15 de Setembro de 2013
Cascavel
Denise Oleinik
Bruna B. da Luz
Gazeta do Paraná
Por meio do programa Família Acolhedora, crianças e adolescentes ganham uma segunda chance...
“E ele só fazia mais ler, mais ler, mais ler. Até que ele começou a
achar que as histórias eram reais”, narrou parte de sua história
favorita, o menino de semblante tímido e desconfiado. Ele que hoje é fã
de Miguel de Cervantes, em meio às histórias de um fidalgo louco e
apaixonado por sua amada Dulcineia, chegou à casa da dona Judite há
cinco anos sem conhecer as letras. E assim como Dom Quixote, personagem
do primeiro livro que leu por inteiro, o menino de 15 anos, lê, mais lê,
mais lê, lê tanto que já acredita em conto de fadas, que para ele, fica
mais bonito em outra lógica. Os dragões monstruosos viraram bonitos
moinhos de vento, e a leitura não lhe acarreta a loucura, mas sim a
proximidade com uma vida mais sã.
Não vamos usar os nomes reais nem
do nosso personagem, nem dos seus irmãos, tudo para preservar essa
turma. Vamos chamá-lo de André, seu irmão de 12 anos de Luiz, sua irmã
de 14, de Paula e a mais velha, de 16, chamaremos de Viviane. Este
menino foi recolhido pelo Estado junto com seus três irmãos, por
sofrerem maus tratos por parte da família, esta é a única parte triste e
pesada desta história, que até parece ficção. Quando chegaram ao
abrigo, nunca haviam usado calçado, nem banheiro, não eram
alfabetizados, viviam longe da civilização, “no meio do mato”, no
Paraguai. O nosso personagem, que pegou gosto pela leitura, era tão
acuado, que achavam que ele era mudo. Quando recolhidos, a tendência
seria a separação, visto que os irmãos tinham perfis diferentes, eram
duas meninas e dois meninos. Sorte é que Judite de Andrade Zacarkin é
corajosa.
Tudo começou quando um dos filhos de Judite conheceu André
e sugeriu a sua mãe que o acolhesse através do programa Família
Acolhedora. Foi então que a assistente social Neusa Cerutti,
coordenadora do programa Família Acolhedora, contestou: “Como que eu vou
separar ele dos irmãos?”. Aí Judite ficou preocupada: “Como é que eu ia
ficar com quatro crianças? Não tinha nem lugar para isso. Mas então eu
trouxe os quatro para passar um final de semana aqui em casa e concluí
que dava para ficar com os quatro”, contou. A Viviane ficou quatro anos
na casa de Judite, depois disso a mãe acolhedora resolveu que o mais
adequado seria a menina ir morar com sua irmã, em outra localidade de
Cascavel. “Ela começou a criar corpo e a meninada que mora aqui perto já
começou a se engraçar. Achei melhor levar ela para ir morar com minha
irmã, mas ela vem aqui direto”, contou.
Já os outros três seguem na
casa da dona Judite, que comanda os adolescentes com mão de ferro. “É
uma responsabilidade muito grande. Criar adolescentes já dá trabalho,
agora, imagina criar adolescentes que não têm limites, nem carinho. É
preciso corrigir o que está errado. Eles aprontam bastante, quando
chegaram pescavam minhas carpas. É desgastante, mas vale a pena”, contou
ela. Lá, todo mundo tem que estudar e a leitura de livros é narrada na
ponta da língua para a mãe acolhedora. Em uma bolsa, eles colecionam
condecorações do escotismo e diplomas de conclusão de cursos. Eles já
fizeram aula de informática, primeiros socorros, a Viviane aprendeu o
ofício de manicure.
Os dois meninos dividem um beliche em um quarto
improvisado, enquanto Judite reforma um quarto que era de um de seus
filhos, para receber os dois meninos (ela bem disse que não tinha espaço
para tanta criança). Já a Paula tem um quarto lindo, cheio de bonecas e
uma cama de casal. Quando cheguei à casa, apenas Paula e André estavam
em casa, Viviane estava na casa da irmã de Judite e Luiz estava em um
curso. André foi nos receber na porta, muito bem vestido, com o cabelo
penteado de lado. Paula aguardava lá dentro. Uma mesa com café e
bolinhos aguardava a conversa, mas os irmãos já tinham comido. “Vocês
demoraram um pouco e como já estava no horário de eles comerem, estavam
com fome, e acabaram não esperando”, contou ela.
