13/08/2013 09
Seja pela adoção ou pela produção independente, país experimenta nova
definição de família: mais flexível, mais democrática e mais plural
Maria Júlia Lledó
Revista CB Publicação
A professora universitária Ana Cláudia Farranha, 43 anos, desdobra-se
em duas, três, quatro versões de si para criar e educar Maria Carolina, 7
anos. Pela manhã, bem cedo, desperta a filha para o café da manhã e a
deixa no colégio. Pega a estrada e dirige 40 quilômetros, todos os dias,
para dar aulas de manhã, à tarde e, muitas vezes, à noite, no câmpus da
Universidade de Brasília (UnB) em Planaltina. Mesmo assim, é ela quem
busca a filha nas aulas de inglês e na natação. Pausa para o jantar e
novo fôlego: lado a lado, farão, cada uma, os “deveres de casa”. Apesar
desse exaustivo corre-corre, Ana Cláudia não reclama. Teve plena
consciência de que, ao adotar Maria Carolina, quando a menina tinha
apenas um ano, seria mãe solteira e teria o dobro de tarefas que
famílias formadas por casais. O importante era realizar um sonho: ser
mãe. O caso de Ana Cláudia ilustra uma nova configuração familiar que
vem despertando mudanças na sociedade.
Dados do último Censo do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010, indicam uma
elevada porcentagem de famílias formadas por mulheres sem cônjuge e com
filhos. No Distrito Federal, esse número chama ainda mais a atenção:
56,7% (três pontos percentuais acima da média nacional). A sondagem
aborda os núcleos monoparentais indistintamente. Entram na conta, por
exemplo, as viúvas e as divorciadas.
ANA CLÁUDIA PROCURA CONVERSAR SOBRE A ADOÇÃO DE MARIA CAROLINA COM O MÁXIMO DE SINCERIDADE
“Mais de um terço das famílias brasileiras é monoparental. Quase a
totalidade delas sob a responsabilidade de mulheres, situando-se entre
os domicílios de mais baixa renda do país. As mães hoje são provedoras,
cuidadoras, chefes de família, trabalhadoras em um mercado que ainda
lhes paga salários inferiores aos dos homens, agravando a situação de
grupo significativo de mulheres, que, inclusive, não tinha a expectativa
de criar filhos sozinhas”, analisa a socióloga Ana Liési.
Se por um
lado existe a condição de mãe solteira imposta, por outro, desponta um
perfil radicalmente diferente: o das mulheres que optaram pela
maternidade sem cônjuges. Para a antropóloga Mirian Goldenberg,
estaríamos experimentando uma nova definição de família: “Mais flexível,
mais democrática e mais plural”. São mães solteiras que, ao deixar de
lado modelos rígidos, fizeram uma escolha deliberada por novos
contextos. Quem observa esse fenômeno é a professora de sociologia
Lourdes Maria Bandeira, da Universidade de Brasília (UnB). “Essa nova
constituição familiar teve maior visibilidade a partir do século 21,
porque a ideia de conjugalidade para se ter um filho deixou de ser
condição”, adianta. Aliada a essa mudança, outros dois fatores, segundo a
professora, respondem pelo perfil de uma nova mãe solteira, não mais
restrita à ideia de “mulher abandonada com os filhos”.
"Sempre
contei que não era casada e que queria muito ter uma filha como ela.
Maria Carolina sabe que existem um pai e uma mãe biológicos. Já falei
que, quando ela for mais velha, mais madura e puder entender melhor as
coisas, poderá procurá-los. Eu sempre serei a mãe dela." - Ana Cláudia
Farranha, 43 anos, mãe de Maria Carolina, 7
“A família não precisa
mais ser a tradicional pai + mãe + filho. Ela pode ser pai + filho, pai
+ pai + filho, entre outros moldes. Outro fator: temos uma dedicação
maior de tempo à qualificação profissional e isso acaba adiando uma
proposta de um relacionamento com vistas à família com filhos. O que faz
com que essas mulheres tenham a livre opção por ter uma produção
independente ou por adotar uma criança, independentemente de terem ou
não um parceiro. A decisão passa a ser puramente delas”, constata a
socióloga.
