domingo, 1 de setembro de 2013

A NOVA “LEI DE ADOÇÃO” E SUAS IMPLICAÇÕES: ALGUMAS QUESTÕES A SEREM RESPONDIDAS CONSELHO TUTELAR E CMDCA


31/08/2013
Atribuições do Conselho de Direitos

COM A NOVA “LEI DE ADOÇÃO”, COMO FICA A APLICAÇÃO DA MEDIDA DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL (ABRIGAMENTO) POR PARTE DO CONSELHO TUTELAR, UMA VEZ QUE É ATRIBUIÇÃO DESTE APLICAR AS MEDIDAS NO ART. 101, I A VII, DA LEI Nº 8.069/90? AGORA É APLICADA EXCLUSIVAMENTE PELA AUTORIDADE JUDICIÁRIA?
R: O Conselho Tutelar pode aplicar a medida de acolhimento institucional como sempre pode: em se tratando de crianças e adolescentes perdidas e/ou que se encontram já afastadas do convívio familiar e em situações emergenciais (e têm que ser emergenciais MESMO – como quando houver “flagrante de vitimização”). O que o Conselho Tutelar NÃO PODE fazer (como na verdade NUNCA PODE, embora o fizesse de forma equivocada e contra a lei) é afastar uma criança ou adolescente do convívio familiar em situações não emergenciais, pois neste caso, apenas a autoridade judiciária é competente para aplicar a medida, em sede de procedimento judicial contencioso (arts. 101, §2º c/c 153, par. único, do ECA). Em qualquer caso, mesmo quando o acolhimento for efetuado em caráter emergencial, o fato deverá ser imediatamente (ou em até 24 horas) comunicado à autoridade judiciária, nos moldes do previsto no art. 93 e par. único, do ECA, para que seja formalizado o afastamento do convívio familiar ou promovida a reintegração. Nos demais casos, sempre que o Conselho Tutelar entender necessário o afastamento do convívio familiar, deverá comunicar o fato ao Ministério Público, fornecendo todos os elementos necessários à propositura de uma ação destinada ao decreto do afastamento, ainda que em caráter cautelar (arts. 136, par. único c/c 201, incisos III e VIII c/c 212, todos da Lei nº 8.069/90). O que não se quer mais é que o Conselho Tutelar funcione como “carrocinha de criança”, assim como que o afastamento do convívio familiar seja banalizado e/ou ocorra sem garantir aos pais (e também aos filhos, já que é o direito à convivência familiar destes que está em jogo) o direito a uma acusação formal acerca dos motivos do afastamento (valendo neste sentido também observar o disposto no art. 100, par. único, incisos IX, X, XI e XII, da Lei nº 8.069/90) e de contra ela se insurgirem, através de defensor nomeado ou constituído, em respeito aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Vale também lembrar que, mesmo em casos graves, de maus tratos ou abuso sexual contra crianças e adolescentes, deve ser verificada, antes de mais nada, a possibilidade de afastamento DO AGRESSOR da moradia comum (cf. art. 130, da Lei nº 8.069/90 e art. 22, inciso II, da Lei nº 11.340/2006 – a chamada “Lei Maria da Penha”), como forma de evitar que a vítima seja punida com a segregação de sua família. Para que os objetivos da lei sejam alcançados, no entanto, é preciso mudar a mentalidade e também a postura que, não raro, o Conselho Tutelar (e outros integrantes do “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente”) tem adotado, pois como o citado art. 100 par. único, incisos IX e X (assim como até mesmo o art. 101, §§4º, 6º, inciso II, 7º e 8º), da Lei nº 8.069/90 deixam claro, a intervenção estatal necessariamente deve ser voltada não apenas ao atendimento da criança/adolescente, mas TAMBÉM de seus pais ou responsável, consequência, inclusive, do disposto no art. 226, capute §8º, da Constituição Federal.

- O CONSELHO TUTELAR PODE, NOS CASOS DO ART. 130 DA LEI Nº 8.069/90, PROCEDER AO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL PROVISÓRIO DE JOVEM OU INFANTE INDEPENDENTEMENTE DE DECISÃO JUDICIAL, COMUNICANDO IMEDIATAMENTE AO MP PARA OS FINS DO ART. 101, §§2º E 3º, DO MESMO DIPLOMA LEGAL? CASO NEGATIVO, QUAL A INTERPRETAÇÃO QUE DEVE SER DADA À PRIMEIRA PARTE DO NOVEL §2º DO ART. 101 DA LEI Nº 8.069/90?
