FAMÍLIA. FILIAÇÃO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE
DECISÃO DO STJ
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL Nº 1.401.719 - MG (2012/0022035-1)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : L B L
ADVOGADO : LUIZ FERNANDO VALLADÃO NOGUEIRA
RECORRIDO : J R R
ADVOGADO : OLIVALDO BATISTA DA SILVA E OUTRO(S)
EMENTA
FAMÍLIA. FILIAÇÃO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE
SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE. ARTIGOS ANALISADOS:
ARTS. 326 DO CPC E ART. 1.593 DO CÓDIGO CIVIL.
1. Ação de investigação de paternidade ajuizada em 25.04.2002. Recurso especial concluso ao Gabinete em 16/03/2012.
2. Discussão relativa à possibilidade do vínculo socioafetivo com o pai
registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica.
3.
Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem
pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos.
4. A maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento
jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos
em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por
escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados
inerentes à relação pai-filho.
5. A prevalência da
paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como
principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa
garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de
paternidade , quando é inequívoco (i) o conhecimento da verdade
biológica pelos pais que assim o declararam no registro de nascimento e
(ii) a existência de uma relação de afeto, cuidado, assistência moral,
patrimonial e respeito, construída ao longo dos anos.
6. Se é o
próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com
outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma
verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é
razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a
fim de impedir sua pretensão.
7. O reconhecimento do estado de
filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer
restrição, em face dos pais ou seus herdeiros.
8. Ainda que haja a
consequência patrimonial advinda do reconhecimento do vínculo jurídico
de parentesco, ela não pode ser invocada como argumento para negar o
direito do recorrido à sua ancestralidade. Afinal, todo o embasamento
relativo à possibilidade de investigação da paternidade, na hipótese,
está no valor supremo da dignidade da pessoa humana e no direito do
recorrido à sua identidade genética.
9. Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Documento: 1271960 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2013 Página 1 de 14
Superior Tribunal de Justiça
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade,
negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra.
Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e
Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti e,
ocasionalmente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 08 de outubro de 2013(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Trata-se de recurso
especial interposto por L B L, com base no art. 105, III, “a” e “c”, da
Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais (TJ/MG).
Ação: de investigação de
paternidade, ajuizada por J R R, contra L B L, alegando, em síntese, que
nasceu em 11/01/1945, tendo sido registrado como filho de J M R. Após a
morte de J M R, entretanto, tomou conhecimento, por intermédio de uma
tia, de que o seu pai biológico era L B L. Diante disso, pretende a
declaração da paternidade e o acréscimo do nome de seu pai biológico ao
seu.
Contestação: em sua defesa, L B L alegou, preliminarmente, a
decadência e prescrição do direito do autor e, no mérito, a prevalência
da paternidade socioafetiva sobre a biológica, além de invocar o
interesse meramente patrimonial do autor.
Sentença: julgou
procedente o pedido, para declarar que J R R é filho de L B L, com
fundamento no exame positivo de DNA, o qual afirmou que “a probabilidade
da paternidade investigada é de pelo menos 99,9999%” (e-STJ fl. 281).
Acórdão: negou provimento à apelação interposta por L B L, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 350/362):
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE
DNA. CONFIABILIDADE. PATERNIDADE Documento: 1271960 - Inteiro Teor do
Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2013 Página 3 de 14
Superior
Tribunal de Justiça SÓCIOAFETIVA NÃO COMPROVADA. RECURSO CONHECIDO E
NÃO PROVIDO I – A decisão acompanhada de fundamentação sucinta não
afronta o preceito do art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988, pois
não se pode confundir ausência de fundamentação, com motivação sucinta.
A simples indicação dos motivos, mesmo que de forma concisa, torna
válida a decisão. II – Em ação de investigação de paternidade o exame de
DNA constitui prova direta e tem sido admitida como confiável, devendo
ser acolhida a conclusão pericial, mormente se as demais provas
constantes nos autos não se mostram capazes de desconstituir o resultado
do exame. III – ainda que existente a paternidade socioafetiva, não há
como retirar o direito do filho de, ao tomar conhecimento da verdade,
ver reconhecida sua ancestralidade biológica.
Embargos de declaração: interpostos pelo recorrente (e-STJ fls. 365/370), foram rejeitados (e-STJ fls. 377/384).
