Tamanho da fonte: A- A+ Por: Mateus Almeida 25/08/2013
Atualmente, a formação clássica ‘casal com filhos’ representa 49,9%
dos domicílios brasileiros, enquanto outros tipos de famílias já somam
50,1%, segundo o IBGE
Basta olhar para o lado para observar como os conceitos são
efêmeros. O que é natural para determinada mentalidade pode parecer
inconcebível em outra. A “normalidade” passa a depender do seu contexto
histórico, social e religioso de quem a interpreta. Exemplo disto são
pesquisas recentes que revelam que a família é uma instituição em
constante movimento e sujeita a determinações econômicas que forçam
reorganizações e, consequentemente, novas formas de relacionamento com
parentes, novas organizações familiares, para dar respostas às
necessidades e mudanças causadas.De acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) existe uma nova configuração. Atualmente, a formação clássica ‘casal com filhos’ representa 49,9% dos domicílios, enquanto outros tipos de famílias já somam 50,1%; são 10,197 milhões de famílias em que só há mãe ou pai; em 37% dos lares, as mães já são as principais responsáveis pelo sustento e existem pelo menos 60 mil famílias homoafetivas, das quais 53,8% são formadas por mulheres.
Aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em maio deste ano, a Resolução de número 175 obriga os cartórios do Brasil a celebrar o casamento civil e converter a união estável homoafetiva em casamento. Mas o que isso quer dizer na prática?
“Foi aberta uma porta muito grande para o reconhecimento do casamento. A partir de então está abolida a ideia de se recusar celebração de casamento civil ou conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Apesar de termos tido mudanças bem significativas recentemente no Brasil, temos tido algum avanço. Mas não existe nenhuma legislação sobre o tema. E é isso que falta”, analisa a advogada e presidente da Comissão de Direito Homoafetivo – OAB/RJ, Raquel de Castro.
Após ter o casamento civil autorizado no cartório, o casal gay obtém direitos a mais do que os previstos anteriormente na união estável. Um deles corresponde à herança. No casamento civil, dependendo do regime de bens acertado entre os dois, um dos cônjuges tem direito a receber parte da herança. Na união estável era necessário que se dependesse de um testamento para que se assegurasse essa apropriação.
“A união estável tem direitos e consequências. Um dos direitos que você tem é a possibilidade de se converter essa união estável em casamento, que é o que a própria Constituição diz. Então, se pode reconhecer a união estável de pessoas do mesmo sexo e se um dos direitos dos companheiros é converter essa união estável em casamento, não se tem um porquê de não casar pessoas do mesmo sexo”, completa.
Outro direito recém-adquirido pelos casais homoafetivos foi a resolução publicada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) liberando a reprodução assistida. Em 9 de maio de 2013 foi reconhecido o interesse dos gays em fazer tratamentos de fertilização em clínicas especializadas.
“A nova norma editada pelo Conselho Federal de Medicina, publicada no início de maio desse ano, deixou claramente no texto a possibilidade de fazer o procedimento de reprodução assistida para casais homoafetivos. Antigamente, era possível esbarrar em um preconceito mais forte, ainda com um pouco de dificuldade por conta da mentalidade da sociedade”, explica Raquel.
E foi assim que Fernanda Araújo, psicóloga de 34 anos, e sua companheira Judith Costa, técnica de informática, 30, resolveram formar a família. Apesar dos cachorros movimentando a casa, faltava um filho. E o menino está a caminho, já com seis meses crescendo na barriga da Fernanda.
“Eu fui casada por dez anos e, juntas, tentamos engravidar. A minha companheira na época fez a fertilização por duas vezes. Em meio a essas tentativas e frustrações, o relacionamento foi se desgastando. Nos separamos, mas mantive a ideia de que iria engravidar e ter o meu filho sozinha, caso fosse necessário. Continuei procurando clínicas para dar prosseguimento e nisso eu conheci a Judith. Fui clara com ela, logo de início: ‘Acabei de terminar um relacionamento e estou querendo ter filho’. Ela embarcou na minha ideia”, lembra Fernanda.
E Judith embarcou de corpo, alma e, sobretudo, dedicação. “Nesse um ano que estamos juntas, passamos a procurar a clínica que fizesse o tratamento e já de primeira a Fernanda engravidou. Foi uma alegria, porque eu sempre me imaginei sendo mãe e ter essa oportunidade é indescritível”, se entusiasma.