R: O acolhimento institucional, em caráter emergencial e em casos extremos e excepcionais (como diante de um “flagrante de vitimização”), é possível não apenas mediante encaminhamento efetuado pelo Conselho Tutelar, mas por qualquer pessoa (afinal, diz o art. 70, da Lei nº 8.069/90 que “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação de direitos da criança e do adolescente“), sendo certo que as próprias unidades de acolhimento institucional podem receber crianças e adolescentes diretamente, em qualquer situação, sem prejuízo da comunicação do fato à autoridade judiciária em, no máximo, 24 horas (sendo assim de competência do plantão judiciário, nos finais de semana e feriados), conforme previsto no art. 93, caput, da Lei nº 8.069/90. O que o Conselho Tutelar não pode fazer é afastar crianças e adolescentes de suas famílias em situações não emergenciais (inteligência do art. 136, inciso IX e par. único, da Lei nº 8.069/90), e nem o afastamento pode ocorrer (ou se manter) mediante simples procedimento administrativo ou mesmo em sede de processo judicial não contencioso (como é o caso do resultante da aplicação do disposto no art. 153, da Lei nº 8.069/90, sendo o parágrafo único acrescido ao dispositivo expresso ao excluir de sua abrangência os casos em que é necessário o afastamento da criança ou adolescente de sua família de origem). Quis o legislador que uma medida tão drástica e de tão graves consequências como o afastamento da criança ou adolescente de sua família desse ensejo,necessariamente, à instauração de um processo judicial contencioso, ainda que de cunho cautelar, no qual fosse formalizada a imputação da prática, por parte dos pais ou responsável, de alguma conduta que justificasse a medida, devendo tal conduta ser devidamente comprovada pela parte autora, com a possibilidade de exercício do contraditório e da ampla defesa pela parte requerida. Vale lembrar, a propósito, que em jogo não está apenas o direito dos pais ou responsável de terem os filhos ou pupilos em sua companhia, mas especialmente (cf. art. 100, par. único, incisos I, II e IV, da Lei nº 8.069/90), o direito destes em permanecer na companhia de sua família. Esta é a razão, aliás, para que antes mesmo de se cogitar no afastamento da vítima de violência física ou sexual, se verificar da possibilidade de afastamento do agressor da moradia comum, como dispõe de maneira expressa o art. 130, caput, da Lei nº 8.069/90. Assim sendo, uma vez efetuado o acolhimento institucional, seja pelo Conselho Tutelar (diante de situações emergenciais, consoante mencionado, ou em se tratando de criança ou adolescente perdida ou sem referência familiar), seja por qualquer pessoa, o importante é a rápida avaliação, por parte da autoridade judiciária (com a participação do Ministério Público, do Conselho Tutelar e dos órgãos e técnicos responsáveis pela política municipal de garantia do direito à convivência familiar) da possibilidade ou não de imediata reintegração à família de origem (que se for o caso deverá ser inserida em programas de orientação, apoio e promoção social, bem como devidamente “monitorada”) ou se o caso reclama a “formalização” do afastamento da família de origem, mediante a deflagração do referido procedimento contencioso, nos moldes do previsto no art. 101, §2º, da Lei nº 8.069/90.

- O QUE FAZER COM OS RELATÓRIOS, ENCAMINHADOS PELO CONSELHO TUTELAR, EM SE ADOTANDO O POSICIONAMENTO SEGUNDO O QUAL NÃO DEVEM SER INSTAURADOS OS “PROCEDIMENTOS JUDICIAIS PARA APLICAÇÃO DE MEDIDA DE PROTEÇÃO”? BASTA ARQUIVAR NA PROMOTORIA, E EXIGIR PROVIDÊNCIAS DO CT QUANDO À SITUAÇÃO DE RISCO?