Recurso especial: interposto por L B L alega violação dos seguintes
dispositivos legais: (i) arts. 128; 458, II; e 535, II, do CPC, pois o
acórdão recorrido não teria se manifestado acerca de premissas fáticas
relevantes à solução da controvérsia, notadamente relativas à existência
da paternidade socioafetiva entre o autor da ação e J M R, já falecido,
a qual impediria a declaração de paternidade em relação a L B L;
(ii) do art. 326 do CPC, em razão da paternidade socioafetiva
estabelecida entre o recorrido e J M R constituir fato impeditivo do
direito do autor de ver declarado o vínculo biológico de paternidade em
face do recorrente;
(iii) do art. 1.593 do Código Civil, em virtude
do acórdão recorrido ter dado prevalência ao vínculo biológico em
detrimento do socioafetivo, para a declaração da paternidade.
O
dissídio jurisprudencial, por sua vez, estaria configurado entre o
acordão recorrido e o acórdão proferido por esta Corte, no REsp
878.941/DF, em sede do qual, havendo dissociação entre as verdades
biológica e socioafetiva, deu-se prioridade a essa última, para
reconhecer a existência de filiação jurídica.
Exame de
admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJ/MG, tendo
sido interposto agravo contra a decisão denegatória, ao qual dei
provimento para determinar o julgamento do recurso especial (e-STJ fl.
475).
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY
ANDRIGHI (Relatora): Cinge-se a controvérsia a verificar se, na
hipótese, a existência de vínculo socioafetivo do recorrido com seu pai
registrário pode impedir o reconhecimento da paternidade biológica em
face do recorrente.
1. – Da ofensa aos arts. 128; 458, II; e 535,
II, do CPC 01. O recorrente aduz violação dos arts. 128; 458, II; e 535,
II, do CPC, porquanto o Tribunal de origem, apesar de instado a se
manifestar por meio de embargos declaratórios, quedou-se silente no que
concerne ao forte vínculo afetivo existente entre o recorrido e seu pai
registrário, autorizando o reconhecimento da paternidade socioafetiva, a
qual constituiria fato impeditivo do direito do autor em ver
reconhecida a paternidade biológica.
02. O TJ/MG, segundo o
recorrente, deveria ter enfrentado a “concreta existência da paternidade
socioafetiva, em vez de prender-se à mera suposição” (e-STJ fl. 395).
03. Todavia, o acórdão do Tribunal de origem tratou expressamente da
questão, consignando o seguinte: ainda que existente a paternidade
socioafetiva, não há como retirar o direito do apelado e, ao tomar
conhecimento da verdade, ver reconhecida sua ancestralidade biológica,
fato que lhe foi escondido desde o nascimento até a idade adulta (e-STJ
fl. 357).
04. Com efeito, o fundamento do acórdão recorrido, para
acolher a pretensão do autor, foi o direito que todo indivíduo tem ao
conhecimento sobre sua origem genética, independentemente da existência
de outro vínculo de paternidade de caráter socioafetivo ou registrário.
05. Assim, não importaria analisar os aspectos fáticos e jurídicos
acerca da paternidade socioafetiva estabelecida entre o recorrido e J M
R, pois a conclusão do TJ/MG seria a mesma.
06. Ademais, no
entendimento firmado nesta Corte: não está o magistrado obrigado a
rebater um a um os argumentos trazidos pela parte, citando todos os
dispositivos legais que esta entende pertinentes para o deslinde da
controvérsia. A negativa de prestação jurisdicional nos aclaratórios só
ocorre se persistir a omissão no pronunciamento acerca de questão que
deveria ter sido decidida e não o foi, o que não corresponde à hipótese
dos autos. (AgRg no AG, nº 670.523/RS, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJ.
26.09.2005; AgRg no AG 527.272/RJ, JORGE SCARTEZZINI, DJU de
22.08.2005).
07. Devidamente analisadas e discutidas as questões de
mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a
esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação dos
arts. 128; 458, II; e 535, II, do CPC.
2. – Da filiação (violação do art. 326 do CPC e 1.593 do Código Civil).
08. Nas instâncias ordinárias, ficou assentado que o recorrido foi
apresentado à sociedade como filho de J M R até o falecimento deste,
tendo perdurado essa situação por mais de 35 anos, sendo indubitável a
posse do estado de filho, não obstante o registro da paternidade ter
ocorrido somente em 1963, quando J R R já contava com 18 anos de idade.
09. Todavia, no ano de 2002, por intermédio de uma tia, o recorrido
teria tomado conhecimento da possibilidade de não ser filho biológico do
seu pai registral (falecido em 1966), mas de L B L e, em razão disso,
propôs a presente ação de investigação de paternidade.
