sexta-feira, 1 de novembro de 2013

FAMÍLIA. REGULAMENTAÇÃO DE VISITA. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO. CRIANÇA ABANDONADA PELA GENITORA. AUSÊNCIA DE SÓCIO-AFETIVIDADE. INTERESSE DO MENOR.



DECISÃO TJDFT
PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

Órgão-1ª Turma Cível
Processo N.-Apelação Cível 20090130017879APC
Apelante(s)-V. G. S.
Apelado(s)-M. J. B. S.
Relator-Desembargador FLAVIO ROSTIROLA
Revisor-Desembargador TEÓFILO CAETANO
Acórdão Nº-675.405

E M E N T A
APELAÇÃO. FAMÍLIA. REGULAMENTAÇÃO DE VISITA. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO. CRIANÇA ABANDONADA PELA GENITORA. AUSÊNCIA DE SÓCIO-AFETIVIDADE. INTERESSE DO MENOR. PREVALÊNCIA.
1. Conforme a Constituição Federal, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, a família consiste na base da sociedade e direito dos menores impúberes, cujos interesses prevalecem sobre o dos pais, em razão de sua vulnerabilidade.
2. É elemento essencial da família, em seu conceito hodierno, mais do que a biogenética, a sócio-afetividade, fundamental ao desenvolvimento pessoal de seus integrantes, especialmente dos filhos. Por essa razão, em que pese o ordenamento jurídico pátrio possibilitar diversos arranjos e rearranjos familiares, os relacionamentos afetivos dos pais não podem influenciar negativamente sobre seu relacionamento com seus filhos, que deve ser resguardado em favor dos interesses dos menores.
3. Diante da conclusão dos estudos psicossociais realizados pelas equipes interprofissionais deste Tribunal, que afirmaram pela impossibilidade de se conciliar o vínculo afetivo com o parentesco biológico, sem que haja riscos psicológicos ao infante, não há como se impor o regime de visitas.
4. Negou-se provimento ao apelo, mantendo-se incólume a r. sentença.

A C Ó R D Ã O
Acordam os Senhores Desembargadores da 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, FLAVIO ROSTIROLA - Relator, TEÓFILO CAETANO - Revisor, SIMONE LUCINDO - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador TEÓFILO CAETANO, em proferir a seguinte decisão: CONHECER E NEGAR PROVIMENTO, UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 8 de maio de 2013
Desembargador FLAVIO ROSTIROLA
Relator

R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta por V. G. S., contra sentença proferida nos autos de ação de regulamentação de visitas, ajuizada em desfavor de M. J. B. S., guardião legal do menor A. K. G. S., por meio da qual o douto sentenciante julgou improcedente o pedido da genitora do menor, de exercício do seu direito de visitas.
Em suas razões, afirma que deixou o menor sob os cuidados do seu ex-companheiro e anuiu com a adoção, em razão de não ter condições financeiras e disponibilidade de tempo para criar o seu filho. Porém, não imaginava que o menor seria entregue aos cuidados do ora apelado, cuja índole desconhece.
Nesse contexto, explica que se manifestou contra a transferência da guarda do menor para o apelado e, visando garantir seus direitos de mãe ajuizou a presente ação visando regulamentar as suas visitas ao filho, que nunca foram permitidas pelo guardião.
Sustenta que é certo que a criança não possui vínculo afetivo com a apelante, isso se dá pelas barreiras que são impostas ao relacionamento entre eles, inclusive no que se refere às medidas judiciais que vem sendo tomadas, uma vez que não tem protegido o direito tanto da criança quanto da genitora à convivência familiar (fl.129).
Argumenta que não há comprovação de qualquer ato que desabone a genitora na qualidade de mãe, sendo incabível impedir o direito de visitar garantido no ordenamento jurídico.
Em contrarrazões, o apelado aduz que o menor não tem laço afetivo com a mãe biológica, e que o deferimento da medida traria transtornos psicológicos ao menor, que, conforme laudo técnico realizado por este Tribunal, somente reconhece o apelado e sua esposa como seus genitores.
A i. Procuradoria de Justiça oficiou pelo não provimento da ação (fls.166/170).
É o relatório.

