segunda-feira, 19 de agosto de 2013

ANÁLISE CRÍTICA DO INSTITUTO DA ADOÇÃO NOS TEMPOS MODERNOS


Matheus Farinhas de Oliveira

Adoção, segundo o dicionário da língua portuguesa, significa: “aceitar como filho, perfilhar;2. Escolher, eleger; 3. Seguir”[1]. O significado é, portanto, autoexplicativo. Adotar é o ato de aceitar como filho, escolher, eleger e seguir o indivíduo para sempre. Para o eminente jurista Clóvis Beviláqua, adoção “é o ato civil pelo qual alguém aceita um estranho como filho”[2].
Dessa sorte, a adoção possui como características a irrevogabilidade, porquanto após o ato jurídico de adoção não cabe o arrependimento. Consubstanciando a não diferenciação entre os filhos biológicos e os havidos por adoção, o Código Civil em seu artigo 1596, bem como o art. 20 do Estatuto da Criança e do Adolescente, aduzem:
“Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
O referido instituto é necessário para que seja possível a efetivação do preceito constitucional referente ao dever do estado, da família, bem como da sociedade em garantir à criança e ao adolescente :
ART. 227 (...) com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Ora, nos casos em que a família biológica abandona o menor, fato é que passa ao estado o dever de zelar por essas garantias fundamentais, afora este ter que propiciar uma possível readequação em outra família que atribua ao jovem uma condição digna existencial, objetivando o escorreito desenvolvimento social e educacional do menor.
A Constituição Federal prevê a licença à gestante no capítulo denominado “Direitos Sociais”, mais especificamente no art. 7º, XVIII que trata dos direitos dos trabalhadores, rurais ou urbanos. O poder constituinte originário; preocupado com a situação diferenciada das mulheres que, hodiernamente, são obrigadas a enfrentar o mercado de trabalho para ajudar com o orçamento doméstico, bem como sua especial vocação e desejo por darem à luz; instituiu a licença maternidade que terá duração de cento e vinte dias, sendo vedado ao empregador demiti-la ou descontá-la pelo período da referida licença.
Ademais, a Consolidação das Leis trabalhistas prevê que a confirmação do estado gravídico, ainda que nos casos de aviso prévio trabalhado, garante à gestante a estabilidade provisória consubstanciada na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, qual seja a estabilidade desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Não obstante o acerto do constituinte originário quando dispôs acerca do tema, a doutrina tem criticado de forma quase uníssona a atribuição de meros cinco dias para a licença ao pai da criança, por ser uma afronta ao princípio da isonomia.
Isto posto, uma vez que a adoção é um instituto criado para que seja possível dar àquelas crianças desprovidas de amor e carinho por sua família biológica, normalmente abandonadas em abrigos, o laço familiar para um desenvolvimento mais completo e harmonioso, por se consubstanciar em uma perfilhação de alguém desconhecido, mister que se tenha ainda mais cuidado quando se fala do tempo que essa criança terá de contato com a família adotante.
Assim, a discussão do tempo no qual a criança deve ficar no convívio dos país adotantes é fundamental, pois será um tempo de adaptação: A um para os pais que, malgrado tenham muitas vezes realizado um sonho, devem se adaptar a uma nova realidade; a dois para a própria criança em se adaptar ao novo seio familiar.
Segundo a antiga redação da CLT, no seu art. 392-A:
“Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392, observado o disposto no seu § 5o.§ 1o No caso de adoção ou guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, o período de licença será de 120 (cento e vinte) dias.§ 2o No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 1 (um) ano até 4 (quatro) anos de idade, o período de licença será de 60 (sessenta) dias.§ 3o No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 4 (quatro) anos até 8 (oito) anos de idade, o período de licença será de 30 (trinta) dias.§ 4o A licença-maternidade só será concedida mediante apresentação do termo judicial de guarda à adotante ou guardiã”
O legislador diferenciava, portanto, o tempo de contato entre os adotantes e os adotados pela idade deste último. A melhor doutrina, contudo, voltava-se contra a referida opção legislativa. O critério adotado pelo legislador foi infeliz. Ora, quanto mais elevada é a idade do agente, maior é a sua dificuldade para se adaptar ao novo seio familiar, porquanto já se encontra condicionado pelas antigas experiências de vida. Nesse viés, incompreensível a referida posição legislativa.