10. Realizado o exame de DNA, ficou evidenciado o vínculo biológico existente entre o recorrente e o recorrido.
11. A discussão que se colocou, diante desse contexto, é a respeito da
possibilidade da indiscutível paternidade socioafetiva, que se
estabeleceu entre o recorrido e J M R, prevalecer sobre o vínculo
biológico existente entre o recorrido e L B L.
12. As relações
familiares de parentesco podem ser naturais ou civis, conforme resultem
de consanguinidade ou outra origem (art. 1.593 do CC/02).
Daí
decorre que são reconhecidas outras espécies de parentesco civil além
daquele decorrente da adoção, dentre as quais destacam-se: (i) o vínculo
parental proveniente das técnicas de reprodução assistida heteróloga
relativamente ao pai ou mãe que não contribuiu com seu material
genético; (ii) a maternidade/paternidade socioafetiva, fundada na posse
do estado de filho.
13. Essa última hipótese tem seu reconhecimento
jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos
em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por
escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados
inerentes à relação pai-filho.
14. Nesse sentido, a doutrina de Luiz
Edson Fachin: “a verdadeira paternidade pode também não se explicar
apenas na autoria genética da descendência. Pai também é aquele que se
revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de
estreitar os laços de paternidade numa relação psico-afetiva, aquele,
enfim, que além de poder lhe emprestar seu nome de família, o trata
verdadeiramente como seu filho perante o ambiente social” (FACHIN, Luiz
Edson. Estabelecimento da Filiação e Paternidade Presumida. Porto
Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1992, p. 169).
15. Assim
também, DELINSKI, citada por BRASIL SANTOS, salienta que "o ato de ser
pai não se limita à procriação, mas exige amar, compartilhar, cuidar,
construir uma vida juntos. E se a procriação é apenas um dado, a efetiva
relação paterno-filial exige mais do que apenas os laços de sangue.
Assim, através da 'posse do estado de filho' vai se revelar essa outra
paternidade, fundada nos laços de afeto". (In, Revista Brasileira de
Direito de Família. O Fenômeno da Paternidade Socioafetiva: A Filiação e
a Revolução Genética. MAIDANA, Jédison Daltrozo. Porto Alegre. Ano VI,
n. 24, jun-jul 2004, pág. 55).
16. Esse amplo reconhecimento da
paternidade/maternidade socioafetiva pela doutrina e jurisprudência, bem
como a possibilidade dela, inclusive, prevalecer sobre a verdade
biológica, em algumas hipóteses, trata-se de
uma quebra de
paradigmas, haja vista que o direito brasileiro, notadamente em razão do
desenvolvimento tecnológico, que permitiu a realização de exames
genéticos precisos acerca do vínculo biológico (DNA), tinha a tendência
de sempre priorizar a genética. Um exemplo disso é a própria
possibilidade de rescisão da sentença transitada em julgado, quando lhe
sobrevém prova que definitivamente exclui a paternidade.
17.
Trata-se do fenômeno denominado pela doutrina como a “desbiologização da
paternidade”, o qual leva em consideração que a paternidade e a
maternidade estão mais estreitamente relacionadas à convivência familiar
que ao mero vínculo biológico. Nesse sentido: João Batista Villela,
Desbiologização da Paternidade , in Revista Forense, v. 271, jul/set,
1980, p. 49; Rodrigo da Cunha Pereira, Direito de Família – uma
abordagem psicanalítica, Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 134; Eduardo
de Oliveita Leite, Exame de DNA, ou, o limite entre o genitor e o pai.
in Grandes Temas da atualidade – DNA como meio de prova da filiação, Rio
de Janeiro: Forense, 2000, p. 77, entre outros.
18. Entretanto, é
importante mencionar que a prevalência da paternidade/maternidade
socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o
interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos
face às pretensões negatórias de paternidade , quando é inequívoco (i) o
conhecimento da verdade biológica pelos pais que assim o declararam no
registro de nascimento e (ii) a existência de uma relação de afeto,
cuidado, assistência moral, patrimonial e respeito, construída ao longo
dos anos.
19. Com efeito, o destaque é para a tutela da
personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento
fundamental na formação da identidade do ser humano. Permitir a
desconstituição de reconhecimento de paternidade/maternidade amparado em
relação de afeto teria o condão de extirpar da criança (ainda que já se
encontre na fase adulta) preponderante fator de construção de sua
identidade e de definição de sua personalidade.
20. Nesse sentido,
esta Corte tem inúmeros precedentes, merecendo destaque: Resp
1.229.044/DF; de minha relatoria, DJe de 13.06.2013; Resp 1.000.356/SP,
de minha relatoria, DJe de 25.05.2010; REsp 1.078.285/MS, Rel. Min.