V O T O S
O Senhor Desembargador FLAVIO ROSTIROLA - Relator
CONHEÇO do recurso, pois presentes os pressupostos legais.
Cuida-se originariamente de ação de regulamentação de visitas ajuizada pela genitora do menor, nascido em 13 de março de 2006, em desfavor dos guardiões, alegando que o infante permanece em companhia dos requeridos desde tenra idade, havendo nenhum contato com a requerente ao longo de sua vida.
Relata que, em razão de problemas de relacionamento com J. E., seu companheiro entre 2006 e 2007, e de dificuldades financeiras, viu-se compelida a deixar o menor aos cuidados de seu ex-companheiro. Ele, por sua vez, deixava a criança com sua própria genitora, ocasião em que o menor passou a conviver com os atuais guardiões, M. J. B. S. e sua esposa.
A requerente sustenta que não concorda com o pedido de guarda postulado por M. J. B. S., porquanto desconhece sua índole e está sendo impedida de conviver com seu filho, em verdadeira violação aos direitos da criança no que concerne com a convivência harmônica com sua família.
Vejamos.
A Constituição Federal define a família como a base da sociedade, razão por que tem proteção especial do Estado, nos termos do art. 226.
Há que se ressaltar, contudo, que o direito de família deve ser sempre regulamentado em face dos interesses do menor, vulnerável na relação familiar, a fim de lhe propiciar bem-estar e amparo físico, moral e psicológico, elementos integrantes da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental do ordenamento jurídico pátrio.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, como preconizado em seu art. 19, assegura aos menores o direito à convivência familiar, tanto materna quanto paterna, pressupondo que tal convivência contribui para o seu bom desenvolvimento.
Pela mesma razão é que, na hipótese de destituição de casamento, o Código Civil, a fim de proteger a pessoa dos filhos, regula o direito de guarda e o direito de visitas. O art. 1589 desse Diploma dispõe:

“Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.

Convém ressaltar, contudo, que os critérios que definem família e maternidade/paternidade e fundamentam o direito de guarda e visita extrapolam a biogenética e o poder-dever parental, sendo a socioafetividade requisito para a convivência familiar salutar e para o bom desenvolvimento dos filhos, conforme respeitada doutrina1 e disposições do Código Civil, em seu art. 1583, §2º, inciso I, e art. 1.584, §5º.
Considerando esses pressupostos, passo à análise do presente caso.
Resta incontroverso nos autos que o menor em questão, A. K. G. S., hoje aos sete anos de idade, é filho da requerente, conforme atesta sua certidão de nascimento (fl.08). Ainda, inconteste que a Apelante praticamente nunca conviveu sob o mesmo teto com o filho e que o menor reconhece como pai e mãe seus atuais guardiões, o requerido e sua esposa.
Outrossim, restou demonstrado que o menor não tem conhecimento da respectiva história, sequer conhece a apelante ou tem conhecimento de que ela é sua mãe biológica.
Os estudos psicossociais realizados pelas equipes interprofissionais deste Tribunal concluíram pela impossibilidade de se conciliar o vínculo afetivo com o parentesco biológico, por não existir, ao menos na atual conjuntura dos fatos, a necessária preparação das partes e do menor para se dar início a uma aproximação entre mãe e filho, sem que haja riscos psicológicos ou maiores danos ao infante.
Para a exata compreensão da controvérsia, vale destacar, neste ponto, trecho esclarecedor constante no parecer psicológico elaborado pela Seção de Colocação em Família Substituta deste Tribunal:

A despeito do interesse relatado em petição da genitora da criança em reaver a guarda do filho e/ou realizar visitas, a criança A. K. não constituiu laço afetivo com sua genitora em virtude de ter estado desde tenra inserido no núcleo familiar do guardião Sr. M. J. Apesar de não ter laços biológicos com o guardião e seus familiares, a criança reconhece o Sr. M. J. como pai, e a companheira deste, Sra. V., como mãe. A. K. reconhece ainda como irmão, o filho do casal, A.G., 7 meses. A criança demonstra ainda pertencimento socioafetivo extenso aos demais familiares do Sr. M. e da Sra. V., sua avó, a Sra. M. J. e tia D., demais avós, tios e primos. Ressalte-se que A. K. hoje já está com 6 anos de idade e tem suas necessidades materiais e emocionais atendidas junto ao núcleo familiar guardião. Do ponto de vista psicológico, o afastamento ou ameaça da união da criança com este núcleo familiar (sobretudo das figuras materna e paterna designadas como Sra. V. e Sr. M.J) poderia ser bastante prejudicial ao seu desenvolvimento psíquico. Ressalte-se que em virtude da falta de acordo e da existência de um clima de desconfiança e ameaça de risco para a criança, não houve aproximação (consenso) entre as partes litigantes que pudesse beneficiar a criança. Na época ainda em que eram realizadas visitas da criança ao Sr. José Evangelista (que atualmente pleitea a extensão do poder familiar e com quem a criança também não temparentesco biológico) foi relatado que a criança retornava suja, assada, malcheirosa, sem os devidos cuidados em relação à alimentação (dieta restritiva prescrita por pediatra) e trazia relatos de ser castigada por fazer xixi na cama. O guardião reafirmou que a Sra. V. não é companheira do Sr. J. E., nunca demonstrou interesse no filho e acusa a mesma de fazer uso de substâncias entorpecentes e de fazer ameaças ao guardião e familiares ("isso não vai ficar assim") que foram devidamente registradas em boletim de ocorrência (fl. 80 dos Autos Guarda 10480-5/08). O guardião acredita que o interesse da genitora pelo filho só ocorreu por incentivo e despeito do Sr. J. E. por não ter visto prosperar sua intenção de adotar a criança. Segundo relato, o Sr. J. E. também usa e vende drogas e poderia fornecer entorpecentes à genitora em troca do apoio desta. O guardião da criança não acredita no interesse genuíno da genitora em se aproximar da criança, posto que esta só se manifestou neste sentido quando o Sr. J. E. teve sua pretensão de adoção recusada.
(...)
Quanto à ação de regulamentação de visitas 1787-9/09 proposta pela genitora, entende-se a partido dos dados obtidos que não oferece vantagem à criança, podendo-se inclusive constituir em risco biopsicossocial para a mesma (fl.157).

Nesse contexto, conclui-se que, ao se considerar as circunstâncias do caso, (a idade da criança, que ainda tem limitações psicológicas para compreender a complexidade da situação; a inexistência, desde os primeiros meses de vida, de contato entre mãe e filho; a situação de conflituosidade entre guardiões e a genitora, que dificulta ainda mais a aproximação das partes nessa fase da vida da criança, e considerando a inexistência de qualquer convívio entre mãe e filho), não há como deferir o pedido e impor as visitas.
Desse modo, por refletir a melhor solução ao caso, adoto as razões de decidir do douto sentenciante agregando-se aos fundamentos da minha convicção sobre o caso, motivo pelo qual as passo a transcrever:

O direito de visitas deve ser sempre regulamentado com lastro na solidariedade familiar, nas obrigações resultantes do pátrio-poder e, notadamente, em face dos interesses do menor, a fim de lhe propiciar um melhor desenvolvimento moral e psicológico. In casu, restou comprovado que o menor não possui vínculos afetivos com a apelante, convivendo com o recorrido praticamente desde seu nascimento, conforme laudo constante às fls. 146/157 destes autos, à propósito: "Segundo relato do guardião, Sr. M. J., a criança foi inserida no seu lar praticamente desde o seu nascimento, e em definitivo desde os 06 meses de idade. Foi relatado que a genitora (V.) deixaria a criança no hospital após o parto, mas que o Sr. J E (com quem a Sra. V. teria tido um relacionamento) a pegou e deixou na casa de àua mãe, Sra. M. J., avó da Sra. V., companheira, do Sr. M., que também compunha este núcleo familiar. No início, eventualmente, a criança era levada pelo Sr. J E, mas retornava destas visitas suja, asada, malcheirosa, ou seja, com sinais de maus tratos. (...) A despeito do interesse relatado em petição da genitora da criança em reaver a guarda do filho e/ou realizar visitas, a criança A. K. não constituiu laço afetivo com sua genitora em virtude de ter estado desde tenra, (sic) inserido no núcleo familiar do guardião Sr. Marcelo Júnio. Apesar de não . ter laços biológicos com o guardião e seus familiares, a criança reconhece o Sr. M. J. como pai, e a companheira deste, Sra. V., como mãe. A. K. reconhece ainda como irmão, o filho do casal, A. G., 7 meses. (...) Quanto à ação de regulamentação de visitas 1787-9/09 proposta pela genitora, entende-se a partir dos dados obtidos que não oferece vantagem à criança, podendo-se inclusive constituir em risco biopsicossocial para a mesma." Desta forma, a criança se encontra plenamente adaptada ao ambiente familiar atual, não se revelando benéfica a concessão do direito de visitas em prol da recorrente e, inclusive, representando risco ao menor em caso de seu deferimento. Ademais, conforme bem salientado na r. sentença, "De se ressaltar também a negligência da genitora, pois mesmo tendo a seu favor decisão judicial que lhe autorizou visitar o filho não foi capaz de buscar, por meio das vias legais, a efetivação da referida decisão' Neste sentido, a jurisprudência desse Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, à propósito: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. INTERESSE DO MENOR. PREVALÊNCIA. 1. Na regulamentação de guarda e de visitas deve-se atentar para o interesse do menor, buscando sempre o seu bem estar. 2. Agravo parcialmente provido." (Acórdão n.614783, 20110020183611AGI, Relator: ANTONINHO LOPES, 4a Turma Cível, Data de Julgamento: 18/01/2012, Publicado jio DJE: 06/09/2012. Pág.: 179) "AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA. SITUAÇÃO DE RISCO. INTERESSES DO MENOR. I - Nas ações de guarda, as decisões judiciais devem sempre considerar a solução que melhor resguarde os interesses do menor, os quais suplantam quaisquer outros juridicamente tutelados. II - A situação de risco vivenciada pela criança junto aos genitores, sua tenra idade e ò fato de encontrar-se estabelecida em novo ambiente familiar desde os seis meses de idade, bem como a ausência de qualquer elemento a não recomendar a manutenção do exercício da guarda por quem a detém justificam o indeferimento do pedido liminar de busca e apreensão do menor. III - Negou-se provimento ao recurso." (Acórdão n.541298, 20110020077370AGI, Relator: JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 10/10/2011, Publicado no DJE: 20/10/2011. Pág.: 171) Assim, o decisum monocratico não está a merecer reforma, razão pela qual deve ser mantido por seus próprios fundamentos.
Por outro lado, importante frisar que a regulamentação de visita pode se iniciar a qualquer momento, se advier situação favorável à aproximação ou fator que recomende a modificação no interesse da menor, que prevalece sobre os interesses da genitora.
Por essas razões, NEGO PROVIMENTO ao apelo, mantendo inalterada a r. sentença.
É o meu voto.
O Senhor Desembargador TEÓFILO CAETANO - Revisor
Com o Relator.

A Senhora Desembargadora SIMONE LUCINDO - Vogal
Com o Relator.
D E C I S Ã O
CONHECER E NEGAR PROVIMENTO, UNÂNIME.
Sobre o tema, confira-se: LUZ, Antônio Fernandes da. Laços de afeto e solidariedade nas relações parentais. In: Família e Jurisdição. Vol. II. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2008 (pp 19-20); e ANDRIGUI, Fátima Nancy; KRÜGER, Cátia Denise Gress. Coexistência entre a socioafetividade e a identidade biológica – uma reflexão. In: Família e Jurisdição. Vol. II. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2008 (pp 1-2).

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