A disciplina rege a
casa, mas tem muito carinho também. Consequência disso é o café na cama
que Judite ganha todas as manhãs. “Eu nunca pedi isso a eles, foi algo
totalmente espontâneo”, contou ela. Um galo, acompanhado de quatro
pombinhas, presente de dia das mães, é a representação da família. O
galo é a dona Judite, e as pombinhas simbolizam cada um dos quatro
irmãos. Falando nisso, foi curioso ver André se referindo a um dos
filhos de Judite como irmão, reflexo de que de fato eles já se sentem
parte da família. Álbuns de fotografia registram os cursos, as
atividades do escotismo, as datas comemorativas, a vida destes irmãos em
nova família. Com os filhos legítimos, já muito bem criados, Judite
planeja o futuro da criançada. André, por exemplo, vai cuidar de uma
criação de peixes no sítio da família. Nem André, nem Paula querem
voltar para o passado e sair da casa da dona Judite está fora de
cogitação para os irmãos. Pois bem, deixem os meninos viverem seu conto
de fadas.
O programa Família Acolhedora é diferente de adoção.
Muitas vezes a criança não fica na casa da família, e volta para seus
pais legítimos ou outros familiares. São lares provisórios. Os irmãos
ficaram tanto tempo e ainda hão de ficar na casa de Judite porque no
caso deles não existe possibilidade de reintegração na família, pela
seriedade das condições em que viviam. Assim como a história
recém-narrada, existem outras 75 famílias acolhedores e 150 acolhidos.
Ainda assim a lista de espera para acolhimentos conta com ao menos 10
crianças. Segundo Neusa existe dificuldade em encontrar famílias
dispostas a receber em casa uma criança que além de não ser sua,
precisará receber carinho, amor, atenção, e depois de tudo isso, ainda
pode ir embora. Mesmo assim, a assistente social coleciona histórias
bonitas de serem contadas. “É muito gratificante. O ser humano precisa
de um vínculo familiar”, destacou. O saldo é totalmente positivo,
segundo ela. Ainda que a maioria das crianças não consiga voltar para
suas famílias, o programa de acolhimento garante à grande maioria delas
um futuro muito bacana. Eles estudam, entram no mercado de trabalho, e
principalmente, criam um vínculo familiar com os acolhedores capaz de
fazer superar grandes traumas e dificuldades.
Para ajudar os
acolhedores, além de uma bolsa para ajudar no custeio de despesas com os
acolhidos, o programa oferece suporte diante de conflitos. “Não é uma
coisa fácil. Se eu disser que não existem problemas estarei mentindo.
Mas o programa trabalha para mediar estes conflitos”, contou. Sem sombra
de dúvida, ser família acolhedora é tarefa para os corajosos e
principalmente para aqueles que têm tanto amor, que não veem problema em
abrir mão de sua tranquilidade em prol de uma vida, ou quem sabe até
quatro. Como Neuza descreveu Judite: “Um exemplo de garra”.
FAMÍLIAS ACOLHEDORAS
Para ser uma família acolhedora, é necessário ter mais de 18 anos, toda
a família estar de acordo com o acolhimento, apresentar algum
comprovante de renda, certidão criminal negativa, ser aprovado no laudo
de saúde mental e na entrevista do programa.
Atualmente o Brasil
possui uma política de acolhimento às crianças que preconiza a garantia
de uma esfera familiar e atenção individual.
O acolhimento familiar é
realizado em residências de famílias acolhedoras previamente
cadastradas junto à entidade de atendimento. É uma modalidade de
acolhimento diferenciada, que não se enquadra no conceito de abrigo em
entidade, nem no de colocação em família substituta, no sentido estrito,
podendo, porém, ser compreendido no regime de colocação familiar
preconizado no artigo 90 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Foto: Crédito: João Guilherme/Gazeta do Paraná
http://cgn.uol.com.br/noticia/ 64695/ muito-mais-do-que-um-simples-ac olhimento
15 de Setembro de 2013
Cascavel
Denise Oleinik
Bruna B. da Luz
Gazeta do Paraná
Por meio do programa Família Acolhedora, crianças e adolescentes ganham uma segunda chance...
