PARA SE TORNAR PAI É PRECISO CORAGEM
02/09/2013
Diário da Manhã
Mara Narciso
Você tem vontade de ser filho? Pois há quem sonhe em sê-lo, por vezes
durante bastante tempo. São as crianças e adolescentes
institucionalizadas, com pais existentes, mas sem tê-los. A Vara da
Infância e Juventude e Promotoria de Justiça Regional da Infância e
Juventude não os quer nesta situação por mais de dois anos e procura
salvar suas famílias de origem, para fazê-los retornar a elas. Tratam-se
problemas de saúde física, moral e social, envolvendo os pais, e
estendida a tios e avós. Como a primeira opção é manter a criança com
seus parentes de sangue, nem todas estão disponíveis para se tornar
filho pelas vias da adoção. Quando todos os meios estão esgotados, é
procurada uma família substituta.
Qualquer pessoa poderá
candidatar-se a adotante. Para isso precisa ser maior de idade,
apresentar documentos comuns, atestado de saúde física e mental, nada
consta civil e criminal, e atestado de residência. São preenchidos
questionários minuciosos por psicólogo, assistente social e técnico
judiciário. Apenas quando é considerado idôneo e habilitado (curso de
preparação) entrará na lista regional e nacional de candidatos. Quem
pensa em adotar precisa ter convicção e motivo claro para querer se
tornar pai ou mãe. A pessoa pode ser casada ou solteira. Como a
orientação sexual não está em questão, casais homoafetivos podem adotar.
Irmãos e avós podem obter a guarda ou tutela, mas não podem adotar.
O desejo de maternidade ou paternidade é um sentimento genuíno que não
deve ser confundido com busca de companhia, ou substituição de um filho,
ou procura de alguém que o vá servir no futuro (continuidade de
negócios). A partir do momento em que a criança ou adolescente torna-se
filho, os seus direitos serão iguais aos de um filho natural. No pedido
deixam-se as especificações daquele que se deseja encontrar, tais como
sexo, cor, idade, se aceita pessoa com doença ou vítima de violência.
Quem está na lista de adotantes diz que há muitas crianças em situação
de abandono, porém, poucas em condições legais para ser adotadas. O
Estado afirma que há muitas crianças, porém fora dos filtros
determinados pelos adotantes, que querem, em sua maioria, uma criança
branca e recém-nascida. Dessa forma os meninos negros e pardos,
principalmente depois dos oito anos, já conhecem a verdade e sabem que
serão preteridos. Quando vem chegando o aniversário deles, olham entre
lágrimas para o portão da instituição, com a certeza de que, ver entrar
um pai que vá levá-lo dali para casa é quase impossível.
A adoção
legal segue a fila, emparelhando as condições dos dois grupos, dos
pretendentes a pais e dos futuros filhos, exigindo muita exatidão para
evitar adoções por pessoas despreparadas, e que venham a se arrepender.
Ainda assim, o noticiário tem mostrado casos de agressões contra o filho
que a pessoa tanto buscou. A demora na adoção é uma maneira de proteger
e evitar tais casos.
Assim como não se escolhe a genética de um
filho natural, também será imprevisível na criança que se torna filha
por adoção. Quem adota pensa em como pode ter sido sofrida aquela
gravidez. Muita genitora já tem filhos espalhados, morando com avós, e
novamente grávida se apavora, pois sabe que não poderá cuidar daquele
que vai chegar. Há aquelas, que por toda a gestação, fazem o pré-natal
pensando, até ter a certeza, embora com culpa, em doar o filho para uma
vida melhor. Ainda gestante, procura os meios legais. Quando se
arrepende, faz da adoção um ato reversível, dependendo da avaliação do
juiz, que averiguará a ligação afetiva já existente entre a criança e
sua nova família.
A adoção à brasileira, um arranjo ilegal, deve ser
evitada. É quando uma grávida tem contato com o casal que quer adotar, e
após o parto recebe a criança e a registra como se fosse sua. Algumas
vezes o ato envolve dinheiro. Tal ilícito, muito comum, é crime. A Lei
de Adoção de 2010 é ampla e clara, e procura, em todos os sentidos,
proteger aos adotáveis. Laços afetivos são fáceis de ser criados e
difíceis de ser desfeitos. A situação de ruptura dilacera ambos os
lados, ferindo barbaramente quem se quer proteger. As incertezas criam
baixas na auto-estima daquele que pode já ter sido rejeitado outra vez. A
Vara da Infância e Juventude, juntamente com o Ministério Público,
trabalham exaustivamente para reduzir erros.
É preciso selecionar
para dar aos adotáveis a estabilidade de um lar, onde possam ser
acolhidos com segurança. Não se adota para ajudar, assim como não se tem
um filho para ajudá-lo. Sem laços biológicos, a família substituta é
como a outra. A imagem de pais e filhos felizes num jardim de uma manhã
de sol poderá ser colada sobre aquela outra, a da propaganda de
margarina. Adotar é o ato de nos fazer mais humanos, é derrubar
preconceitos, utilizando o amor que não pede nada em troca como caminho.
(Mara Narciso, médica e jornalista)
http://www.dm.com.br/texto/142286-para-se-tornar-pai-a-preciso-coragem
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