R: Os casos que se enquadram nas atribuições do Conselho Tutelar devem ser atendidos – e resolvidos - pelo próprio Conselho Tutelar, que possui o status de autoridade pública e é, inclusive, dotado da prerrogativa de requisitar serviços públicos em diversas áreas (cf. art. 136, inciso III, alínea “a”, da Lei nº 8.069/90). Evidente que, para que a referida soluçãodo problema (objetivo da intervenção do Conselho Tutelar – e dos demais integrantes do “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente”) seja alcançada, o Conselho Tutelar deverá buscar a intervenção de outros órgãos e servidores públicos, junto aos mais diversos setores da administração, ou melhor dizendo: deverá buscar auxílio junto à “rede municipal de proteção à criança e ao adolescente” acima referida, encaminhando a criança, adolescente e sua família aos programas e serviços adequados às suas necessidades pedagógicas específicas (cf. art. 136, incisos I e II c/c arts. 87, 90, incisos I a IV, 100, caput, 101, incisos I a VII e 129, incisos I a VII, todos da Lei nº 8.069/90). Cabe ao Poder Público local adequar os serviços públicos e programas existentes (assim como criar novas estruturas, caso necessário) ao atendimento especializado e prioritário a crianças e adolescentes (cf. arts. 4º, caput e par. único, alínea “b” c/c 259, par. único, da Lei nº 8.069/90) e promover a articulação da mencionada “rede de proteção à criança e ao adolescente” de modo que, sempre que surgir determinado caso que demande a aplicação das medidas previstas nos arts. 101, incisos I a VII e 129, incisos I a VII, todos da Lei nº 8.069/90 (ou seja, que possa ser resolvido sem a necessidade de intervenção da autoridade judiciária), o atendimento pelos órgãos, serviços e programas municipais seja efetuado espontaneamente, não sendo necessário, a rigor, sequer a intervenção do Conselho Tutelar, que ocorrerá apenas quando, por qualquer razão, tal atendimento espontâneo não tiver sido realizado ou não tiver surtido o efeito desejado. Vale repetir: a “rede municipal de proteção à criança e ao adolescente” deve estar de tal forma articulada (e a busca de tal articulação, junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e aos gestores das políticas públicas municipais talvez tenha de ser a principal preocupação do Ministério Público), que o atendimento de casos de ameaça ou violação de direitos infanto-juvenis ocorra de forma espontânea, independentemente de intervenção até mesmo do Conselho Tutelar, que se tiver de atuar, não deve partir desde logo para “requisição” do serviço, mas sim o encaminhamento do caso ao órgão ou setor da administração competente (ou a mais de um, conforme o caso). Apenas caso não seja atendido é que o Conselho Tutelar deverá usar de seu poder de requisição, que não pode ser banalizado e nem negligenciado pelo destinatário da ordem correspondente, que não pode pura e simplesmente “ignorá-la”, mas sim, caso com ela não concorde, deverá provocar o Poder Judiciário no sentido de sua revisão, tal qual previsto no art. 137, da Lei nº 8.069/90. Enquanto não revista pela autoridade judiciária competente, a requisição do Conselho Tutelar tem eficácia plena e, caso não seja cumprida por seu destinatário, restará caracterizado, em tese, o crime de desobediência, previsto pelo art. 330, do Código Penal, sem prejuízo da caracterização da infração administrativa tipificada no art. 249, da Lei nº 8.069/90. Assim sendo, o Conselho Tutelar deve ter uma atuação resolutiva, e não servir de mero “órgão de encaminhamento” de casos para o Ministério Público e Poder Judiciário, o que apenas posterga a solução do problema e desvirtua o objetivo da criação do órgão, que foi precisamente o de “desjudicializar” e, por via de consequência, desburocratizar e agilizar tanto o atendimento quanto a solução do caso. Em sendo necessária a intervenção do Ministério Público, esta deverá ser direcionada não no sentido do atendimento individual do caso, mas sim na perspectiva de orientação e responsabilização dos órgãos públicos e setores da administração competentes, que não apenas devem ser chamados a atuar no sentido da efetiva solução do caso em particular, mas também como dito, instados a desenvolver uma “estratégia” destinada ao atendimento (espontâneo) de casos similares que surgirem no futuro, seja quando encaminhados pelo Conselho Tutelar ou qualquer outro órgão ou autoridade. A prática da instauração, quando do descumprimento de encaminhamentos e requisições de serviços pelo Conselho Tutelar, dos famigerados “procedimentos para aplicação de medida de proteção” ou similares (verdadeiras aberrações jurídicas, remanescentes de uma sistemática consagrada pelo “Código de Menores”), deve ser abolida, dando margem à expedição de recomendações aos órgãos públicos no sentido da adequação de seus serviços ao atendimento dos casos encaminhados pelo Conselho Tutelar com a mais absoluta prioridade, inclusive sob pena de responsabilidade [nota 1]. Na página do CAOPCA/PR podem ser encontrados artigos jurídicos e modelos de peças processuais e extraprocessuais destinadas à adequação da atuação do Conselho Tutelar e dos serviços públicos municipais, nos moldes do acima exposto.