“E ele só fazia mais ler, mais ler, mais ler. Até que ele começou a achar que as histórias eram reais”, narrou parte de sua história favorita, o menino de semblante tímido e desconfiado. Ele que hoje é fã de Miguel de Cervantes, em meio às histórias de um fidalgo louco e apaixonado por sua amada Dulcineia, chegou à casa da dona Judite há cinco anos sem conhecer as letras. E assim como Dom Quixote, personagem do primeiro livro que leu por inteiro, o menino de 15 anos, lê, mais lê, mais lê, lê tanto que já acredita em conto de fadas, que para ele, fica mais bonito em outra lógica. Os dragões monstruosos viraram bonitos moinhos de vento, e a leitura não lhe acarreta a loucura, mas sim a proximidade com uma vida mais sã.
Não vamos usar os nomes reais nem do nosso personagem, nem dos seus irmãos, tudo para preservar essa turma. Vamos chamá-lo de André, seu irmão de 12 anos de Luiz, sua irmã de 14, de Paula e a mais velha, de 16, chamaremos de Viviane. Este menino foi recolhido pelo Estado junto com seus três irmãos, por sofrerem maus tratos por parte da família, esta é a única parte triste e pesada desta história, que até parece ficção. Quando chegaram ao abrigo, nunca haviam usado calçado, nem banheiro, não eram alfabetizados, viviam longe da civilização, “no meio do mato”, no Paraguai. O nosso personagem, que pegou gosto pela leitura, era tão acuado, que achavam que ele era mudo. Quando recolhidos, a tendência seria a separação, visto que os irmãos tinham perfis diferentes, eram duas meninas e dois meninos. Sorte é que Judite de Andrade Zacarkin é corajosa.
Tudo começou quando um dos filhos de Judite conheceu André e sugeriu a sua mãe que o acolhesse através do programa Família Acolhedora. Foi então que a assistente social Neusa Cerutti, coordenadora do programa Família Acolhedora, contestou: “Como que eu vou separar ele dos irmãos?”. Aí Judite ficou preocupada: “Como é que eu ia ficar com quatro crianças? Não tinha nem lugar para isso. Mas então eu trouxe os quatro para passar um final de semana aqui em casa e concluí que dava para ficar com os quatro”, contou. A Viviane ficou quatro anos na casa de Judite, depois disso a mãe acolhedora resolveu que o mais adequado seria a menina ir morar com sua irmã, em outra localidade de Cascavel. “Ela começou a criar corpo e a meninada que mora aqui perto já começou a se engraçar. Achei melhor levar ela para ir morar com minha irmã, mas ela vem aqui direto”, contou.
Já os outros três seguem na casa da dona Judite, que comanda os adolescentes com mão de ferro. “É uma responsabilidade muito grande. Criar adolescentes já dá trabalho, agora, imagina criar adolescentes que não têm limites, nem carinho. É preciso corrigir o que está errado. Eles aprontam bastante, quando chegaram pescavam minhas carpas. É desgastante, mas vale a pena”, contou ela. Lá, todo mundo tem que estudar e a leitura de livros é narrada na ponta da língua para a mãe acolhedora. Em uma bolsa, eles colecionam condecorações do escotismo e diplomas de conclusão de cursos. Eles já fizeram aula de informática, primeiros socorros, a Viviane aprendeu o ofício de manicure.
Os dois meninos dividem um beliche em um quarto improvisado, enquanto Judite reforma um quarto que era de um de seus filhos, para receber os dois meninos (ela bem disse que não tinha espaço para tanta criança). Já a Paula tem um quarto lindo, cheio de bonecas e uma cama de casal. Quando cheguei à casa, apenas Paula e André estavam em casa, Viviane estava na casa da irmã de Judite e Luiz estava em um curso. André foi nos receber na porta, muito bem vestido, com o cabelo penteado de lado. Paula aguardava lá dentro. Uma mesa com café e bolinhos aguardava a conversa, mas os irmãos já tinham comido. “Vocês demoraram um pouco e como já estava no horário de eles comerem, estavam com fome, e acabaram não esperando”, contou ela.
