Atitude adotiva
Publicado em 16.09.2013, às 16h58
Por Guilherme Moura

Ninguém chega a ser gente sem passar pelas mãos de muitos mestres. Somos seres resultantes de todos aqueles que, cruzando o nosso caminho, apontaram-nos novos modos de ser e estar no mundo. Impossível listar todos os que, nem sempre conscientemente, conduziram-nos ao muito ou pouco que somos agora.
Mas aprendizado de verdade não é qualquer coisa. As lições verdadeiras são sempre as que incorporamos. As que se revelam na congruência das nossas ações. Não faz sentido dizermos que “fulano rouba de vez em quando, mas é honesto”. Não existe um “ser honesto” que “age desonestamente”. O que existem são práticas honestas e seus autores.
Do mesmo modo, não se pode aprender a nadar lendo manuais de natação. É preciso entrar n’água, onde as leituras farão sentido como uma referência, não necessariamente para a prática, mas certamente para o praticante. No fim das contas, somos sempre e apenas o que praticamos. E assim somos reconhecidos. Numa palavra: são nossas ações que nos definem.
No contexto dessas lições verdadeiras, há, porém, uma que é especial: o espaço de aprendizagem no qual nos tornamos pais e mães de verdade. Sim, porque pais e filhos não são paridos. São seres que se desenvolvem um a partir do outro no processo relacional e afetivo que chamamos de adoção.
Como já sabemos, gravidez gera criança. Adoção gera filho e filha; pai e mãe.
Como a adoção é construção diária, tornar-se pai e mãe de verdade é aprendizagem permanente.
Sendo um descolamento de nós mesmos, ocorre na atitude amorosa que só se realiza quando cuidamos diariamente dos nossos filhos. É, portanto, prática a ser desenvolvida. É espécie de competência que só se aprende fazendo. E fazendo junto com o outro, co-vivendo.
É assim que, com meus mestres, tenho aprendido todos os dias as minhas lições mais especiais. Eles são os professores mais exigentes porque requerem de mim sempre o máximo e o melhor.
Quando em casa, o máximo de presença.
Nas lições da escola, o máximo de atenção.
Nas traquinagens diárias, o máximo de paciência.
Quando juntos, o máximo de ternura.
Nas brincadeiras, o máximo de alegria.
Nas ações, o máximo de coerência.
Praticamos ou não praticamos presença, atenção, paciência, ternura, alegria, coerência. Nenhuma dessas lições existe fora do fazer. São condições de existência e de reconhecimento do outro. São atos de aceitação das diferenças, de amor vivido, de gosto pela vida.
A permanente dor de pais e mães de verdade é, justamente, saber que tantas vezes sua ação corre longe do máximo, do melhor... A dor de errar. É que o fazer-se pai e mãe é prática sem manual, que ocorre pouco a pouco na vivência das situações diárias. Mas, embora os erros sejam recorrentes, nossos mestres movem-nos sempre na direção do máximo e do melhor. E assim vamos reconstruindo-nos, de erro a acerto, como pais e filhos de verdade.
A esta altura da vida foram inúmeros os mestres que cruzaram o meu caminho. Há muitos e muitos para homenagear, a começar pelos meus pais. Mas hoje eu sei. Hoje eu sei que meus maiores mestres são meus filhos.
*As colunas assinadas não refletem, necessariamente, a opinião do NE1
http://ne10.uol.com.br/coluna/atitude-adotiva/index.php
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