- E SE AINDA ASSIM FOR NECESSÁRIO “JUDICIALIZAR” O ATENDIMENTO, DIANTE DA NECESSIDADE DE AFASTAMENTO DA CRIANÇA/ADOLESCENTE DE SUA FAMÍLIA?
R: Neste caso, como visto acima, a partir de elementos fornecidos pelo Conselho Tutelar e/ou por qualquer dos integrantes da “rede de proteção” à criança e ao adolescente, é possível a propositura de ação cautelar ou outro remédio jurídico qualquer (cf. art. 212, da Lei nº 8.069/90), de cunho necessariamente contencioso (cf. art. 101, §2º, da Lei nº 8.069/90), devendo-se antes verificar da possibilidade de afastamento do agressor da moradia comum (cf. art. 130, da Lei nº 8.069/90) [nota 2], se for o caso, devendo o feito ser instruído e julgado com a mais absoluta prioridade (cf. arts. 4º,caput e par. único e 153, par. único, da Lei nº 8.069/90). Em qualquer caso, desde o primeiro momento deve haver a intervenção dos técnicos e integrantes da “rede de proteção” e da política municipal destinada à garantia do direito à convivência familiar, que deverão, a partir de uma indispensável articulação com o Poder Judiciário (cf. arts. 87, inciso VI e 88, inciso VI, da Lei nº 8.069/90), avaliar e atender não apenas a criança/adolescente afastada do convívio familiar, mas também seus pais ou responsável, na perspectiva de promover a futura reintegração familiar, em observância às normas e princípios contemplados pela Lei nº 8.069/90. É fundamental que a Justiça da Infância e da Juventude não atue de forma “isolada”, e que sejam oferecidas alternativas ao acolhimento institucional, especialmente através da colocação da criança/adolescente sob a guarda de integrantes de sua família extensa ou a pessoa cadastrada em programa de acolhimento familiar.

- O QUE HÁ PARA DIZER SOBRE O TEMA: CONVÊNIO/CONSÓRCIO ENTRE MUNICÍPIOS PARA CRIAÇÃO, MANUTENÇÃO E USO DE ABRIGOS (PROGRAMAS DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL) PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES?
R: Mais do que “abrigos” (que a nova Lei nº 12.010/2009 passa a chamar de entidades de acolhimento institucional), é fundamental que cada município possua uma política pública especificamente destinada ao efetivo exercício do direito à convivência familiar por todas as crianças e adolescentes, que seja composta de ações preventivas, junto às famílias, e de alternativas ao acolhimento institucional, através da oferta de programas de acolhimento familiar (introduzidos pela nova “Lei de Adoção” – cf. art. 101, inciso VIII, da Lei nº 8.069/90), estímulo ao acolhimento, sob forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar (cf. arts. 34 e 260, §2º, da Lei nº 8.069/90 e art. 227, §3º, inciso VI, da CF), e outros destinados à colocação familiar (cf. art. 90, inciso III, da Lei nº 8.069/90), em suas mais variadas formas: guarda, tutela e adoção (cf. art. 28, caput, da Lei nº 8.069/90). As inovações trazidas pela Lei nº 12.010/2009, aliás, tornamobrigatória a elaboração e implementação de tal política pública municipal inclusive sob pena de responsabilidade do administrador público (e responsabilidade pessoal, nos moldes do previsto no art. 208, inciso IX e 216, da Lei nº 8.069/90), cabendo ao Ministério Público atuar neste sentido. O que se deseja é que cada vez que surgir um caso que demande o encaminhamento para programas de acolhimento institucional (nunca sendo demais lembra o caráterexcepcional e eminentemente transitório da medida – cf. arts. 19, §3º e 101, §1º, da Lei nº 8.069/90), já exista, por parte dos órgãos da administração pública encarregados da execução da política de garantia do direito à convivência familiar, uma “estratégia” definida para o atendimento da criança/adolescente e sua respectiva família (inclusive na perspectiva de futuro restabelecimento do convívio familiar), com toda uma gama de opções disponíveis, incluindo as mencionadasalternativas ao acolhimento institucional, com a aplicação da medida mais adequada para cada caso. Nesta perspectiva, é possível que um município de pequeno porte, por exemplo, mantenha uma “casa de passagem” ou uma entidade de acolhimento institucional apenas para crianças, estabeleça convênios com outro(s) município(s) próximo(s) para o acolhimento institucional de adolescentes, tenha convênios com o Estado do Paraná (e mesmo com entidades particulares) para casos de maior complexidade e também desenvolva programas de acolhimento familiar e de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda, nos moldes do acima referido, sem prejuízo de programas de orientação, apoio e promoção social de famílias, que permitam a manutenção ou a rápida reintegração da criança ou adolescente em sua família de origem, tudo custeado com recursos provenientes do orçamento público (valendo neste sentido observar o disposto nos arts. 90, §2º, 100, par. único, inciso III e 260, §5º, da Lei nº 8.069/90).

