CAPITAL TERÁ VARA ESPECIALIZADA EM PROCESSOS CÍVEIS
26.08.2013
Unidade vai julgar apenas os casos de destituição do poder familiar, adoção, guarda e medidas protetivas
Mudanças no sistema judiciário de Fortaleza relativas à criança e ao
adolescente prometem agilizar tanto os processos cíveis quanto os de
adolescentes em conflito com a lei. A informação é do desembargador
Francisco Darival Beserra Primo, titular da Coordenadoria da Infância e
Juventude do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). A medida deve
beneficiar as 620 crianças e adolescentes que que superlotem os 24
abrigos da Capital.
Segundo o desembargador, até outubro próximo, o
TJCE destinará uma Vara somente para julgar os casos de destituição do
poder familiar, adoção, guarda e aplicação de medida protetiva da
população infanto-juvenil em situação de abrigo. Também está prevista a
restauração do Projeto Justiça Já, visando concluir os processos de atos
infracionais cometidos por adolescentes. A iniciativa foi criada em
1997.
De acordo com o Beserra, uma resolução está em fase de
conclusão e será encaminhada para apreciação de uma comissão especial do
TJCE. "Hoje (segunda-feira, 19), vou concluir o documento e enviarei
imediatamente para análise. Como é de interesse do próprio TJ, a
resolução não terá problemas em ser aprovada", afirma ele.
Com a
nova Vara da Infância, casos criminais e cíveis serão divididos.
Atualmente, os processos se acumulam, principalmente os relacionados aos
abrigados. Ao todo, são 3,3 mil na área infracional e 800 cíveis. "A
ideia é desafogar o Judiciário. Além disso, vamos reordenar os plantões
do fim de semana e feriados. Primeiro na Capital, depois vamos para o
Interior", garante o desembargador.
ENTRAVES
As duas
medidas, explica, irão acabar com dois gargalos no sistema judiciário da
infância e juventude da Capital: os casos dos que passam anos e anos
nos abrigos, onde chegam bebês, são "esquecidos" e perdem a
possibilidade de serem adotados, e da extrapolação do prazo da
internação provisória nas unidades de medidas socioeducativas. "O que
obriga, como no ano passado, a liberação de 2 mil adolescentes cujos
processos não foram julgados e eles tiveram que sair dessas unidades,
sendo motivo de críticas da sociedade", diz.
A especialização de uma
Vara da Infância e Juventude para os casos cíveis é bem recebida pela
Defensoria Pública do Estado, Ministério Público Estadual e entidades
como o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) e Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica). "Isso é
fundamental para resguardarmos os direitos de inúmeras crianças e
adolescentes acolhidos na Capital e que esperam anos para que seu
processo ande", frisa a coordenadora do Núcleo de Atendimento da
Defensoria Pública na Infância e Juventude (Nadij), Juliana Nogueira
Andrade.
Atualmente, ressalta o defensor público Tibério Melo,
também membro do Nadij, 620 abrigados, sendo 380 crianças e 240
adolescentes superlotam os 24 abrigos da Capital. O Tia Júlia e o Casa
Abrigo estão lotados desde setembro de 2012. "Do total, 52 meninos e
meninas estão há mais de quatro anos nas unidades e outras 113 há mais
de dois anos, o que desrespeita o Estatuto da Criança e Adolescente
(ECA)", diz.
Exemplos desse "esquecimento" não faltam. Abandonados
pelos pais, os irmãos Carlos, José e Maria (nomes fictícios) sonham com
um novo lar, enquanto aguardam que os processos para destituição do
poder familiar e, em seguida, adoção, andem na Justiça. Eles chegaram a
um dos abrigos de Fortaleza há pelo menos cinco anos. Um longo tempo de
espera que supera em 15 vezes o prazo máximo de quatro meses determinado
pelo ECA para que a Justiça resolva casos como os deles.
"O abrigo é
uma situação provisória. Com uma Vara especializada, é possível
acelerar os processos e dar um futuro para essas crianças", analisa
Tibério.
