sexta-feira, 1 de novembro de 2013

FAMÍLIA. FILIAÇÃO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE



DECISÃO DO STJ
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL Nº 1.401.719 - MG (2012/0022035-1)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : L B L
ADVOGADO : LUIZ FERNANDO VALLADÃO NOGUEIRA
RECORRIDO : J R R
ADVOGADO : OLIVALDO BATISTA DA SILVA E OUTRO(S)

EMENTA
FAMÍLIA. FILIAÇÃO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 326 DO CPC E ART. 1.593 DO CÓDIGO CIVIL.
1. Ação de investigação de paternidade ajuizada em 25.04.2002. Recurso especial concluso ao Gabinete em 16/03/2012.
2. Discussão relativa à possibilidade do vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica.
3. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos.
4. A maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-filho.
5. A prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade , quando é inequívoco (i) o conhecimento da verdade biológica pelos pais que assim o declararam no registro de nascimento e (ii) a existência de uma relação de afeto, cuidado, assistência moral, patrimonial e respeito, construída ao longo dos anos.
6. Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão.
7. O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros.
8. Ainda que haja a consequência patrimonial advinda do reconhecimento do vínculo jurídico de parentesco, ela não pode ser invocada como argumento para negar o direito do recorrido à sua ancestralidade. Afinal, todo o embasamento relativo à possibilidade de investigação da paternidade, na hipótese, está no valor supremo da dignidade da pessoa humana e no direito do recorrido à sua identidade genética.
9. Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Documento: 1271960 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2013 Página 1 de 14
Superior Tribunal de Justiça
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti e, ocasionalmente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 08 de outubro de 2013(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Trata-se de recurso especial interposto por L B L, com base no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ/MG).
Ação: de investigação de paternidade, ajuizada por J R R, contra L B L, alegando, em síntese, que nasceu em 11/01/1945, tendo sido registrado como filho de J M R. Após a morte de J M R, entretanto, tomou conhecimento, por intermédio de uma tia, de que o seu pai biológico era L B L. Diante disso, pretende a declaração da paternidade e o acréscimo do nome de seu pai biológico ao seu.
Contestação: em sua defesa, L B L alegou, preliminarmente, a decadência e prescrição do direito do autor e, no mérito, a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica, além de invocar o interesse meramente patrimonial do autor.
Sentença: julgou procedente o pedido, para declarar que J R R é filho de L B L, com fundamento no exame positivo de DNA, o qual afirmou que “a probabilidade da paternidade investigada é de pelo menos 99,9999%” (e-STJ fl. 281).
Acórdão: negou provimento à apelação interposta por L B L, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 350/362):
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. CONFIABILIDADE. PATERNIDADE Documento: 1271960 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2013 Página 3 de 14
Superior Tribunal de Justiça SÓCIOAFETIVA NÃO COMPROVADA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO I – A decisão acompanhada de fundamentação sucinta não afronta o preceito do art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988, pois não se pode confundir ausência de fundamentação, com motivação sucinta. A simples indicação dos motivos, mesmo que de forma concisa, torna válida a decisão. II – Em ação de investigação de paternidade o exame de DNA constitui prova direta e tem sido admitida como confiável, devendo ser acolhida a conclusão pericial, mormente se as demais provas constantes nos autos não se mostram capazes de desconstituir o resultado do exame. III – ainda que existente a paternidade socioafetiva, não há como retirar o direito do filho de, ao tomar conhecimento da verdade, ver reconhecida sua ancestralidade biológica.
Embargos de declaração: interpostos pelo recorrente (e-STJ fls. 365/370), foram rejeitados (e-STJ fls. 377/384).