- HÁ VIABILIDADE DE LEI MUNICIPAL CRIAR A “FAMÍLIA ACOLHEDORA” COMO FORMA DE SUPRIR A AUSÊNCIA DE PROGRAMA DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL NO MUNICÍPIO, COM PREVISÃO DE REPASSE DE VERBA MUNICIPAL PARA AS FAMÍLIAS INTERESSADAS EM ACOLHER CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO?
R: Tanto programas do tipo “família acolhedora” quanto destinados ao estímulo ao acolhimento, sob forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar (cf. arts. 34 e 260, §2º, da Lei nº 8.069/90 e art. 227, §3º, inciso VI, da CF) podem ser criados por lei municipal (a criação de incentivos fiscais, aliás, fatalmente demandará a aprovação de uma lei específica a respeito). Pode (e deve, com base no art. 226, da CF) ser previsto, inclusive, o repasse de verbas e incentivos fiscais para as próprias famílias de origem, seja como forma de evitar o afastamento familiar (nunca sendo demais lembrar que a falta de condições materiais não é motivo para tanto – cf. arts. 19, §3º, 23, caput e par. único e 100, par. único, incisos IX e X, da Lei nº 8.069/90), seja para facilitar a reintegração familiar. Em qualquer caso, é necessário também desenvolver programas de orientação às famílias (cf. art. 129, inciso IV, da Lei nº 8.069/90) e efetuar oacompanhamento dos casos atendidos após a colocação/ reintegração familiar (cf. art. 28, §5º, da Lei nº 8.069/90).

- COMO COMPATIBILIZAR O DISPOSTO NO ART. 100, PAR. ÚNICO, INCISO III (PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PRIMÁRIA E SOLIDÁRIA DO PODER PÚBLICO) COM O ART. 88, INCISO I (MUNICIPALIZAÇÃO COMO “DIRETRIZ PRIMEIRA” DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE), AMBOS DA LEI Nº 8.069/90, E COMO LIDAR COM A FALTA DE RECURSOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DOS PROGRAMAS E SERVIÇOS QUE DEVERÃO COMPOR A POLÍTICA DESTINADA À GARANTIA DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR?