Ana Cláudia Farranha faz parte desse grupo, cuja
especificidade ainda não foi desvendada pelas pesquisas quantitativas.
Mas a professora arrisca um diagnóstico: estamos diante de uma nova
geração de mães solteiras disposta a recorrer à adoção ou à reprodução
assistida. “Nossa escolha por ser mãe solteira não foi imposta. Nem
esperamos que um dia surja um pai para a criança”, explica.
Terminado um casamento de 10 anos com um homem que não queria ter
filhos, Ana Cláudia maturou a decisão de embarcar na maternidade. Há
seis anos, adotou Maria Carolina — uma menina de cabelos encaracolados
como os da mãe. A garota, hoje com 7 anos, pergunta-lhe sobre sua
origem. Ana Cláudia optou por contar a verdade. “Falo da adoção desde o
dia em que ela me perguntou”, conta.
Na escola, Maria Carolina e
outros coleguinhas que experimentam um núcleo familiar diferente do
“pai, mãe e filhos” veem com mais naturalidade famílias com duas mães,
pais separados, um avô/pai ou uma mãe solteira. Tanto que, na escola, em
vez de Dia das Mães e dos Pais, adotou-se o Dia da Família. “Dessa
forma, criam-se novos laços sociais importantes e conquistamos novos
direitos. Hoje, por exemplo, não é mais o registro do nome do pai e da
mãe que consta na certidão de nascimento e no RG, mas o de filiação. No
caso de famílias monoparentais, a filiação é de um pai ou de uma mãe.
Minha filha tem na filiação o meu nome. Ou seja, no papel, não há mais a
figura do ‘pai desconhecido’”, celebra Ana Cláudia.
O novo modelo
de preenchimento da certidão de nascimento e do registro civil foi
instituído pelo Conselho Nacional de Justiça em 2009. Para a advogada
Fabiana Gadelha, trata-se de um grande avanço não só para as novas
constituições familiares. “A partir do momento em que falo de filiação, e
não mais de pai ou mãe, amplio a questão da diversidade familiar da
qual todos fazemos parte nas últimas décadas.”
http:// sites.correioweb.com.br/app/ 50,114/2013/08/13/ noticia_saudeplena,144227/ mulheres-que-criam-filhos-sozin has-sao-maioria-no-brasil.shtm l
13/08/2013 09
Seja pela adoção ou pela produção independente, país experimenta nova definição de família: mais flexível, mais democrática e mais plural
Maria Júlia Lledó
Revista CB Publicação
A professora universitária Ana Cláudia Farranha, 43 anos, desdobra-se em duas, três, quatro versões de si para criar e educar Maria Carolina, 7 anos. Pela manhã, bem cedo, desperta a filha para o café da manhã e a deixa no colégio. Pega a estrada e dirige 40 quilômetros, todos os dias, para dar aulas de manhã, à tarde e, muitas vezes, à noite, no câmpus da Universidade de Brasília (UnB) em Planaltina. Mesmo assim, é ela quem busca a filha nas aulas de inglês e na natação. Pausa para o jantar e novo fôlego: lado a lado, farão, cada uma, os “deveres de casa”. Apesar desse exaustivo corre-corre, Ana Cláudia não reclama. Teve plena consciência de que, ao adotar Maria Carolina, quando a menina tinha apenas um ano, seria mãe solteira e teria o dobro de tarefas que famílias formadas por casais. O importante era realizar um sonho: ser mãe. O caso de Ana Cláudia ilustra uma nova configuração familiar que vem despertando mudanças na sociedade.
Dados do último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010, indicam uma elevada porcentagem de famílias formadas por mulheres sem cônjuge e com filhos. No Distrito Federal, esse número chama ainda mais a atenção: 56,7% (três pontos percentuais acima da média nacional). A sondagem aborda os núcleos monoparentais indistintamente. Entram na conta, por exemplo, as viúvas e as divorciadas.
