossa dinâmica psíquica de ser humano, nestes últimos dez anos? O que um congresso daqui há dez anos estará discutindo no campo da institucionalização de crianças? Estes mesmos temas que já estamos discutindo no mínimo há dez anos? E que muito pouco ou quase nada se modificou de fato, para uma criança que é abrigada, pois os procedimentos continuam mais para “apagar incêndios”, do que para trazerem soluções mais eficientes neste campo. E o número de abrigamentos, creio eu, só aumentam.
As voltas que vêem sendo dadas nesta Ciranda do abrigamento e da adoção, são de 360º.
Temos voltado para o mesmo lugar.
Como podemos inventar uma Ciranda diferente?
Desejo fazer uma tentativa, deixo aqui a minha contribuição, mas desejo também ouvir a tua...
Ciranda cirandinha, vamos todos cirandar,
Vamos dar nova volta
Pra’m novo lugar
O anel que tu me deste
Era vidro, mas ficou
o amor que tu me tinhas
eu acolho, pois marcou.
Por isso dona, ...X, Y, Z, diga uma verso bem bonito
Que contribua com nossa ciranda,
com corações aquecidos e cuidados,
dizemos adeus, e vamos embora.
Não consegui seguir a mesma métrica e rima da ciranda original.
Será que não estaria aí uma questão também: temos tentando nos arriscar mais, para construirmos novas métricas e rimas, para a Ciranda do Abrigamento e da Adoção?
ONG RECRIAR – Família e Adoção.
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