Mesmo com tanta mudança e reconhecimento de direitos, ainda existe cautela no que diz respeito ao preconceito. E essa preocupação se estende a quem ainda pouco entende de uma postura tão rasa. “As famílias, em seus núcleos, têm as suas diferenças e peculiaridades. A do nosso filho vai ser uma família com duas mães. Assim como vão ter outros coleguinhas da escola dele que podem ter dois pais, um pai ou uma mãe. Estamos acostumados com um padrão de família, mas com o tempo isso vai mudar. Quando ele crescer, pode ser que a configuração da família esteja encaixada em outra forma e vai ser assim para sempre, mudando e se adaptando”, diz Fernanda.
Judith completa: “Como todas as mães, nós nos preocupamos e fazemos planos para o nosso filho. Por vezes, ficamos pensando como vai ser na escola, na vida dele. Mas a nossa preocupação é prepará-lo para lidar com qualquer diversidade e opinião contrária à realidade dele”.
A formação da família de Fernanda e Judith foi possível com o tratamento desenvolvido pelo programa do médico especialista em reprodução assistida e diretor do Centro de Medicina Reprodutiva Pró-Fértil, Marco Antonio Lourenço. O programa especial prevê acompanhamento de casais homoafetivos quando a escolha é pela reprodução assistida.
“O programa não surgiu como uma questão de direcionamento, até porque aqui na clínica nós atendemos a todas as pessoas que precisam recorrer à técnica de fertilização in vitro. Mas o programa existe como uma possibilidade de estender aos casais homoafetivos. É uma mentalidade completamente natural diante da nossa realidade de hoje. A partir do momento que você manifesta essa natural possibilidade dos casais homoafetivos participarem do tratamento, como os casais heterossexuais, você simplifica o sistema. A maior dificuldade que enfrentamos é com os casais de homens que precisam contar com a barriga solidária”, esclarece Marco Antonio.
Questão delicada no que diz respeito à reprodução assistida, a barriga solidária permite aos casais homoafetivos masculinos a oportunidade de se proceder uma gestação em um útero cedido por uma mulher. “O Conselho Federal de Medicina normatiza que essa prática precisa seguir certas questões de praxe como, por exemplo, parentesco de até quarto grau de um dos dois envolvidos para gerir o embrião. Essa limitação engloba mães, avós, irmãs, tias e primas como doadoras do útero”, explica.
Outro caminho viável para formar uma família é a adoção. Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) há cerca de seis mil crianças ou adolescentes esperando uma família e cerca de 30 mil famílias que esperam uma criança.
Juntos há nove anos com união estável e há dois meses com casamento civil, os pastores da Igreja Cristã Contemporânea Fabio Inacio, de 33 anos, e Marcos Gladstone, 36, sofreram perante o dilema da fé versus opção sexual. “Nós dois fomos noivos de mulheres anteriormente. Lutamos contra a nossa essência por muito tempo”, lembra Fabio.
Bastaram dois anos casados para decidirem dar entrada no processo de adoção. O plano inicial era um menino, mas a família aumentou um pouco mais do que o esperado. “As duas crianças chegaram para a gente semianalfabetas e hoje estão superbem na escola. Foi um processo de adaptação tanto deles quanto nosso. Mas tratam com a maior naturalidade e nunca sentiram falta da figura de uma mãe. São agradecidos por estarem com a gente”, conta.
Casos como o da família de Fabio e Marcos são resolvidos através do Estatuto da Criança e do Adolescente, que os processos de adoção são encaminhados. “A adoção por casais homoafetivos já vinha sendo feita no Brasil. No estatuto diz que para uma pessoa adotar em conjunto com outra ela precisa comprovar casamento ou uma união estável. Mas, pelo menos no Tribunal do Rio de Janeiro, essa adoção já vinha sendo feita sem grandes problemas”, considera Rachel.
De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU em 1948, garante o direito da pessoa de casar e de constituir família, sem restrição de raça, gênero, nacionalidade ou religião. Então, seja por reprodução assistida ou por adoção, as famílias estão por ser formadas. E sobra afeto, dos dois lados.
O FLUMINENSE
http://www.ofluminense.com.br/editorias/revista/casais-homoafetivos-vivem-momento-de-novas-conquistas
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