Recurso especial: interposto por L B L alega violação dos seguintes dispositivos legais: (i) arts. 128; 458, II; e 535, II, do CPC, pois o acórdão recorrido não teria se manifestado acerca de premissas fáticas relevantes à solução da controvérsia, notadamente relativas à existência da paternidade socioafetiva entre o autor da ação e J M R, já falecido, a qual impediria a declaração de paternidade em relação a L B L;
(ii) do art. 326 do CPC, em razão da paternidade socioafetiva estabelecida entre o recorrido e J M R constituir fato impeditivo do direito do autor de ver declarado o vínculo biológico de paternidade em face do recorrente;
(iii) do art. 1.593 do Código Civil, em virtude do acórdão recorrido ter dado prevalência ao vínculo biológico em detrimento do socioafetivo, para a declaração da paternidade.
O dissídio jurisprudencial, por sua vez, estaria configurado entre o acordão recorrido e o acórdão proferido por esta Corte, no REsp 878.941/DF, em sede do qual, havendo dissociação entre as verdades biológica e socioafetiva, deu-se prioridade a essa última, para reconhecer a existência de filiação jurídica.
Exame de admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJ/MG, tendo sido interposto agravo contra a decisão denegatória, ao qual dei provimento para determinar o julgamento do recurso especial (e-STJ fl. 475).
É o relatório.

VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cinge-se a controvérsia a verificar se, na hipótese, a existência de vínculo socioafetivo do recorrido com seu pai registrário pode impedir o reconhecimento da paternidade biológica em face do recorrente.
1. – Da ofensa aos arts. 128; 458, II; e 535, II, do CPC 01. O recorrente aduz violação dos arts. 128; 458, II; e 535, II, do CPC, porquanto o Tribunal de origem, apesar de instado a se manifestar por meio de embargos declaratórios, quedou-se silente no que concerne ao forte vínculo afetivo existente entre o recorrido e seu pai registrário, autorizando o reconhecimento da paternidade socioafetiva, a qual constituiria fato impeditivo do direito do autor em ver reconhecida a paternidade biológica.
02. O TJ/MG, segundo o recorrente, deveria ter enfrentado a “concreta existência da paternidade socioafetiva, em vez de prender-se à mera suposição” (e-STJ fl. 395).
03. Todavia, o acórdão do Tribunal de origem tratou expressamente da questão, consignando o seguinte: ainda que existente a paternidade socioafetiva, não há como retirar o direito do apelado e, ao tomar conhecimento da verdade, ver reconhecida sua ancestralidade biológica, fato que lhe foi escondido desde o nascimento até a idade adulta (e-STJ fl. 357).
04. Com efeito, o fundamento do acórdão recorrido, para acolher a pretensão do autor, foi o direito que todo indivíduo tem ao conhecimento sobre sua origem genética, independentemente da existência de outro vínculo de paternidade de caráter socioafetivo ou registrário.
05. Assim, não importaria analisar os aspectos fáticos e jurídicos acerca da paternidade socioafetiva estabelecida entre o recorrido e J M R, pois a conclusão do TJ/MG seria a mesma.
06. Ademais, no entendimento firmado nesta Corte: não está o magistrado obrigado a rebater um a um os argumentos trazidos pela parte, citando todos os dispositivos legais que esta entende pertinentes para o deslinde da controvérsia. A negativa de prestação jurisdicional nos aclaratórios só ocorre se persistir a omissão no pronunciamento acerca de questão que deveria ter sido decidida e não o foi, o que não corresponde à hipótese dos autos. (AgRg no AG, nº 670.523/RS, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJ. 26.09.2005; AgRg no AG 527.272/RJ, JORGE SCARTEZZINI, DJU de 22.08.2005).
07. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação dos arts. 128; 458, II; e 535, II, do CPC.
2. – Da filiação (violação do art. 326 do CPC e 1.593 do Código Civil).
08. Nas instâncias ordinárias, ficou assentado que o recorrido foi apresentado à sociedade como filho de J M R até o falecimento deste, tendo perdurado essa situação por mais de 35 anos, sendo indubitável a posse do estado de filho, não obstante o registro da paternidade ter ocorrido somente em 1963, quando J R R já contava com 18 anos de idade.
