STJ TEM AFASTADO PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR SOB GUARDA
18 agosto 2013
Amparo previdenciário
Por Jeferson Moreira de Carvalho
A Constituição Federal em seu artigo 227 trata exclusivamente da
criança, do adolescente e do jovem e expressa que é dever da família, da
sociedade e do estado assegurar a estas pessoas, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Finda a redação
expressando que é dever colocar estas pessoas a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A interpretação literal do comando constitucional é induvidosa,
crianças e adolescentes devem receber, com absoluta prioridade,
tratamento que assegure a dignidade da pessoa, que é dos fundamentos da
República consoante prevê o artigo 1º da Constituição.
Com o fim de
permitir a praticidade do comando, foi introduzido no direito positivo
pátrio a Lei 8.069/90, conhecido Estatuto da Criança e do Adolescente,
que em seu artigo 1º fixa categoricamente: “Esta Lei dispõe sobre à
proteção integral à criança e ao adolescente.”
Também, em simples interpretação literal, está extremamente claro que crianças e adolescentes devem receber proteção integral.
A combinação da redação constitucional com a redação legal nos impõe
concluir que a ideologia da proteção integral deve ser concreta e real,
para fazer valer os direitos que asseguram a dignidade humana, como
afirmado em linhas anteriores.
Em outra oportunidade já afirmei que
“a teoria da proteção integral é a ideologia que determina que o
Estatuto da Criança e do Adolescente seja sempre aplicado em busca do
melhor interesse da criança e do adolescente, diante da situação
concreta que está sendo aplicada”. Evidente, que pelo mandamento
constitucional esta teoria ou ideologia não está circundada pelos
limites do Estatuto, mas sim se esvai para todo o ordenamento jurídico.
A situação real que vou enfrentar impõe observar a absoluta prioridade e
a teoria da proteção integral em confronto com um modo de
interpretação.
Vejamos.
Dispõe o Estatuto em seu artigo 33,
parágrafo 3º, que a guarda confere a criança ou adolescente a condição
de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive
previdenciários.
A tutela por sua vez implica necessariamente o
dever de guarda, nos termos do artigo 36, parágrafo único, logo presente
também a condição de dependência inclusive a previdenciária.
A
interpretação justa, diante da teoria da proteção integral, é que para
efeito de dependência, inclusive a previdenciária, os menores sob tutela
ou sob guarda, recebem o mesmo tratamento do filho. Não há dúvida em
relação a isto.
Então, forçoso concluir que, menores nestas
condições podem e até devem, pela responsabilidade do guardião ou tutor,
serem habilitados na previdência social pública.
Entretanto,
decisões do Superior Tribunal de Justiça tem prestigiado a interpretação
pela especialidade para afastar a teoria da proteção integral que
emerge da Constituição Federal.
Temos o que segue.
“ ... 3. A
Terceira Seção desta Corte tem entendimento pacificado no sentido de
que, no caso de menor sob guarda, norma previdenciária de natureza
especifica deve prevalecer sobre o disposto no art.33, §3º, do Estatuto
da Criança e do Adolescente...” (ROMS nª22.704,6ª Turma, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, DJE 02/08/10).
“ ... Diante desse
conflito aparente de normas, o critério que melhor soluciona a
controvérsia em exame é o da especialidade, ou seja, o diploma de
regência do sistema de benefícios previdenciários, de caráter especial,
deve prevalecer sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, este de
caráter geral no confronto com aquele sobre o tema controvertido.”(
ERESP nº696299,3ªSeção,Rel.Min.Paulo Galloti, DJE 04/08/09).
Isto significa que se órgão previdenciário não permitir a inclusão de
menores sob guarda ou tutela na condição de dependentes, estas pessoas
ficarão sem qualquer amparo previdenciário.
Também, se o órgão
previdenciário exigir o pagamento de mensalidade para que a inscrição na
qualidade de dependente seja deferida, o pagamento deve ser realizado.
Em suma, o Poder Judiciário pôs de lado o direito de dependência
previdenciária prevista pelo Estatuto, com fundamento na teoria
protetiva, prestigiando uma regra de interpretação.
Por uma questão
ética tenho que afirmar que participei de um julgamento do Tribunal de
Justiça de São Paulo, que mesmo discordando, vi-me na situação de
acompanhar o voto condutor, isto porque escorado nas diretrizes do
Superior Tribunal de Justiça, que não se limitam às mencionadas nas
linhas anteriores.
Concluindo, na resolução da presente questão, temos o seguinte:
A solução de um conflito aparente de normas pela aplicação da regra da
especialidade (lei previdenciária) em desprestigio a uma regra de
caráter geral (Estatuto da Criança e do Adolescente) se sobrepõe a uma
doutrina ou teoria (teoria da proteção integral) prevista no artigo 1º
do Estatuto, que emerge do comando constitucional previsto no artigo 227
da Constituição Federal.
O modo eleito para interpretação, com o
fim de descobrir qual norma legal a ser aplicada, qual seja a norma
especial prevalece sobre a geral é correto, entretanto data maxima venia
, no caso concreto estamos tratando de pessoas em desenvolvimento, que
por ordem constitucional exigem um tratamento diferenciado, isto é, com
prioridade e sempre protetivo.
A interpretação que está sendo dada
nos parece que afasta a dignidade da criança e do adolescente sob guarda
ou tutela, porque pode causar situação de total desamparo.
Assim,
ganham os órgãos previdenciários, ganha a administração pública, ganha o
governo, no entanto perdem crianças e adolescentes.
Jeferson
Moreira de Carvalho é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo,
professor da Escola Judiciária Eleitoral Paulista e coordenador da Área
de Direito Eleitoral da Escola Paulista da Magistratura.
Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-ago-18/jeferson-carvalho-stj-afastado-protecao-integral-menor-guarda
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