CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO PÓSTUMA. VALIDADE.
ADOÇÃO CONJUNTA. PRESSUPOSTOS. FAMILIA ANAPARENTAL. POSSIBILIDADE.
Ação anulatória de adoção post mortem, ajuizada pela União, que tem por
escopo principal sustar o pagamento de benefícios previdenciários ao
adotado - maior interdito -, na qual aponta a inviabilidade da adoção
post mortem sem a demonstração cabal de que o de cujus desejava adotar
e, também, a impossibilidade de ser deferido pedido de adoção conjunta a
dois irmãos.
A redação do art. 42, § 5º, da Lei 8.069/90 - ECA -,
renumerado como § 6º pela Lei 12.010/2009, que é um dos dispositivos de
lei tidos como violados no recurso especial, alberga a possibilidade de
se ocorrer a adoção póstuma na hipótese de óbito do adotante, no curso
do procedimento de adoção, e a constatação de que este manifestou, em
vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar.
Para as adoções
post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus
em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o
tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa
condição.
O art. 42, § 2º, do ECA, que trata da adoção conjunta,
buscou assegurar ao adotando a inserção em um núcleo familiar no qual
pudesse desenvolver relações de afeto, aprender e apreender valores
sociais, receber e dar amparo nas horas de dificuldades, entre outras
necessidades materiais e imateriais supridas pela família que, nas suas
diversas acepções, ainda constitui a base de nossa sociedade.
A
existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção
social que podem gerar para o adotando, são os fins colimados pela norma
e, sob esse prisma, o conceito de núcleo familiar estável não pode
ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser
ampliado para abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas
bases sociológicas.
Restringindo a lei, porém, a adoção conjunta aos
que, casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovem
estabilidade na família, incorre em manifesto descompasso com o fim
perseguido pela própria norma, ficando teleologicamente órfã. Fato que
ofende o senso comum e reclama atuação do interprete para flexibilizá-la
e adequá-la às transformações sociais que dão vulto ao anacronismo do
texto de lei.
O primado da família socioafetiva tem que romper os
ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade
de gênero e fins reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim
de evolução, onde as novas situações se acomodam ao lado de tantas
outras, já existentes, como possibilidades de grupos familiares.
O
fim expressamente assentado pelo texto legal - colocação do adotando em
família estável - foi plenamente cumprido, pois os irmãos, que viveram
sob o mesmo teto, até o óbito de um deles, agiam como família que eram,
tanto entre si, como para o então infante, e naquele grupo familiar o
adotado se deparou com relações de afeto, construiu - nos limites de
suas possibilidades - seus valores sociais, teve amparo nas horas de
necessidade físicas e emocionais, em suma, encontrou naqueles que o
adotaram, a referência necessária para crescer, desenvolver-se e
inserir-se no grupo social que hoje faz parte.
Nessa senda, a
chamada família anaparental - sem a presença de um ascendente -, quando
constatado os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o
reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no
art. 42, §2, do ECA.
Recurso não provido.
(REsp 1217415/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 28/06/2012)
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