09. Todavia, no ano de 2002, por intermédio de uma tia, o recorrido teria tomado conhecimento da possibilidade de não ser filho biológico do seu pai registral (falecido em 1966), mas de L B L e, em razão disso, propôs a presente ação de investigação de paternidade.
10. Realizado o exame de DNA, ficou evidenciado o vínculo biológico existente entre o recorrente e o recorrido.
11. A discussão que se colocou, diante desse contexto, é a respeito da possibilidade da indiscutível paternidade socioafetiva, que se estabeleceu entre o recorrido e J M R, prevalecer sobre o vínculo biológico existente entre o recorrido e L B L.
12. As relações familiares de parentesco podem ser naturais ou civis, conforme resultem de consanguinidade ou outra origem (art. 1.593 do CC/02).
Daí decorre que são reconhecidas outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, dentre as quais destacam-se: (i) o vínculo parental proveniente das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai ou mãe que não contribuiu com seu material genético; (ii) a maternidade/paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho.
13. Essa última hipótese tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-filho.
14. Nesse sentido, a doutrina de Luiz Edson Fachin: “a verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria genética da descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços de paternidade numa relação psico-afetiva, aquele, enfim, que além de poder lhe emprestar seu nome de família, o trata verdadeiramente como seu filho perante o ambiente social” (FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da Filiação e Paternidade Presumida. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1992, p. 169).
15. Assim também, DELINSKI, citada por BRASIL SANTOS, salienta que "o ato de ser pai não se limita à procriação, mas exige amar, compartilhar, cuidar, construir uma vida juntos. E se a procriação é apenas um dado, a efetiva relação paterno-filial exige mais do que apenas os laços de sangue.
Assim, através da 'posse do estado de filho' vai se revelar essa outra paternidade, fundada nos laços de afeto". (In, Revista Brasileira de Direito de Família. O Fenômeno da Paternidade Socioafetiva: A Filiação e a Revolução Genética. MAIDANA, Jédison Daltrozo. Porto Alegre. Ano VI, n. 24, jun-jul 2004, pág. 55).
16. Esse amplo reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva pela doutrina e jurisprudência, bem como a possibilidade dela, inclusive, prevalecer sobre a verdade biológica, em algumas hipóteses, trata-se de
uma quebra de paradigmas, haja vista que o direito brasileiro, notadamente em razão do desenvolvimento tecnológico, que permitiu a realização de exames genéticos precisos acerca do vínculo biológico (DNA), tinha a tendência de sempre priorizar a genética. Um exemplo disso é a própria possibilidade de rescisão da sentença transitada em julgado, quando lhe sobrevém prova que definitivamente exclui a paternidade.
17. Trata-se do fenômeno denominado pela doutrina como a “desbiologização da paternidade”, o qual leva em consideração que a paternidade e a maternidade estão mais estreitamente relacionadas à convivência familiar que ao mero vínculo biológico. Nesse sentido: João Batista Villela, Desbiologização da Paternidade , in Revista Forense, v. 271, jul/set, 1980, p. 49; Rodrigo da Cunha Pereira, Direito de Família – uma abordagem psicanalítica, Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 134; Eduardo de Oliveita Leite, Exame de DNA, ou, o limite entre o genitor e o pai. in Grandes Temas da atualidade – DNA como meio de prova da filiação, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 77, entre outros.
18. Entretanto, é importante mencionar que a prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade , quando é inequívoco (i) o conhecimento da verdade biológica pelos pais que assim o declararam no registro de nascimento e (ii) a existência de uma relação de afeto, cuidado, assistência moral, patrimonial e respeito, construída ao longo dos anos.
19. Com efeito, o destaque é para a tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Permitir a desconstituição de reconhecimento de paternidade/maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança (ainda que já se encontre na fase adulta) preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade.