No que se refere à licença paternidade, não há norma legal asseverando sobre o caso de pai adotante. Não obstante, tem-se entendido que nesses casos, deve-se adotar a regra da licença paternidade nos casos de paternidade biológica.
Deve-se, contudo, fazer uma crítica a este posicionamento. Nos casos de adoção, há, como já aduzido acima, maior dificuldade de adaptação da criança, porquanto, em regra, advinda de outro seio familiar. Assim, deve-se ter um tempo maior de adaptação desta com a família como um todo, incluindo o convívio com o pai adotante.
A fortiori seria, portanto, a adoção extensiva dos 120 dias para todos os casos de adoção, não havendo discriminação quanto ao sexo do adotante, bem como se foi realizado por pares ou por uma pessoa apenas.
Segundo ilustre advogada atuante na área de família:
“Tanto o pai biológico quanto o pai adotante têm a desvantagem, digamos assim, de não vivenciar o forte lastro da gestação. Estudos mostram, por exemplo, que até mesmo uma cesariana pode abalar, de certa forma, o vínculo natural entre mãe e bebê. Vínculo este que será reconstituído ao longo dos meses, por meio do cuidado, carinho e atenção. Ora, é justamente para estabelecer o que a natureza não propiciou que estes pais necessitam de um tempo maior em casa”[3].
Ademais, hodiernamente outro caso se amonta de grande importância. Após as recentes conquistas dos homossexuais, no que se refere aos direitos de união estável, bem como de casamento; como deveria se dar o tempo de licença aos adotantes oriundos de uniões homoafetivas?
O conceito de família é um preceito fundamentalmente influenciado pelas condições sociais e aportes culturais de determinado momento da sociedade. É, portanto, um conceito mutável que tende a ser alterado com o passar do tempo e com as mudanças normais que ocorrem na sociedade. Atualmente, manifesta-se um “novo tipo” de família, até então rejeitada pela sociedade pelos preconceitos que sempre a seguiu, qual seja: a homoafetivas, composta por agentes do mesmo sexo.
Até hoje não existe, em âmbito legiferante, normatização no que se refere a este tipo de união. Contudo, os tribunais tem sido chamados a ser pronunciar acerca dessas questões e tem - através do non liquet, ou seja, a vedação de não se manifestar nos casos de provocação - garantindo os direitos desses casais e estendendo a esses todos os direitos garantidos pela CF aos casais heterossexuais.
“EMENTA - APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNI DADE DA PESSO AHUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetivas mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a t ut ela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo”[4]
Não obstante aparente omissão legislativa, deve-se aduzir que a Lei Maria da Penha, nos artigos 2º e 5º, parágrafo único, deixou claro que não importa qual a orientação sexual da mulher, porquanto esta estará protegida pela referida lei de qualquer forma.
A adoção homoparental, por casais homoafetivos já é uma realidade no Brasil, conforme paradigmático precedente oriundo da Apelação Cível N º 1998.001.14332, julgada pelo Tribunal do Estado do Rio de Janeiro, interposta pelo Ministério Público, contra adoção de um menor por um homem declaradamente homossexual:
“Adoção cumulada com destituição do pátrio poder. Alegação de ser homossexual o adotante. Deferimento do pedido. Recurso do Ministério Público. 1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais) considerado que o adotado, agora com dez anos sente agora orgulho de ter um pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idade, atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) e desejados por toda a sociedade. 2. Sendo o adotante professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção, a ele entregue, fator de formação moral, cultural e espiritual do adotado. 3. A afirmação de homossexualidade do adotado, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre a cuja atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros jovens. Apelo improvido”[5]
Dessa sorte, não pode-se admitir a ideia ainda presente na nossa sociedade, qual seja a de que uma criança criada em lar de homoafetivos tornar-se-á homossexual. "Basta ler acerca de estudos científicos feitos com homossexual e com heterossexuais, a exemplo da Harvard Law Review ,que confirma que a prole de homossexuais não está mais propensa a sentir desejo pelo mesmo sexo, com a natural convivência”[6]
Conclui-se, portanto, que as sociedades possuem estigmas que são postos por uma diversidade de fatores que influenciam de forma direta os integrante desta. Estes estigmas são volúveis e dependem principalmente dos rumos sociais e políticos que essa sociedade toma.
