NOVOS CAMINHOS: O DRAMA DE ADOLESCENTES ABRIGADOS QUE SONHAM COM UM FUTURO MELHOR
30/08/2013
Associação dos Magistrados Catarineses
Projeto desenvolvido em parceria entre AMC, Fiesc e TJ/SC promete
estudo e trabalho a jovens que deixarão casas de acolhimento em Santa
Catarina
Henrique* e José*, dois adolescentes, duas histórias
distintas e um mesmo destino: a Casa Lar Pai Herói, localizada no bairro
Real Parque, em São José. As semelhanças não param por aí. Com o mesmo
olhar sofrido, os dois lutam por uma vida diferente da que os trouxe a
morar longe da família. E a luta não é fácil. Na casa onde moram, tudo é
um pouco improvisado, assim como foi por muito tempo a vida deles. A
pequena sala abriga sofás rasgados e uma mesa com bancos de madeira. A
cozinha é pequena e os quartos apertados.
Nada disso, porém, é capaz
de minar os sonhos desses jovens. Eles decidiram que não queriam ser
vistos com olhar de pena e correram atrás de uma vida melhor longe dos
muros do abrigo. Há quase um ano, trabalham no setor administrativo de
uma empresa fornecedora de máquinas e equipamento para construção civil,
por meio do Programa Jovem Aprendiz, e fazem planos para o futuro. A
rotina é puxada. Henrique*, 15 anos, dá expediente no trabalho, pela
manhã onde, como ele mesmo conta, “já aprendi tanta coisa que nem
consigo listar” e no período da tarde vai à escola, onde cursa o 8º ano.
“Meu vocabulário mudou bastante. Gosto de ler os arquivos que tenho que
organizar e aprender palavras novas”, fala. Na Casa Lar Pai Herói mora
também com o irmão, de 14 anos, e com mais outros seis jovens com idade
entre 13 e 17 anos.
Mas até chegar à casa de acolhimento, há pouco
mais de dois anos, enfrentou uma vida de dor e sofrimento, cujas marcas
carrega até hoje. Com apenas quatro anos, viu seu pai descarregar uma
arma pelas ruas da favela onde morava. O motivo? Havia descoberto que
sua esposa estava se prostituindo e havia sido abusada. Em poucos
minutos, a polícia estava na pequena casa da família, onde viu sua mãe
atingir um policial com um machado. “Lembro que tinha muito sangue.
Depois eles bateram muito no meu pai, prenderam ele e minha mãe e
bateram na gente também. Só lembro de acordar na delegacia”, relembra.
Morou um tempo com a avó, até seus pais ganharem a liberdade. Com a
separação deles, foi morar com a mãe e o padrasto. Neste período, era
obrigado a comprar drogas para a mãe, que chegou a dar o filho para
servir o tráfico em troca de mais drogas, e passou a ser agredido pelo
padrasto. “Consegui fugir e fui morar com a minha avó”, lembra o jovem.
No novo endereço, era proibido de estudar e sair de casa. Foi quando
resolveu ir morar no abrigo. “Gosto muito de estudar e quero fazer
faculdade. Quero uma vida diferente para o meu futuro da que tive.
Jamais faria com os meus filhos nada do que passei”, diz.
A história
de Henrique se repete nas palavras do amigo e colega José, 16 anos, que
mora na Casa Lar há quatro. O olhar do jovem sorridente muda quando
lembra o motivo que o trouxe a morar longe dos familiares. Junto com a
irmã, que completou 18 anos no ano passado e teve que enfrentar o mundo
sozinha, tenta refazer a vida e encontrar nos colegas, com quem divide
as responsabilidades de manter a casa organizada, uma nova família. Com
10 anos, seu pai assassinou a sua mãe e foi preso. Chegou a morar com os
tios e padrinhos, mas preferiu vir para o abrigo, talvez para apagar as
lembranças, que não gosta de recordar. Daqui a dois anos, quando terá
que deixar o abrigo, pretende morar com a irmã e seguir carreira na
Aeronáutica.
Henrique, apesar de já estar no mercado de trabalho e
dos planos traçados, ainda tem medo do que será da sua vida daqui três
anos, quando terá que sair da Casa Lar e enfrentar o mundo sozinho. “Eu
não tenho uma família para me ajudar, nunca tive. Eu fico pensando, o
que vai acontecer quando eu tiver 18 anos?”. A resposta para a pergunta,
que se multiplica na boca dos 440 adolescentes entre 14 e 18 anos, que
integram Programas de Acolhimento em todo o Estado, pode vir por meio da
parceria entre a Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC),
Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) e Poder
Judiciário, por meio da Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude
(Ceij)cujo Termo de Cooperação, que marca o início das atividades do
projeto Novos Caminhos na região oeste do Estado, foi assinado nesta
sexta-feira, 30 de agosto, em Chapecó. O objetivo é capacitar
profissionalmente os jovens que, ao completar 18 anos, deixam os abrigos
sem nenhuma perspectiva, e inseri-los no mercado de trabalho. No
primeiro momento, o projeto vai atender 29 jovens da região Oeste e,
futuramente, 472 em todo o Estado. A próxima cidade a receber a
iniciativa será Joinville, na região Norte.