R: A municipalização do atendimento decorre não apenas da lei, mas também da Constituição Federal (arts. 227, §7º c/c 204, inciso I, da Carta Magna), tendo por objetivo fazer com que cada município elabore e implemente, com a maisabsoluta prioridade, as políticas públicas que permitam a efetivação de todos os direitos assegurados às crianças e adolescentes pela Lei e pela Constituição Federal (tal qual evidencia o disposto no art. 4º, caput, da Lei nº 8.069/90). Com a municipalização das políticas de atendimento (e dos programas e serviços que a integram) a crianças, adolescentes e suas famílias, permite-se sejam aqueles atendidos junto às suas famílias e comunidades de origem, em cumprimento ao disposto nos arts. 4º, caput, 19 e 100, caput, da Lei nº 8.069/90, evitando assim que uma criança ou adolescente que esteja com seus direitos ameaçados ou violados tenha de ser “exportada” para outro município para somente então receber o atendimento que necessita. Isto significa que cabe aos municípios definir as “estratégias” de atuação que serão adotadas diante da ameaça ou violação dos direitos infanto-juvenis assegurados pela Lei nº 8.069/90 e pela CF, através da intervenção dos mais diversos órgãos e entidades de atendimento. Uma política de atendimento, a rigor, representa o conjunto de ações, serviços e programas a serem acionados em âmbito municipal para fazer frente a uma situação problemática específica envolvendo crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, numa perspectiva resolutiva, capaz de proporcionar, com o máximo de celeridade possível, a proteção integral que foi àqueles prometida já pelo art. 1º estatutário. Quando a lei estabelece o princípio da responsabilidade solidária entre os entes públicos, está apenas dizendo que o dever de assegurar a plena efetivação dos direitos infanto-juvenis não é apenas dos municípios, mas também dos Estados e da União. Como resultado da análise conjunta dos citados dispositivos, temos que a elaboração da política de atendimento à criança e ao adolescente deve ficar a cargo dos municípios que, no entanto, para implementação e manutenção dos programas e serviços a àquela correspondentes sempre que necessário podem buscar o suporte técnico e financeiro junto aos Estados e à União (se necessário, inclusive pela via judicial, ex vi do disposto no art. 210, inciso II, da Lei nº 8.069/90). O que não se admite é que o município deixe de elaborar a política (e definir as mencionadas “estratégias de atuação” a esta correspondentes) sob a alegação da “falta de recursos”. A uma porque muitas das ações inerentes à política de atendimento demandam pouco ou nenhum investimento [nota 3] de recursos públicos, compreendendo o simples remanejamento servidores e a adequação de programas e serviços já existentes (como os CREAS/CRAS e CAPs), de modo a proporcionar um atendimento diferenciado e prioritário à população infanto-juvenil (nos moldes do previsto nos citados arts. 4º, par. único, alínea “b” e 259, par. único, da Lei nº 8.069/90), a duas porque a área infanto-juvenil está amparada pelo já referido princípio constitucional da PRIORIDADE ABSOLUTA à criança e ao adolescente, o que importa na “preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas” e na “destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude“, demandando assim o aporte prioritário de recursos orçamentários (como deixam também claro os arts. 90, §2º e 260, §5º, da Lei nº 8.069/90), que se necessário devem ser remanejados das áreas que não gozam de semelhante prerrogativa constitucional (cf. art. 227, caput, da CF) e a três, porque, como mencionado, os municípios podem e devembuscar junto aos Estados e União o suporte financeiro que se fizer necessário à implementação da política a seu cargo (inclusive pela via judicial), estabelecendo ainda parcerias e convênios intermunicipais, com entidades particulares, universidades etc. É até possível que para determinadas demandas de elevada complexidade (como o caso de adolescentes ameaçados de morte, por exemplo), o município, notadamente quando de pequeno porte, não tenha o “programa” correspondente, mas dentro da política de atendimento à criança e ao adolescente que, como visto, tem o dever de implementar, deverá ter já definida uma “estratégia de atuação” para quando surgir tal demanda, com o estabelecimento de um “fluxo” ou “protocolo” de atendimento interinstitucional, com a previsão de quais órgãos, serviços e profissionais irão intervir junto ao adolescente e sua família, o que será feito e para onde serão eles encaminhados, devendo para tanto firmar convênios (inclusive com o Estado e/ou com a União) [nota 4], qualificar profissionais etc.

- O CMDCA é também responsável pela fiscalização das entidades de acolhimento ou isto é tarefa apenas do Conselho Tutelar, Judiciário e Ministério Publico, referidos pelo art. 95, do ECA?