ANA CLÁUDIA PROCURA CONVERSAR SOBRE A ADOÇÃO DE MARIA CAROLINA COM O MÁXIMO DE SINCERIDADE
“Mais de um terço das famílias brasileiras é monoparental. Quase a totalidade delas sob a responsabilidade de mulheres, situando-se entre os domicílios de mais baixa renda do país. As mães hoje são provedoras, cuidadoras, chefes de família, trabalhadoras em um mercado que ainda lhes paga salários inferiores aos dos homens, agravando a situação de grupo significativo de mulheres, que, inclusive, não tinha a expectativa de criar filhos sozinhas”, analisa a socióloga Ana Liési.
Se por um lado existe a condição de mãe solteira imposta, por outro, desponta um perfil radicalmente diferente: o das mulheres que optaram pela maternidade sem cônjuges. Para a antropóloga Mirian Goldenberg, estaríamos experimentando uma nova definição de família: “Mais flexível, mais democrática e mais plural”. São mães solteiras que, ao deixar de lado modelos rígidos, fizeram uma escolha deliberada por novos contextos. Quem observa esse fenômeno é a professora de sociologia Lourdes Maria Bandeira, da Universidade de Brasília (UnB). “Essa nova constituição familiar teve maior visibilidade a partir do século 21, porque a ideia de conjugalidade para se ter um filho deixou de ser condição”, adianta. Aliada a essa mudança, outros dois fatores, segundo a professora, respondem pelo perfil de uma nova mãe solteira, não mais restrita à ideia de “mulher abandonada com os filhos”.
"Sempre contei que não era casada e que queria muito ter uma filha como ela. Maria Carolina sabe que existem um pai e uma mãe biológicos. Já falei que, quando ela for mais velha, mais madura e puder entender melhor as coisas, poderá procurá-los. Eu sempre serei a mãe dela." - Ana Cláudia Farranha, 43 anos, mãe de Maria Carolina, 7
“A família não precisa mais ser a tradicional pai + mãe + filho. Ela pode ser pai + filho, pai + pai + filho, entre outros moldes. Outro fator: temos uma dedicação maior de tempo à qualificação profissional e isso acaba adiando uma proposta de um relacionamento com vistas à família com filhos. O que faz com que essas mulheres tenham a livre opção por ter uma produção independente ou por adotar uma criança, independentemente de terem ou não um parceiro. A decisão passa a ser puramente delas”, constata a socióloga.
Ana Cláudia Farranha faz parte desse grupo, cuja especificidade ainda não foi desvendada pelas pesquisas quantitativas. Mas a professora arrisca um diagnóstico: estamos diante de uma nova geração de mães solteiras disposta a recorrer à adoção ou à reprodução assistida. “Nossa escolha por ser mãe solteira não foi imposta. Nem esperamos que um dia surja um pai para a criança”, explica.
Terminado um casamento de 10 anos com um homem que não queria ter filhos, Ana Cláudia maturou a decisão de embarcar na maternidade. Há seis anos, adotou Maria Carolina — uma menina de cabelos encaracolados como os da mãe. A garota, hoje com 7 anos, pergunta-lhe sobre sua origem. Ana Cláudia optou por contar a verdade. “Falo da adoção desde o dia em que ela me perguntou”, conta.
Na escola, Maria Carolina e outros coleguinhas que experimentam um núcleo familiar diferente do “pai, mãe e filhos” veem com mais naturalidade famílias com duas mães, pais separados, um avô/pai ou uma mãe solteira. Tanto que, na escola, em vez de Dia das Mães e dos Pais, adotou-se o Dia da Família. “Dessa forma, criam-se novos laços sociais importantes e conquistamos novos direitos. Hoje, por exemplo, não é mais o registro do nome do pai e da mãe que consta na certidão de nascimento e no RG, mas o de filiação. No caso de famílias monoparentais, a filiação é de um pai ou de uma mãe. Minha filha tem na filiação o meu nome. Ou seja, no papel, não há mais a figura do ‘pai desconhecido’”, celebra Ana Cláudia.
O novo modelo de preenchimento da certidão de nascimento e do registro civil foi instituído pelo Conselho Nacional de Justiça em 2009. Para a advogada Fabiana Gadelha, trata-se de um grande avanço não só para as novas constituições familiares. “A partir do momento em que falo de filiação, e não mais de pai ou mãe, amplio a questão da diversidade familiar da qual todos fazemos parte nas últimas décadas.”
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