Por mauro ventura - mventura@oglobo.com.br .
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REVISTA O GLOBO: Como foi adotar três irmãos mais velhos?
MARCELO MONTEIRO: Tem gente que adota porque fez promessa. Teve doença séria e prometeu adotar caso se curasse. Tem gente que adota por medo da solidão, quer alguém que cuide na velhice. Tem gente que adota porque o casamento está em crise e acha que filho vai resolver. Eu adotei porque queria ter filho. Quando você adota criança mais velha, as pessoas glamourizam, veem como algo divino: “Isso é maravilhoso, você vai ser abençoado por Deus.” Não encaro assim, encaro como outra forma de filiação. Não foi heroísmo ou caridade, foi vontade de ser pai.
Como você e sua mulher chegaram a eles?
A Vara da Infância e da Juventude nos contactou: “São três crianças e não duas, e estão acima da faixa que vocês querem, mas por que não vão ao abrigo, passam a tarde, brincam?” Ao conhecê-los, não foi um momento mágico. Não vimos estrelinha, ouvimos sininho, nada disso. Vimos ali a possibilidade de se formar uma família. Saímos e já no carro começamos a fazer contas para ver se dava. No fim do dia, tomamos a decisão.
Mas o perfil era diferente do que vocês queriam...
Você faz uma idealização, mas quando conhece a criança real vê que perfil é uma palavra sem emoção nenhuma. Ela também vai falar papai e mamãe. Meus filhos adquiriram até meus defeitos. Kaio me imita quando estou com raiva. É igual a filho biológico. Um colega diz: só vou ter um filho, vai ser educado, falar três línguas, fazer Medicina. Eu falo: “Já combinou isso com ele?” Educar filho dos outros é fácil, principalmente se você não tem filho. Você vira um grande especialista. Difícil é educar seu filho.
Como eles chegaram?
Analfabetos, com subnutrição aguda. Não sabiam o sobrenome, as cores, os dias da semana. Os mais velhos pediram para ir ao shopping. Pareciam pavões de tão satisfeitos. Tinham tentado muitas vezes e sido expulsos. Dessa vez foi como: “Agora eu posso, ninguém vai me botar para fora.” Uma grande dificuldade foi a linguagem. Quando faziam algo errado e conversávamos, por mais que usássemos as palavras mais simples não entendiam 90%. Parecia que estavam sendo irônicos, mas é que faltava vocabulário. E trouxeram uma carga muito pesada. Alexandre batia muito na irmã, não respeitava a autoridade da professora. No começo, dizíamos: “Eles precisam mudar.” Mas a gente não se tocava de que também tinha que mudar para aceitá-los.
Essas crianças mais velhas chegam com muitas defesas?
Elas criam uma capa de proteção meio inconsciente. Já sofreram tanta rejeição que não querem mais passar por esse tipo de frustração. Fazem de tudo para não se envolver. É como se pensassem: “Se minha própria família de origem não foi capaz de me proteger, por que essas pessoas vão me dar o que nunca tive?” Para superarmos isso, só tempo, paciência e amor. E limites.
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