Massami Uyeda, DJe de 18.08.2010; REsp 932.692/DF, de minha relatoria,
DJe de 12.09.2009; REsp 1.259.460/SP, de minha relatoria, DJe de
29.06.2012; REsp 1.098.036/GO, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de
01.03.2012; REsp 1.059.214/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma,
j. 16/02/2012).
21. Por outro lado, se é o próprio filho quem busca o
reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a
sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por
aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a
prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão.
22. Conforme ressaltei no julgamento do REsp 833.712/RS, não é correto
impedir uma pessoa, qualquer que seja sua história de vida de ter
esclarecida sua verdade biológica.
23. O reconhecimento do estado de
filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer
restrição, em face dos pais ou seus herdeiros.
24. O princípio
fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no art. 1º, inc.
III, da CF/88, como um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil, traz em seu bojo o direito à identidade biológica e pessoal,
conforme defendido pelo i. Min. Maurício Corrêa do STF, quando do
julgamento do RE 248.869/SP, em 7/8/2003, ocasião em que assim
explicitou: O direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da
pessoa humana, princípio alçado a fundamento da República Federativa do
Brasil (CF, artigo 1º, inciso III). O nome, por sua vez, traduz a
identidade da pessoa, a origem de sua ancestralidade, enfim é o
reconhecimento da família, base de nossa sociedade. Por isso mesmo, o
patronímico não pertence apenas ao pai senão à entidade familiar como um
todo, o que aponta para a natureza indisponível do direito em debate.
No dizer de Luiz Edson Fachin 'a descoberta da verdadeira paternidade
exige que não seja negado o direito, qualquer que seja a filiação, de
ver declarada a paternidade. Essa negação seria francamente
inconstitucional em face dos termos em que a unidade da filiação restou
inserida na Constituição Federal. Trata-se da própria identidade
biológica e pessoal – uma das expressões concretas do direito à verdade
pessoal'”. Assim, caracteriza violação ao princípio da dignidade da
pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética,
respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se
conhecer a verdade biológica.
25. Essa é exatamente a hipótese dos
autos, em que o recorrido não tinha conhecimento da verdade acerca da
sua origem genética até o ano de 2002, quando uma tia lhe revelou a
identidade de seu verdadeiro pai.
26. Conquanto tenha o recorrido
usufruído de uma relação socioafetiva com seu pai registrário, já
falecido, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência ao tomar
conhecimento de sua real história, de ter acesso à sua verdade
biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura.
27. Consigne-se, ainda, que, não obstante as alegações do recorrente,
não há nenhum dado a revelar que, na presente ação, os propósitos e
interesses do recorrido, com o reconhecimento da paternidade, sejam
meramente patrimoniais.
E, de todo modo, ainda que haja a
consequência patrimonial advinda do reconhecimento do vínculo jurídico
de parentesco, ela não pode ser invocada como argumento para negar o
direito do recorrido à sua ancestralidade. Afinal, todo o embasamento
relativo à possibilidade de investigação da paternidade, na hipótese,
está no valor supremo da dignidade da pessoa humana e no direito do
recorrido à sua identidade genética.
28. Conclui-se, portanto, pela
possibilidade de investigação de paternidade mesmo na hipótese de
existência de vínculo socioafetivo com o pai registrário, pois o
reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo,
indisponível e imprescritível, assentado no princípio da dignidade da
pessoa humana.
29. Diante de todo o exposto, presente o dissenso
entre as verdades biológica e socioafetiva, na hipótese, deve prevalecer
o direito ao reconhecimento do vínculo biológico.
3. Do Dissídio jurisprudencial
30. Entre os acórdãos trazidos à colação pelo recorrente, não há o
necessário cotejo analítico nem a comprovação da similitude fática,
elementos indispensáveis à demonstração da divergência.
31. Com
efeito, no acórdão trazido como paradigma, os irmãos pretendiam a
anulação do vínculo de filiação reconhecido por seu pai antes do
falecimento, em razão da inexistência de vínculo genético entre ele e
sua irmã, tendo sido invocada a prevalência da paternidade socioafetiva
sobre a biológica, para se manter o vínculo.
32. Na hipótese, a
situação é distinta porque se pretende o reconhecimento do vínculo
biológico, em detrimento do socioafetivo estabelecido com o pai
registrário.
33. Assim, a análise da existência do dissídio é
inviável, porque não foram cumpridos os requisitos dos arts. 541,
parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º
e 2º, do RISTJ.
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1271960&sReg=201200220351&sData=20131015&formato=PDF
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