segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Parentalidade socioafetiva. Desbiologização da paternidade


Tribunal TJSC
Data: 30/09/2013
(...) No moderno Direito de Família, a paternidade tem como traço essencialmente preponderante a socioafetividade. Disso resulta que, na atualidade, a paternidade socioafetiva assumiu o 'status' de gênero, do qual são espécies a paternidade biológica e a não biológica. A desbioligização da paternidade, identifica pais e filhos não consanguíneos, mas que, unidos por vínculos de afeto, solidificaram ou formaram uma verdadeira filiação psicológica, que se sobrepõe à filiação biológica. (...)  As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável reforço ao esvaziamento biológico da paternidade (...) (TJSC, Relator: Des. Trindade dos Santos, 2ª Câmara de Direito Civil, j. 19/06/2013)



Apelação Cível n. 2012.064587-0, de Içara
Relator: Des. Trindade dos Santos
NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. REVELIA DO MENOR DEMANDADO. EFEITOS DO ART. 319, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INCIDÊNCIA, ENTRETANTO, DO DISPOSTO NO ART. 320, INCISO II, DO MESMO ESTATUTO. FORTES DÚVIDAS, DO AUTOR, ACERCA DA PATERNIDADE DO MENOR. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO, AINDA ASSIM, DA PATERNIDADE EM ANTERIOR DEMANDA JUDICIAL. COAÇÃO POR PARTE DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA. ALEGAÇÃO NÃO COMPROVADA. EXAME DE DNA. VINCULAÇÃO GENÉTICA AFASTADA. HIPÓTESES DO ART. 1.604 DO CÓDIGO CIVIL, NO ENTANTO, NÃO DELINEADAS NOS AUTOS. VINCULAÇÃO SOCIOFETIVA. AUSÊNCIA OU RUPTURA NÃO COMPROVADAS. SOBREPOSIÇÃO DA VERDADE REGISTRAL À VERDADE BIOLÓGICA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. CONFIRMAÇÃO. RECLAMO RECURSAL DESATENDIDO.
1 Ação negatória de paternidade é típica ação de estado, versando sobre direitos indisponíveis. Disso resulta que, ainda que não conteste o demandado a ação, não se operam, quanto a ele, os efeitos da revelia - CPC, art. 319 -, não havendo como se reputar verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, conforme claramente previsto no art. 320, inc. II, do Código de Processo Civil.
2 No moderno Direito de Família, a paternidade tem como traço essencialmente preponderante a socioafetividade. Disso resulta que, na atualidade, a paternidade socioafetiva assumiu o 'status' de gênero, do qual são espécies a paternidade biológica e a não biológica. A desbioligização da paternidade, identifica pais e filhos não consanguíneos, mas que, unidos por vínculos de afeto, solidificaram ou formaram uma verdadeira filiação psicológica, que se sobrepõe à filiação biológica.
3 De conformidade com o que dispõem o art. 1.609 do Código Civil e o art. 1.º da Lei n.º 8.560/1992, o ato de reconhecimento da paternidade é timbrado pela irrevogabilidade. A anulação do assento civil de nascimento, com supressão do nome que dele consta como sendo pai do registrando, só se viabiliza quando cabalmente provada a ocorrência de vício de consentimento no ato registral. Não é o que ocorre quando o registrante, mesmo com fortissimas dúvidas acerca da existência efetiva de elos biológicos entre ele e o menor registrado, dúvidas essas que beiravam a uma quase certeza, já que estimadas por ele próprio em aproximadamente 90%, ainda assim o registrou como se filho seu fosse. Nessa contextualização, mormente quando não provada nos autos a alegada coação judiciária havida para que registrasse ele o menor, desimporta que o exame de DNA tenha concluído pela exclusão da paternidade por ele assumida registralmente, de forma espontânea.
4 Ao autor da negatória de paternidade incumbe, com exclusividade, comprovar a ausência de liame socioafetivo entre ele e o menor que registrou voluntariamente como filho, prova essa que não decorre do simples ajuizamento da ação promovida, como implicação lógica e irrefutável desta. Não produzida essa prova, a presunção de socioafetividade subsiste, prevalecendo sobre a verdade biológica. 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.064587-0, da comarca de Içara (1ª Vara), em que é apelante J. B., sendo apelado M. M. B., representado por sua mãe M.S.M.:
A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado em 6 de junho de 2013, os Exmos. Srs. Des. Monteiro Rocha e João Batista Góes Ulysséa. Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, emitiu parecer o Exmo. Sr. Dr. Mário Luiz de Melo.
Florianópolis, 19 de junho de 2013.
 
 
 