20. Nesse sentido, esta Corte tem inúmeros precedentes, merecendo destaque: Resp 1.229.044/DF; de minha relatoria, DJe de 13.06.2013; Resp 1.000.356/SP, de minha relatoria, DJe de 25.05.2010; REsp 1.078.285/MS, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 18.08.2010; REsp 932.692/DF, de minha relatoria, DJe de 12.09.2009; REsp 1.259.460/SP, de minha relatoria, DJe de 29.06.2012; REsp 1.098.036/GO, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 01.03.2012; REsp 1.059.214/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 16/02/2012).
21. Por outro lado, se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão.
22. Conforme ressaltei no julgamento do REsp 833.712/RS, não é correto impedir uma pessoa, qualquer que seja sua história de vida de ter esclarecida sua verdade biológica.
23. O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros.
24. O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no art. 1º, inc. III, da CF/88, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, traz em seu bojo o direito à identidade biológica e pessoal, conforme defendido pelo i. Min. Maurício Corrêa do STF, quando do julgamento do RE 248.869/SP, em 7/8/2003, ocasião em que assim explicitou: O direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana, princípio alçado a fundamento da República Federativa do Brasil (CF, artigo 1º, inciso III). O nome, por sua vez, traduz a identidade da pessoa, a origem de sua ancestralidade, enfim é o reconhecimento da família, base de nossa sociedade. Por isso mesmo, o patronímico não pertence apenas ao pai senão à entidade familiar como um todo, o que aponta para a natureza indisponível do direito em debate. No dizer de Luiz Edson Fachin 'a descoberta da verdadeira paternidade exige que não seja negado o direito, qualquer que seja a filiação, de ver declarada a paternidade. Essa negação seria francamente inconstitucional em face dos termos em que a unidade da filiação restou inserida na Constituição Federal. Trata-se da própria identidade biológica e pessoal – uma das expressões concretas do direito à verdade pessoal'”. Assim, caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica.
25. Essa é exatamente a hipótese dos autos, em que o recorrido não tinha conhecimento da verdade acerca da sua origem genética até o ano de 2002, quando uma tia lhe revelou a identidade de seu verdadeiro pai.
26. Conquanto tenha o recorrido usufruído de uma relação socioafetiva com seu pai registrário, já falecido, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à sua verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura.
27. Consigne-se, ainda, que, não obstante as alegações do recorrente, não há nenhum dado a revelar que, na presente ação, os propósitos e interesses do recorrido, com o reconhecimento da paternidade, sejam meramente patrimoniais.
E, de todo modo, ainda que haja a consequência patrimonial advinda do reconhecimento do vínculo jurídico de parentesco, ela não pode ser invocada como argumento para negar o direito do recorrido à sua ancestralidade. Afinal, todo o embasamento relativo à possibilidade de investigação da paternidade, na hipótese, está no valor supremo da dignidade da pessoa humana e no direito do recorrido à sua identidade genética.
28. Conclui-se, portanto, pela possibilidade de investigação de paternidade mesmo na hipótese de existência de vínculo socioafetivo com o pai registrário, pois o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, assentado no princípio da dignidade da pessoa humana.
29. Diante de todo o exposto, presente o dissenso entre as verdades biológica e socioafetiva, na hipótese, deve prevalecer o direito ao reconhecimento do vínculo biológico.
3. Do Dissídio jurisprudencial
30. Entre os acórdãos trazidos à colação pelo recorrente, não há o necessário cotejo analítico nem a comprovação da similitude fática, elementos indispensáveis à demonstração da divergência.
31. Com efeito, no acórdão trazido como paradigma, os irmãos pretendiam a anulação do vínculo de filiação reconhecido por seu pai antes do falecimento, em razão da inexistência de vínculo genético entre ele e sua irmã, tendo sido invocada a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica, para se manter o vínculo.
32. Na hipótese, a situação é distinta porque se pretende o reconhecimento do vínculo biológico, em detrimento do socioafetivo estabelecido com o pai registrário.
33. Assim, a análise da existência do dissídio é inviável, porque não foram cumpridos os requisitos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º
e 2º, do RISTJ.
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1271960&sReg=201200220351&sData=20131015&formato=PDF

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