R: O CMDCA faz uma fiscalização permanente de todas as entidades de atendimento a crianças, adolescentes e famílias, que integram a “rede de proteção” à criança e ao adolescente que todo município tem o dever de instituir e manter, sendo tal incumbência decorrência natural da atribuição de conceder o registro às entidades e aos programas que estas desenvolvem, sem o qual, nem a entidade, nem o programa podem atender crianças e adolescentes. De acordo com o disposto nos arts. 90 e 92, do ECA (especialmente, seus parágrafos), com a redação que lhes deu a Lei nº 12.010/2009, tanto o registro das entidades quanto dos programas deve ser concedido por prazo determinado (estabelecendo o ECA um prazo máximo, nada impedindo que o CMDCA defina prazos mais reduzidos para renovação do registro e reavaliação dos programas). A reavaliação dos programas de atendimento, aliás, deve ocorrer em caráter permanente e, toda vez que toda vez que surgir alguma denúncia de irregularidade, o próprio CMDCA deve “tomar a frente” dos acontecimentos e investigar os fatos, independentemente da comunicação do fato ao MP (e eventualmente, também ao CT e ao Judiciário). O disposto no art. 95, do ECA, aliás, está diretamente relacionado ao contido no art. 191 estatutário, relativo à instauração de um procedimento judicial para apuração de irregularidade em entidade de atendimento. Nada impede, no entanto, queantes mesmo da instauração de um procedimento judicial (ou paralelamente a este), o CMDCA instaure um procedimento administrativo, que pode inclusive resultar na cassação do registro da entidade e/ou do programa, desde que constatada a ocorrência de fatos que justifiquem semelhante medida, de caráter extremo. Seria interessante, aliás, que o regimento interno do CMDCA estabelecesse um procedimento administrativo próprio para este tipo de investigação administrativa, que deveria contar com a colaboração dos órgãos públicos competentes, garantindo-se à entidade o contraditório e a ampla defesa, além da previsão de comunicação de sua instauração ao Ministério Público. Na ausência de previsão expressa, é de se adotar o procedimento administrativo similar àquele utilizado pela Prefeitura para cassar “alvarás de funcionamento” de estabelecimentos comerciais em geral (estabelecendo-se aí uma analogia entre ambos). É fundamental, em qualquer caso, que o CMDCA atue com o máximo de celeridade, de modo a evitar que, em havendo de fato alguma irregularidade, a mesma cause – ou continue a causar – prejuízos às crianças e adolescentes atendidas. Não resta dúvida que, pior que não existir determinado programa em um município, é haver um que descumpre as normas e princípios estabelecidos pela Lei nº 8.069/90 (ou outros regulamentos aplicáveis àquela modalidade de atendimento, incluindo as próprias resoluções do CMDCA, que na forma da lei devem ser cumpridas sob pena de descredenciamento da entidade e da cassação do registro do programa - o que em ambos os casos deve determinar a imediata suspensão do atendimento prestado). Vale dizer, aliás, que a “qualidade e eficiência do trabalho” se constitui num dos critérios legais para renovação do registro do programa de atendimento fixados pelo art. 90, §3º, do ECA, assim como também é “o efetivo respeito às regras e princípios desta Lei, bem como às resoluções relativas à modalidade de atendimento prestado expedidas pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, em todos os níveis“. Assim sendo, sempre que o CMDCA receber qualquer notícia de irregularidade numa entidade ou programa, não apenas tem o direito, mas também tem o dever de investigar o fato, sem prejuízo de, como dito, obrigatoriamente comunicar o fato ao Ministério Público(valendo neste sentido observar o disposto no art. 220, do ECA), e mesmo articular ações e contar com a colaboração de outros órgãos e autoridades públicas para que o aludido procedimento administrativo instaurado chegue a um bom termo, da forma mais rápida possível.
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Notas do texto:
1 Com a orientação de que, caso entendam indevido o encaminhamento ou requisição efetuadas, provoquem a autoridade judiciária nos moldes do art. 137, da Lei nº 8.069/90, apresentando as justificativas para recusa no atendimento respectivo.
2 Vale lembrar que, em sendo ajuizada uma ação cautelar de afastamento da criança/adolescente da família (ou mesmo do agressor), será necessário o ajuizamento da ação principal no prazo de 30 (trinta) dias.
3 Em matéria de infância, nunca se fala em “despesa”, pois todo e qualquer recurso público utilizado representa uminvestimento que tem um retorno garantido em termos de melhoria das condições de vida e desenvolvimento de toda sociedade brasileira.
4 Para utilizar o exemplo fornecido, a União possui um Programa Nacional de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte – PPCAM, cujas ações são desenvolvidas em âmbito de cada Estado, a partir de determinadas entidades especializadas.
Fonte: A nova “Lei de Adoção” e suas implicações: algumas questões a serem respondidas. Perguntas & Respostas. Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná. CAOPCA – PR. Disponível em <http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=926#nota1
>. Acesso 31.08.2013.
http://canalconselhotutelar.wordpress.com/2013/08/31/a-nova-lei-de-adocao-e-suas-implicacoes-algumas-questoes-a-serem-respondidas-conselho-tutelar-e-cmdca/

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