Nesse sentido, o constituinte garantiu a isonomia como um dos alicerces do estado democrático social de direito, que é norteado pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, a isonomia nada mais é do que tratar o agente com dignidade idêntica aos que estão na mesma situação.
A partir do momento que se garantiu aos pares homoafetivos o direito da união estável, bem como o direito ao casamento civil, restou mister que o Estado se pronunciasse acerca do direito desse novo núcleo familiar em garantir seu direito à paternidade.
Destarte, permitiu-se que os casais homoafetivos adotassem, porquanto comprovadamente cumprem os requisitos à adoção, quais sejam: uma família que possa de fato oferecer ao adotado um escorreito desenvolvimento educacional e social. Quedou-se desprovida de qualquer fundamento as opiniões que são sumariamente contra a referida adoção sob o critério de afetação da orientação sexual dessas crianças adotadas, porquanto comprovadamente a criação por casais homoafetivos não determina a orientação sexual da criança adotada.
Dessa sorte, bastante claro é que o estado possui a obrigação de conceder aos adotantes, sejam eles um casal de homossexuais, com dois homens ou com duas mulheres, os mesmos direitos que deveriam ser atribuídos aos adotantes heterossexuais, quais sejam: o direito de gozar de uma licença de 120 dias, bem como um período de estabilidade.
BIBLIOGRAFIA
DOUTRINA
DINIZ , Maria Aparecida Silva Matias. Adoção por pares homoafetivos. Uma tendência da nova família brasileira. Jus Navigandi , Teresina, ano 13 (/ revista/ edições/ 2008), n. 1985 (/ revista/edições/ 2008/ 12/ 7), 7 (/ revista/edições/ 2008/ 12/ 7) dez. (/ revista/ edições/ 2008/ 12) 2008 (/ revista/ edições/ 2008) .Disponível em: . Acesso em: 26 maio 2013.
FILHO, Artur Marques da Silva. Adoção. Editora RT. 1997.
ZEGER, Ivone. Adotantes avançam na conquista por licença-paternidade. Revista Consultor Jurídico. 1º de março de 2013. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-mar-01/ivone-zeger-homens-adotantes-avancam-conquista-licenca-paternidade
>. Acesso em: 26 maio 2013.
JURISPRUDÊNCIA
TRI BUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Acórdão: Apelação Cível – Processo 1998. 001. 14332 Relator: Desembargador Jorge Magalhães Julgamento: 23. 03. 1999 – Nona Câmara Cível.
TJRS Ap Civ 70012836755 – 7ª CC
– j. 21. 12. 2005 – rel. Des. Maria Berenice Dias.
[1] Minidicionário SOARES AMORA.ed. saraiva. 6ª edição.
[2] Clóvis Beviláqua apud FILHO, Artur Marques da Silva. Adoção. Editora RT. 1997. P.58.
[3] ZEGER, Ivone. Adotantes avançam na conquista por licença-paternidade. Revista Consultor Jurídico. 1º de março de 2013. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-mar-01/ivone-zeger-homens-adotantes-avancam-conquista-licenca-paternidade
>. Acesso em: 26 maio 2013.
[4] TJRS Ap Civ 70012836755 – 7ª CCC– j. 21. 12. 2005 – rel. Des. Maria Berenice Dias.
[5] TRI BUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Acórdão: Apelação Cível – Processo 1998. 001. 14332 Relator: Desembargador Jorge Magalhães Julgamento: 23. 03. 1999 – Nona Câmara Cível.
[6] DINIZ , Maria Aparecida Silva Matias. Adoção por pares homoafetivos. Uma tendência da nova família brasileira. Jus Navigandi , Teresina, ano 13 (/ revista/ edições/ 2008), n. 1985 (/ revista/edições/ 2008/ 12/ 7), 7 (/ revista/edições/ 2008/ 12/ 7) dez. (/ revista/ edições/ 2008/ 12) 2008 (/ revista/ edições/ 2008) .Disponível em: . Acesso em: 26 maio 2013.
http://matheus456.jusbrasil.com.br/artigos/111741747/analise-critica-do-instituto-da-adocao-nos-tempos-modernos?ref=home

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