Tenho acompanhado o trabalho dos abrigos que recebem crianças que são retiradas
de suas famílias biológicas pelas mais diversas razões. A destinação da criança ao abrigo se dá por
ordem judicial após, em geral, medidas
tomadas pelo Conselho Tutelar.
O encaminhamento, os abrigos e o
Conselho Tutelar, bem como, os demais
contornos legais relativos à proteção da
criança e do adolescente são figuras que constam do ECA – Estatuto da Criança e
Adolescente trazido pela Lei 8.069 de 1990,
modificada pela Lei 12.010 de 2009.
Evidentemente, os abrigos, quer
públicos, quer privados, são entidades que sempre lutam com grandes
dificuldades financeiras. Desnecessário estender-se em explicar as razões das
dificuldades, dada a sua obviedade.
Assim, é absolutamente normal que pessoas que tomam conhecimento da
existência dos abrigos e desejam praticar
o bem ao próximo, promovam visitas a esses locais e façam as suas doações em
roupas, brinquedos, mantimentos, etc.
Tais práticas são de grande valia para os abrigos e auxiliam a suprir parte de suas
necessidades. O Estado sozinho
não consegue dar conta de tudo.
Numa sociedade que pretende se
tornar mais solidária e preocupada com a coletividade em geral, essas práticas devem ser estimuladas e muito
bem vistas. Sem defender uma cultura
assistencialista, entendo que algumas necessidades são prementes, urgentes, e
necessitam do apoio imediato de todos que possam se dispor a auxiliar.
Pois bem. Ocorre que esta aproximação, indispensável
aliás, de auxilio aos abrigos, às vezes desperta um apego, uma empatia maior com esta ou aquela criança. Seja com
aquele bebê em especial, alérgico à
lactose e a quem se levou o leite de soja.
Seja com aquela menina para quem se levou os sapatos e agasalho de que tanto necessitava. Seja com aquela criança que simplesmente, quando se adentra ao local, corre e nos abraça forte porque sua carência
de afeto é marcante. Enfim, as situações
são diversas e as variáveis são muitas.
O fato é que, humanos e limitados
como somos, às vezes, acabamos nos
apegando mais a uma determinada criança.
E isto é absolutamente normal. Quantos pais se dão melhor com um filho
do que com o outro? Não se trata de gostar mais ou menos de um ou de outro. Trata-se de uma empatia natural do ser humano.
Por isso que somos tão amigos de certas
pessoas, de outras mais ou menos e outras simplesmente não toleramos. É uma limitação humana natural e
compreensível.
Ocorre entretanto que, algumas pessoas, com a prática do auxilio mencionado, despertam para o desejo de adoção de uma
criança. Mas não de uma criança
qualquer, mas daquela criança em particular, por quem sentem uma empatia especial. E daí nasce o erro.
A legislação determina uma ordem
de adoção. Para adotar é necessário se
inscrever no Cadastro Nacional de Adoção. Para isso é necessário ir ao Fórum da
residência e fazer a inscrição no mencionado cadastro. Há uma fila de crianças a serem adotadas e de
pessoas interessadas em adotar que deve ser observada. Vale dizer, cada um deve aguardar a chegada da
sua vez. Não significa que eu considere
justa ou injusta esta regra. O fato é que é assim que o processo esta previsto
na legislação pertinente.
Significa dizer em outras
palavras, que a probabilidade
daquela pessoa adotar aquela criança em particular é remotíssima (ou impossível) por dois
motivos, ambos de extrema
relevância. O primeiro é a existência da
fila já mencionada que será rigorosamente observada. O segundo motivo é que
aquela criança em particular, pode ainda
não estar juridicamente pronta para adoção,
vez que a legislação prevê e as autoridades judiciais são obrigadas a
cumprir, uma série de procedimentos e
providências judiciais que precedem a destituição da família biológica de origem
e a conseqüente colocação da criança na mencionada fila de adoção.
Ingressar, portanto, com um processo judicial pleiteando a adoção
daquela criança em particular, que voce tem tanta empatia, alegando que um
vinculo afetivo foi criado, não só não
vai atender o seu desejo como poderá inclusive,
e muito provavelmente, ensejar a
proibição de suas visitas ao abrigo. As
autoridades entenderão que esta se formando um vínculo afetivo inadequado entre voce e aquela criança em
especial, pois aquela criança poderá
ainda voltar a sua família de
origem, pois as possibilidades de destituição do poder familiar (ou seja, do
rompimento do vinculo jurídico com o pai, mãe, avós, ou outros parentes
próximos) podem sequer ter sido esgotadas.
Em outras palavras, um passo
equivocado na esperança da adoção pleiteada
poderá provocar uma situação muito frustrante para todos os envolvidos. Infelizmente, estas considerações não são hipotéticas. São
casos reais que tenho presenciado e constatado a enorme frustração decorrente.
Se voce tem interesse em adoção
informe-se antes sobre todos os passos
legais a serem dados. Não tome nenhuma providência legal em relação a qualquer
criança ou adolescente em particular sem antes se inteirar da situação jurídica daquela criança.
Conhecer a situação jurídica da criança ou adolescente é saber se seus parentes biológicos já foram
destituídos do poder familiar e se ela se acha em condições de adoção (
refiro-me, exclusivamente, às condições
jurídicas). É saber quais as condições da
fila de interessados em adoção de uma criança com a idade e outras
características semelhantes aquela criança.
Lembre-se ainda que os processos
de destituição do poder familiar correm
em segredo de justiça. Significa dizer que muitas vezes, mesmo procurando
legalmente essas informações voce poderá não obtê-las.
Em suma, não vai aqui qualquer
desestímulo à adoção. Ao contrário. Este alerta tem como objetivo ressaltar a
importância e indispensabilidade de seu auxílio aos abrigos em geral e, em
especial, relembrar os caminhos legais e,
principalmente, eficazes da adoção.
SILVANA MANCINI é
advogada e autora do livro “Adoção – Os Filhos do Coração” da Editora
Scortecci.
Nenhum comentário:
Postar um comentário