A disciplina rege a casa, mas tem muito carinho também. Consequência disso é o café na cama que Judite ganha todas as manhãs. “Eu nunca pedi isso a eles, foi algo totalmente espontâneo”, contou ela. Um galo, acompanhado de quatro pombinhas, presente de dia das mães, é a representação da família. O galo é a dona Judite, e as pombinhas simbolizam cada um dos quatro irmãos. Falando nisso, foi curioso ver André se referindo a um dos filhos de Judite como irmão, reflexo de que de fato eles já se sentem parte da família. Álbuns de fotografia registram os cursos, as atividades do escotismo, as datas comemorativas, a vida destes irmãos em nova família. Com os filhos legítimos, já muito bem criados, Judite planeja o futuro da criançada. André, por exemplo, vai cuidar de uma criação de peixes no sítio da família. Nem André, nem Paula querem voltar para o passado e sair da casa da dona Judite está fora de cogitação para os irmãos. Pois bem, deixem os meninos viverem seu conto de fadas.
O programa Família Acolhedora é diferente de adoção. Muitas vezes a criança não fica na casa da família, e volta para seus pais legítimos ou outros familiares. São lares provisórios. Os irmãos ficaram tanto tempo e ainda hão de ficar na casa de Judite porque no caso deles não existe possibilidade de reintegração na família, pela seriedade das condições em que viviam. Assim como a história recém-narrada, existem outras 75 famílias acolhedores e 150 acolhidos. Ainda assim a lista de espera para acolhimentos conta com ao menos 10 crianças. Segundo Neusa existe dificuldade em encontrar famílias dispostas a receber em casa uma criança que além de não ser sua, precisará receber carinho, amor, atenção, e depois de tudo isso, ainda pode ir embora. Mesmo assim, a assistente social coleciona histórias bonitas de serem contadas. “É muito gratificante. O ser humano precisa de um vínculo familiar”, destacou. O saldo é totalmente positivo, segundo ela. Ainda que a maioria das crianças não consiga voltar para suas famílias, o programa de acolhimento garante à grande maioria delas um futuro muito bacana. Eles estudam, entram no mercado de trabalho, e principalmente, criam um vínculo familiar com os acolhedores capaz de fazer superar grandes traumas e dificuldades.
Para ajudar os acolhedores, além de uma bolsa para ajudar no custeio de despesas com os acolhidos, o programa oferece suporte diante de conflitos. “Não é uma coisa fácil. Se eu disser que não existem problemas estarei mentindo. Mas o programa trabalha para mediar estes conflitos”, contou. Sem sombra de dúvida, ser família acolhedora é tarefa para os corajosos e principalmente para aqueles que têm tanto amor, que não veem problema em abrir mão de sua tranquilidade em prol de uma vida, ou quem sabe até quatro. Como Neuza descreveu Judite: “Um exemplo de garra”.
FAMÍLIAS ACOLHEDORAS
Para ser uma família acolhedora, é necessário ter mais de 18 anos, toda a família estar de acordo com o acolhimento, apresentar algum comprovante de renda, certidão criminal negativa, ser aprovado no laudo de saúde mental e na entrevista do programa.
Atualmente o Brasil possui uma política de acolhimento às crianças que preconiza a garantia de uma esfera familiar e atenção individual.
O acolhimento familiar é realizado em residências de famílias acolhedoras previamente cadastradas junto à entidade de atendimento. É uma modalidade de acolhimento diferenciada, que não se enquadra no conceito de abrigo em entidade, nem no de colocação em família substituta, no sentido estrito, podendo, porém, ser compreendido no regime de colocação familiar preconizado no artigo 90 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Foto: Crédito: João Guilherme/Gazeta do Paraná
http://cgn.uol.com.br/noticia/

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