LÊDA GONÇALVES
REPÓRTER
FIQUE POR DENTRO
O QUE DIZ A LEI SOBRE PERDA DO PODER FAMILIAR
Atualmente a lei brasileira atribui igualdade de direitos entre homens e
mulheres, ou seja, igualdade de poderes entre o pai e a mãe. Assim,
tanto o pai quanto a mãe têm iguais poderes perante seus filhos, devendo
este ser compartilhado entre eles.
O poder familiar é o poder dos
pais sobre os filhos, incluindo seus direitos e obrigações. Entretanto,
muito mais do que a vontade dos pais, o que o Estado protege é o
interesse das crianças e adolescentes até atingirem a maioridade aos 18
anos. A perda do poder familiar se dá por sentença judicial em razão de
casos graves de violação dos direitos do ser humano, como por exemplo,
castigos imoderados, abandono, prática de condutas imorais, maus-tratos,
maus costumes, entre outros.
Já a guarda é uma das obrigações do
poder familiar que consiste em manter o filho menor em sua companhia,
protegendo-o e garantindo seus interesses relativos à saúde, higiene,
educação e relacionamento social. No caso de divórcio, e não havendo
acordo, o juiz determinará quem ficará com a guarda do filho, sendo o
que estiver em melhores condições financeiras de criá-lo, oferecendo
bem-estar à criança ou adolescente.
FALTAM POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MÃES
Na avaliação da presidente da Comissão da Infância e Adolescência da
Assembleia Legislativa do Ceará, deputada Bethrose, a ausência de
políticas publicas voltadas para gestantes que desejam entregar seu
filho para adoção dificulta o cumprimento efetivo da lei. Embora,
afirma, nada justifique o abandono de um filho em maternidades ou em
latas de lixo. Muitas mães desejam disponibilizar o filho para adoção,
aponta, e não querem que o mesmo passe a viver em abrigos. "Elas não têm
um programa com equipe psicossocial para, caso queiram mesmo entregar
seu filho, este possa ter seu poder familiar destituído imediatamente".
Para ela, a especialização de uma Vara da Infância em Fortaleza para
processar e julgar matéria cível pode ser o primeiro passo para a
celeridade no julgamento dessas ações, para juízes, defensores,
promotores e equipe interdisciplinar especializada e dedicada em apenas
uma causa. "Muitas vezes nos preocupamos muito com adolescentes
infratores e esquecemos de que dar o direito a uma convivência familiar a
uma criança abrigada pode salvá-la das ruas e da criminalidade", pontua
a deputada.
LUZ NO FIM DO TÚNEL PARA OS ADOLESCENTES
Para
os especialistas da área da infância e juventude, o processo de adoção
tem de ser mais ágil, padronizado e preciso. No entanto, quem passa anos
nos abrigos e não é adotado, vive, além dos traumas por abandono,
maus-tratos pela família, a ansiedade de completar a maioridade e não
ter perspectivas.
Nisso, o Projeto Casa-Lar do Pequeno Nazareno
oferece uma luz no fim do túnel para esses adolescentes. Numa residência
comum, no bairro Planalto Pici, cinco adolescentes entre 14 e 17 anos,
começaram a conviver com a comunidade local, além de estudar, ter curso
de capacitação e opção de trabalho com o Jovem Aprendiz. Tudo
acompanhado por uma equipe multidisciplinar. "É um projeto pioneiro e
busca dar autonomia aos garotos", diz a assistente social Silvana
Severo.
Crianças maiores muitas vezes são preteridas por quem quer adotar Foto: Kiko silva
Indiferença: maioria dos abrigados chegam às unidades ainda bebês e
passam anos e anos aguardando a definição da Justiça quanto ao seu
destino, se vão para a família ampliada ou para a adoção. Com isso,
muitos crescem e saem do chamado "perfil" preferido para um novo lar
Foto: Kiko silva
http://diariodonordeste.globo.com/m/materia.asp?codigo=1310174
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