Trindade dos Santos
PRESIDENTE E RELATOR
RELATÓRIO
J. B. ajuizou ação de investigação de paternidade contra M. M. B., representado por sua mãe M. S. M., aduzindo ter convivido em união estável com a genitora do menor requerido por aproximadamente 10 (dez) anos, período em que nasceu o demandado e, " [...] mesmo sob a suspeita de não ser o pai biológico [...]" deste, registrou-o como seu filho.
Disse, a seguir, que, com o fim da relação estável, a mãe do infante anunciou para diversas pessoas e também para o acionado que ele não era o pai biológico do infante, reforçando ainda mais as dúvidas existentes acerca da paternidade biológica do menor.
Por isso, requereu, no encerramento, a realização do exame de DNA e, acaso o resultado exclua a filiação paterna, seja feita a consequente alteração no registro de nascimento do demandado, com a procedência do pedido.
Citado, o menor acionado não apresentou contestação, não tendo sido aplicados, contudo, os efeitos da revelia à espécie por força do disposto no art. 320, II, do Código de Processo Civil.
Efetuado o exame de DNA, o resultado atestou não ser o acionante o pai biológico do acionado (fl. 34).
Em audiência de instrução e julgamento, as partes prestaram depoimento pessoal (fls. 42 a 44).
Nenhum dos litigantes formulou razões finais, com o Ministério Público, na sequência, opinando pela improcedência do pedido vestibular, ao fundamento de não ter restando demonstrado qualquer vício de consentimento com aptidão para gerar a desconstituição do assento de nascimento do menor demandado.
Na sentença que proferiu, o julgador singular não acolheu a pretensão deduzida na inicial, ao entendimento de que o requerente não comprovou eventual mácula à época em que consentiu registrar o requerido como seu filho, ressaltando, por conseguinte, o laço socioafetivo construído durante a relação, o que desagua na prevalência dos interesses do menor.
Irresignado, interpôs o demandante recurso de apelação, no qual rebateu a assertiva sustentada na sentença segundo a qual há relação socioafetiva entre ele e o recorrido.
Asseverou, mais, que a pretensão inicial deve ser atendida, porquanto o acionado, apesar de citado, não ofertou defesa, ensejando, portanto, a decretação dos efeitos da revelia, na forma do art. 319 do Código de processo Civil.
Pontuou ter registrado o menor como seu filho somente porque uma magistrada, em ação de regulamentação de guarda, o ameaçou de prisão caso não procedesse de tal forma.
Nesses termos, requereu o provimento do recurso para que seja integralmente reformada a decisão combatida.
Não houve resposta recursal.
A egrégia Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do reclamo recursal.
 
     
 
 
 
VOTO
A irresignação recursal não comporta acolhida, impondo-se a confirmação da sentença impugnada.
É pretensão do autor e apelante, como delineado na exordial, ver reconhecida a ausência de qualquer vínculo biológico entre ele e o menor M. M. B., com a consequente desconstituição do assento de nascimento do acionado, dele erradicando-se a filiação paterna.
De início, enfatizou o apelante impor-se a reforma do 'decisum' singular, em razão de não haver o julgador de primeiro grau, entre outros aspectos, levado em consideração o fato de não haver o menor recorrido contestado a ação, ainda que devidamente citado por meio de sua representante legal, caracterizando-se, pois, a sua revelia..
Segundo o disposto no art. 319 do Código de Processo Civil, "Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão como por ele aceitos os fatos afirmados pelo autor".
No entanto, há que se ter em mente versar a ação proposta sobre um direito indisponível, qual seja, o direito à filiação, pelo que a revelia do menor demandado não firma a presunção de veracidade decorrente da revelia.
É claro, a respeito, o Código de Ritos, ao acentuar, em seu art. 320, que:
A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente:
[...]
II - se o litígio versar sobre direitos indisponíveis;
 
Manifestando-se acerca do tema, registra José Roberto dos Santos Bedaque:
Também não serão admitidos como verdadeiros os fatos alegados pelo autor se, não obstante a revelia, a demanda versar sobre direitos indisponíveis, ou seja, aqueles de que o titular não pode abrir mão, porque considerados inerentes à própria personalidade. Trata-se de direito eem relação ao qual a manifestação de vontade do titular não é livre, pois o sistema estabelece limitações, às vezes absoluta, quanto à possibilidade de disposição.
Assim, em processo de investigação de paternidade ou anulação de casamento, por exemplo, irrelevante a ausência de contestação. Os fatos afirmados pelo autor, ainda que incontroversos, terão de ser demonstrados, não comportando o processo julgamento antecipado (art. 330, II) (Código de processo civil interpretado. MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 1.027).
 
Da mesma forma, averbam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:
Mesmo que ocorra revelia (não contestação), se o direito posto em causa for indisponível (e.g., anulação de casamento), não ocorrem os efeitos da revelia. Neste caso, ainda que o réu não conteste, o autor tem que fazer a prova dos fatos constitutivos de seu direito (CPC 333 I), vedado ao juiz julgar antecipadamente a lide (CPC 320 II) (Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 594-595).
 
Enfaticamente, aduz Maria Berenice Dias:
As ações que buscam identificar o estado de filiação são o exemplo clássico do que se chama de ação de estado. Por isso, ninguém põe em dúvida de que não se operam os efeitos da revelia (CPC 320 II). Assim, mesmo que o réu seja citado pessoalmente, se não contestar, não há como reputar verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (CPC 319). É necessária a produção de provas (Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 422).
 
Coadunando os transcritos entendimentos, acentuamos:
PATERNIDADE. AÇÃO NEGATÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. INTERESSE PROCESSUAL. AUSÊNCIA. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM E FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL VERIFICADAS. REVELIA. EFEITOS NÃO CONFIGURADOS. DEMANDA QUE VERSA SOBRE DIREITOS INDISPONÍVEIS. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL DESACOLHIDA. SUCUMBÊNCIA FIRMADA, DE OFÍCIO, NESTA INSTÂNCIA.
[...]
2. Por se tratar de direito indisponível, os efeitos da revelia não incidem nas ações negatórias de paternidade, segundo expressa dicção do art. 320, da Lei Adjetiva Civil.
[...] (Ap. Cív. n. 2011.022514-9, de Criciúma, j. 6-9-2012).
 
 
Rejeita-se, em sendo assim, as aduções a respeito lançadas pelo insurgente!
No mérito, resta ver, a pretensão deduzida pelo reclamante recursal encontra eco, em tese, no art. 1.604 do Cód

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