Os jovens serão
capacitados profissionalmente pelo Instituto Euvaldo Lodi (IEL), ligado
ao Sistema Fiesc, de acordo com as suas afinidades ou aptidões. Em
seguida, serão encaminhados para ocupar vagas de trabalho nos mais
diversos ramos da indústria e, por último, uma avaliação ajudará ainda
aqueles que precisam receber algum tipo de complemento na escolaridade.
“Vamos lançar o projeto piloto e validar a metodologia. Mas, o objetivo é
levá-lo para toda Santa Catarina”, explicou a coordenadora da área de
estágio do Instituto, Bianca Pauletti.
De acordo com o Desembargador
Sérgio Izidoro Heil, responsável pela Coordenadoria da Infância e
Juventude (CEPIJ), a ideia é começar as atividades de inclusão no
mercado com jovens, antes mesmo de completar os 18 anos, na faixa dos 15
anos. “Essa é uma ótima iniciativa. A Fiesc tem sido uma grande
parceria, através do Sesi e Senai, nessa parceria”, diz. Ainda de acordo
com Heil, não há assistência do Estado – existem alguns projetos, mas
são raros. “Há casos de abrigos que permitem ao jovem ficar por mais
tempo no local, até se encaminhar, mas também são poucos”, diz. Segundo a
juíza Ana Cristina Borba Alves, atualmente, são justamente as casas de
acolhimento que acabam cumprindo o papel de encaminhar esses jovens para
o mercado de trabalho. “Há locais que acabam se antecipando e tem
projetos próprios para ensinar a esses jovens uma profissão ou encontrar
um emprego”, salienta.
Segundo a Juíza Brigitte Remor de Souza May,
da Vara da Infância e da Juventude da Comarca da Capital, em
Florianópolis não existe uma política centralizada, mas as casas de
acolhimento - respeitada a faixa etária - providenciam o encaminhamento,
além da escola, para cursos profissionalizantes ou programas como o
Jovem Aprendiz, através do trabalho em rede. “Esta parceria com a Fiesc é
fundamental, pois cria oportunidades para os adolescentes acolhidos,
contribui para sua formação e estimula o exercício da autonomia”,
pontua.
Santa Catarina tem 170 Programas de Acolhimento que atendem
crianças entre zero a 18 anos, totalizando 1,5 mil crianças e
adolescentes. Segundo Mery-Ann das Graças Furtado e Silva, integrante da
Comissão Estadual Judiciária de Adoção (CEJA), muitos destes jovens têm
dificuldade de se inserirem no mercado de trabalho pela baixa
escolaridade. “São adolescentes que vem de lares desestruturados, que
muitas vezes nem frequentavam a escola”, explica. Além disso, nem sempre
os jovens que conseguem um emprego são bem aproveitados na empresa. “Há
casos das assistentes sociais encontrarem os jovens limpando o chão e
fazendo serviços gerais, quando o contrato prevê uma função
administrativa. Para eles, é necessário que o trabalho seja também um
local de aprendizado”, afirma.
Para Mery-Ann, este novo projeto é
primordial para o início da vida adulta destes jovens, dando-lhes
suporte para começar a vida sozinhos. “Não vai ser apenas um emprego,
pois a proposta é que a empresa apadrinhe esses jovens,
capacitando-lhes, dando-lhes perspectiva de futuro e um atendimento
individualizado”, ressalta.
Para o presidente da Associação dos
Magistrados Catarinenses (AMC), Sérgio Luiz Junkes, o projeto é um apoio
importante e uma grande oportunidade para que eles consigam enxergar e
traçar um futuro diferente do passado que tiveram. “É de suma
importância para resgatar a autoconfiança e autoestima destes jovens,
dando-lhes uma oportunidade que nunca tiveram: de construir uma carreira
profissional, tornarem-se independentes e poderem manter-se sozinhos.
Sabemos do trabalho árduo de muitos juízes da Vara da Infância e
Juventude quando se deparam com histórias de vida como essa. A
concretização deste projeto é uma satisfação a mais para continuar
lutando por uma história feliz para estes meninos e meninas”, fala.
*Nomes fictícios
Fonte: Associação dos Magistrados Catarineses - http://www.amc.org.br/
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